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A Fúria dos Reis.

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Posted 03/11/2015 by in Fantasia

Rating

Nota:
 
 
 
 
 

3/ 5

Sumário

Genero:
 
Autor:
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título: As Crônicas de Gelo e Fogo: A Fúria dos Reis
 
Título Original: The Chronicles of Ice and Fire: A Clash of Kings
 
Tradução: Jorge Candeias
 
Edição: 2011
 
Páginas: 653
 
Capa: Marc Simonetti
 
Resumo:

A Fúria dos Reis, por mais que seja o volume em que As Crônicas de Gelo e Fogo comece a evidenciar estar se tornando ambiciosa demais, consegue manter seu foco narrativo: a disputa pelo poder.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

“Numa sala estão sentados três grandes homens, um rei, um sacerdote e um homem rico com o seu ouro. Entre eles está um mercenário, um homem pequeno, de nascimento comum e sem grande inteligência. Cada um dos grandes pede a ele para matar os outros dois.”Faça isso”, diz o rei, “pois eu sou seu governante por direito”. “Faça isso”, diz o sacerdote, “pois estou ordenando em nome dos deuses”. “Faça isso”, diz o rico,”e todo este ouro será seu”. Agora, diga-me: Quem sobrevive e quem morre?”

Esse enigma, proposto pelo eunuco Varys ao anão Tyrion é o que melhor sumariza toda a história do segundo volume de As Crônicas de Gelo e Fogo: A Fúria dos Reis. Com a guerra pela coroa de Westeros fomentando, cinco reis surgem para reclamar o trono: os irmãos Stannis e Renly Baratheon, o lorde Balon Greyjoy, o nortenho Robb Stark e o pequeno, mas psicótico, Joffrey Baratheon. Só que, embora a trama siga a disputa dos cinco, o verdadeiro  protagonista é o próprio Tyrion.

Cada um dos reis surge sustentando suas pretensões com argumentos diferentes: enquanto Stannis julga-se o herdeiro legítimo do rei Robert, por ser o irmão mais velho, e tem a sacerdotisa Melisandre declarando ser ele o Messias escolhido pelo Deus Vermelho, Renly sabe que, pela lei, não possui direito algum, mas aposta que  possuir o maior exército de Westeros sob seu comando é suficiente para contornar esse obstáculo legal. Balon Greyjoy, por sua vez, com sua filosofia (“Nós não semeamos”), considera-se maior que todos, e enxerga em uma possível rebelião a oportunidade de conseguir novas terras e se vingar dos povos do norte. Já o jovem Robb Stark, que observou seu povo ajoelhando-se diante de si e gritando “Rei no norte!”, tem que lidar com as novas responsabilidades e descobrir uma forma de acabar com os outros quatro pretendentes mesmo com seu poderio militar inferior. E, por fim, Joffrey Baratheon, sentado não muito confortavelmente no trono, precisa lutar para mantê-lo, levando todo o exército da família Lannister para a guerra.

Não obstante seguir o turbulento percurso dos cinco supostos reis, o autor escolhe um caminho um tanto quanto curioso para acompanhá-los. As Crônicas de Gelo e Fogo é narrada do ponto de vista de vários personagens distintos e, nesse volume, possivelmente para mostrar que eles não estão de fato em controle – são eles as reais peças –, nenhum dos pontos de vista é de um rei. Acompanhando Stannis, temos Davos, antigo contrabandista, que enxerga seu senhor com um homem justo e severo, sendo um dos poucos a defender que a humanidade dele. Do lado de Balon Greyjoy, temos seu filho e protegido de Eddard, Theon, cujas ações alcançam contornos gravíssimos, enquanto tenta superar sua irmã e mostrar seu valor a um irresoluto pai. Seguindo Robb, Catelyn finalmente se mostra uma personagem interessante, já que sua visão maternal sobre os eventos da guerra ajuda a tornar o “jovem lobo” um personagem ainda mais humano e querido. E, de forma surpreendente, é também Catelyn que nos dá a visão de quem é Renly – um rei deveras ingênuo, mas detentor de um bom senso admirável. E corrigindo em vão o sempre psicopata Joffrey, o anão Tyrion Lannister tenta botar a cidade de Porto Real nos eixos e impedir que seu sobrinho e sua louca irmã acabem causando a derrocada da família.

Aliás, Tyrion não somente pegou o cargo de Mão de Eddard Stark como também sua posição como foco narrativo do livro. Com suas artimanhas para amenizar as intrigas na capital e detendo reservas infindáveis de sarcasmo, o anão injeta tanto humor ácido na narrativa, quanto humor negro, com a ajuda de seus hilários acompanhantes selvagens, que desejam entregar os órgãos genitais de todo mundo para as cabras. No entanto, ele ter que preparar o exército de Porto Real para um cerco do qual ele não tem esperanças de se defender também confere uma atmosfera opressiva a seus capítulos.

Deixando os reis de lado, a viagem  de Arya Stark para o norte com a Patrulha da Noite abre a oportunidade para Martin mostrar o lado brutal da guerra, enquanto a menina observa vilarejos sendo passados no archote, amigos e inimigos sendo enforcados e assassinados, além de idosos e crianças passando fome. O mundo com o qual ela se depara é bem menos aventuresco como desejara; ele é inescrupuloso e imperdoável. Um erro, um descuido, pode custar a vida não somente dela, mas de toda a sua família. Ela vai deixando sua identidade Stark de lado e, ao adotar vários nomes, se torna outra garota: uma garota esperta, controladora e vingativa. Já sua irmã também tem seu mundo de ilusão a esbofeteando. O que Sansa vive em A Fúria dos Reis pode apenas ser caracterizado como torturante.  Seu sonho de realeza torna-se realidade, m as, a educação, as falsas cortesias e a etiqueta que tanto prezava, se tornam ironicamente a sua única armadura para manter a sanidade, enquanto ela passa por duras humilhações e constantes abusos em Porto Real.

Enquanto isso, Jon Snow e Daenerys compõem os pontos fracos do livro. O arco narrativo que envolve a Patrulha da Noite é meramente preparatório para os eventos que ocorrerão em outros volumes, não conseguindo se sustentar sozinho. Jon conhece alguns personagens interessantes, como Qhorin Meia-Mão e a selvagem de cabelos ruivos, e alguns lugares interessantes, como o refúgio do velho Craster, mas nada além disso. Sua história, por  continuar completamente isolada e ainda ter sua conclusão adiada, acaba por passar a sensação de pertencer a um livro diferente.  Já o arco de Daenerys é assustadoramente inexistente. Para alguém que sofreu tantas modificações anteriormente e alcançou tanta coisa surpreendente é estupefante que se limite a simplesmente andar por aí. Ela passeia pelo deserto. Ela faz um tour: conhece algumas cidades, pontos turísticos bonitos, algumas vistas fascinantes, discute com gente rica, se dá o luxo de fazer uma viagem maneira em LSD em um templo, prova alguns pratos novos, veste roupas bonitas e por fim se vê de volta onde começou. Daenerys, em suma, tira umas férias, o que é no mínimo decepcionante.

Até o próprio continente de Westeros sofre mais mudanças significativas que ela: por conta de certos nascimentos, a magia começa a voltar para o mundo. Os estranhos sonhos de Bran então começam a se intensificar, Arya encontra um ser que não é meramente humano e Stannis tem Melisandre. O elemento da magia tem sempre que ser trabalhado com cuidado em uma história de fantasia: ao mesmo tempo em que o autor não pode fazer com que seu universo criado se sobreponha a história, a mesmo atenção deve ser dada à magia. Ambos devem servir à história e não controlá-la. A esse respeito, Martin é bem sucedido aqui: a feiticeira vermelha é responsável apenas por conferir um tom consideravelmente sinistro à história. Seus poderes e sua ambição lançam uma sombra sobre o personagem de Stannis (e uma contra seu irmão) conferindo uma tensão incomum, mas pertinente, aos seus capítulos.

Já a prosa de George R. R. Martin continua tão densa quanto antes, nos fazendo compreender rapidamente as motivações de novos personagens, como Stannis Baratheon, e se adapta perfeitamente à ambientação mais pesada e brutal que a história aderiu, não evitando descrições fortes de assassinatos e de batalhas. Em contrapartida, seus usuais deslizes também continuam presentes e o seu eterno amor por descrições de vestimentas e alimentos acaba alcançando níveis até engraçados: Jon pode passar três páginas caçando um veado em uma floresta para não morrer de fome no inverno interminável para lá da muralha, mas pode ter certeza que assim que ele o abater, o saboreará com suculentas cebolas fritas arranjadas de sua sacola, de onde também arranjará batatas e tempero para fazer um cozido. Um elemento mais preocupante é a quantidade de nomes e menções a coisas irrelevantes. Martin entope a narrativa de personagens e famílias secundárias, descreve brasões e conta lendas que não fazem a menor diferença para a trama de A Fúria dos Reis. Elas estão lá apenas para tornar o mundo mais vívido e para que um leitor assíduo possa se divertir ao descobrir que personagens importantes do sétimo livro estavam na aventura desde seus primórdios. O que não configuraria um problema, se Martin não exagerasse na quantidade dessas informações com propósito futuro. Um bom autor mantém as rédeas de sua criação e contém a expansão de seu mundo se isso não for beneficiar a história, mas nesse livro as informações inúteis realmente saem do controle.

A Fúria dos Reis, por mais que seja o volume em que As Crônicas de Gelo e Fogo comece a evidenciar estar se tornando ambiciosa demais, consegue manter seu foco narrativo: a disputa pelo poder. A discussão passa então a recair em sua legitimidade: qual seria o seu fundamento principal e mais forte? O que constitui o poder? Seria o dinheiro? A força? A fé? A lei? Ou o povo?  Quem é o verdadeiro rei? A resposta para esses questionamentos está implícita logo no início do livro, na resposta ao enigma proposto, quando poder é descrito como “Uma sombra na parede“. Varys explica: “Mas as sombras podem matar. E, muitas vezes, um homem muito pequeno pode lançar uma sombra muito grande.” Em outras palavras: a resposta não importa e Tyrion é o cara.

por Rodrigo Lopes Costa Onofre de Azevedo.

Publicado originalmente em 21 de Setembro de 2013.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


One Comment


  1.  
    fantasma

    incrivel é uma critica tão bem desenvolvida e nenhum comentario preguiçoso que seja PARABENS MEU CARO FANTASTICO





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