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A Tormenta de Espadas.

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Posted 03/11/2015 by in Fantasia

Rating

Nota:
 
 
 
 
 

4/ 5

Sumário

Genero:
 
Autor:
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título: As Crônicas de Gelo e Fogo: A Tormenta de Espadas.
 
Título Original: The Chronicles of Ice and Fire: A Clash of Swords.
 
Tradução: Jorge Candeias.
 
Edição: 2011.
 
Páginas: 884.
 
Capa: Marc Simmoneti.
 
Resumo:

É um volume ao mesmo tempo ambicioso e falho, com suas batalhas morosas e dançantes que não recompensam o leitor por toda a ansiedade criada em torno dos eventos em questão.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Terceiro volume da série As Crônicas de Gelo e Fogo, A Tormenta de Espadas é o romance em que as tramas finalmente se desenrolam: sua história é permeada pelos maiores eventos que a série já se deparou, modificando permanentemente e de forma brutal a estrutura política de Westeros, além da vida e personalidade de praticamente todos os seus habitantes. Todavia, mesmo contando com eventos com tamanhas consequências, o livro derrapa justamente no tratamento dado a esses aspectos mais emocionantes.

A narrativa continua acompanhando a guerra pelo Trono de Ferro, intercalando-a com a jornada de Daenerys no continente vizinho e com a resistência da Patrulha da Noite no norte, tentando investigar as criaturas sobrenaturais de suas lendas e deter seu avanço.

George R. R. Martin sempre contou a sua grandiosa história com foco no indivíduo, por meio do ponto de vista dos próprios personagens e aqui ele adiciona dois à vasta gama disponível: Samwell e Jaime. Martin, aliás, ainda consegue também evitar um dos grandes problemas dos outros volumes, tornando todas as perspectivas relevantes para o desenrolar dos acontecimentos.

O ponto de vista de Samwell Tarly, por exemplo, impressiona devido ao contraste entre sua personalidade gentil e o terror decorrente das aparições – agora constantes – dos Outros, enquanto eles mantêm sob ataque o acampamento da Patrulha da Noite. Já o de Jaime Lannister aproveita a multiplicidade de perspectivas para subverter o personagem: a principal visão que o leitor possuía até o momento do regicida era a que os Stark lhe atribuíam. Já ao observarmos os acontecimentos pelo seu lado da história, descobrimos um personagem que, embora ainda continue tendo cometido várias atrocidades sem se arrepender, é consideravelmente mais justo e, até certo ponto, amável do que o imaginado, trazendo um conceito de honra deturpado que casa exatamente com a temática do primeiro livro.

Já seguindo os personagens antigos, quem se destaca é Arya, devido à apresentação de diversos novos personagens através de um grupo chamado Irmandade – um bando de foras da lei que vive escondido na floresta – e ao desenvolvimento do personagem do Cão de Caça. Até Daenerys, que decide voltar das férias, impressiona, apresentando seu arco narrativo mais violento até agora. A rainha revela-se uma mulher ainda mais impiedosa que antes, e se suas persistentes promessas de pegar o que é seu de direito com fogo e sangue eram vazias nos volumes anteriores – carregadas apenas de esperança – aqui se tornam consideravelmente reais. A personagem é a única desenvolvida aos poucos, com as circunstâncias externas influenciando seu caráter e suas ações, e em A Tormenta de Espadas até mesmo seus estratagemas de guerra traiçoeiros surpreendem e dão uma nova visão sobre que líder ela poderá no futuro talvez se tornar.

Sobre outros personagens, quem estranhamente mais desaponta é Tyrion. O anão sempre foi esperto o suficiente para saber quando falar, o que fazer e como identificar seus inimigos – atributos essenciais para sobreviver ao jogo de intrigas da capital. No entanto, sua persona muda por completo nesse volume. O anão surge com uma personalidade altamente impulsiva, tola e consideravelmente ávida a provar seu grande valor a todos, principalmente ao pai. Tyrion, infelizmente, vira apenas mais um peão no tabuleiro.

O autor também perde um pouco à linha quanto ao tratamento conferido à magia. Em livros de fantasia ela tem que ser sempre utilizada com parcimônia para evitar furos na história ou revelar a arbitrariedade de sua construção. Em A Fúria dos Reis a presença do deus vermelho de Melisandre, por exemplo, funcionava justamente por ser contido aos capítulos com ela, servindo para diferenciar a jornada de Stannis dos demais reis por torná-la mais sinistra. Já em A Tormenta de Espadas, o alcance do deus vermelho se alastra por Westeros, fazendo eventos de natureza problemática ocorrer – os mais graves sendo sempre aqueles que envolvem a ressurreição de personagens, uma vez que nada consegue parecer mais arbitrário: por que a magia pode fazer aquele personagem determinado voltar a vida e outro não? As ações fundamentadas no poder do deus vermelho começam a gerar perguntas do gênero com uma frequência acima do normal, prejudicando, desse modo, a força da história e de alguns acontecimentos.

Ainda sobre o desenvolvimento da magia, é interessante notar um paralelo entre ela e o conceito honra reforçado aqui: são sempre os personagens mais ligados à honra que se deparam com as mais poderosas formas de magia. Stannis, com sua visão férrea de justiça, tem ao seu lado a sacerdotisa Melisandre. A patrulha da noite, sustentada pela honra, é quem defende Westeros do sobrenatural. Já os Starks têm seus lobos gigantes, que ainda chegam a se afastar no momento em que seus humanos mais fraquejam: Lobo Cinzento, quando Robb quebra seus votos e se apaixona por outra mulher, que não a filha de Walder Frey; Fantasma, enquanto Jon não se decide a quem será realmente fiel; e até Lady, o lobo de Sansa, sofreu as consequências da mentira de sua dona em A Guerra dos Tronos. Enquanto isso, todos os Lannisters, que pouco se importam com noções similares, renegam todo e qualquer resquício da existência de magia, agindo até de forma jocosa à apenas sua possibilidade. Há ainda a figura que vai visitar Daenerys e se tornar seu cavaleiro e a incapacidade do irmão dela de resistir ao fogo como bons exemplos. Enfim, são várias as alegorias que Martin se utiliza para debater que se a honra pode representar uma fragilidade política, ela também pode ser sua maior força e torná-la especial. Os dois conceitos são tratados da mesma forma: forças antigas e nobres que podem se tornar uma faca de dois gumes se utilizadas exacerbadamente.

Mas deixemos a magia de lado, pois A Tormenta de Espadas é aclamado por ser o livro com o maior número de batalhas e guerras travadas da série. Entretanto, Martin peca notavelmente nesse ponto. Ele pode armar todas as peças para a batalha brilhantemente, fazendo o leitor compreender o motivo de ela estar sendo travada e se importar com seus combatentes, mas na hora do frenesi, Martin descreve as lutas, os sítios aos castelos, as investidas das cavalarias com a mesma cadência com que descreve o café da manhã de Cersei. As batalhas e guerras, tão presentes na parte final de Jon, são detalhadas lentamente, afetando a tensão dos confrontos. Até nos combates singulares deixam o leitor na mão: o melhor exemplo é a luta entre Cão de Caça e o líder da Irmandade ali apresentado pela primeira vez. O autor descreve rapidamente lorde Beric como um homem sinistro e claramente confiante no resultado do entrave, enquanto o leitor já dispõe de suas memórias dos outros volumes para lhe permitir uma imagem da brutalidade do Cão de Caça. Os dois então se posicionam e, quando a luta começa, não só nos deparamos com “lâminas dançando e espadas cantando” como também somos presenteados com um “clang e clang, os grandes escudos de carvalho recebiam um golpe após o outro, após o outro.” Onomatopeias, por sinal, são frequentes em momentos climáticos: um personagem morre com um crunch nauseante e outro dizendo cof… cof …cof. Mas o ápice verdadeiro é quando Hodor (“Hodor!”) joga uma pedra dentro de um poço e Bran pondera se o barulho dela ao se encontrar com a água era mais um glup do que um tchap.

No entanto, não somente de batalhas supostamente épicas sobrevive A Tormenta de Espadas: o livro também contém a sua grande parcela de traições, revelações e reviravoltas – elementos emblemáticos da série. Nesses quesitos, Martin já se sai bem melhor. Os eventos, quando mais individuais, sangrentos e impiedosos (como execuções, assassinatos e casamentos) são conduzidos de forma mais calculada, aumentando-se gradativamente a tensão ao oferecer pequenas pistas a cada página. Dessa forma, o autor consegue passar a imprescindível sensação de urgência e choque. Já as revelações, apesar de virem no momento certo – mais alguns livros e ninguém mais iria se importar ou se lembrar – , são um prato misto. Algumas surpreendem e conferem uma visão diferente a algumas passagens antigas, enquanto outras não têm o mesmo efeito. Uma em específico, na verdade, envolvendo a origem de certo punhal, chega a ser covarde por jamais dar a chance ao personagem em questão de explicar seus motivos, restando ao leitor apenas conjecturas.

A Tormenta de Espadas, portanto, é inegavelmente o livro em que a história da série alcança seu ápice. É seu volume mais grandioso e ambicioso e que, devido a isso, muda completamente o panorama para a continuidade da história nos romances seguintes. Mas ele também é consideravelmente falho, com suas batalhas morosas e dançantes que não recompensam o leitor por toda a ansiedade criada em torno dos eventos em questão, além do arbitrário uso de magia criar problemas narrativos preocupantes. Assim, com tanta coisa acontecendo, nada mais natural que a grande discussão do livro mudasse novamente. Se primeiramente As Crônicas de Gelo e Fogo criticou a honra e depois passou a discutir a legitimidade das fontes de poder, aqui a mensagem é bem mais direta: Valar Morghulis. Todos os homens devem morrer.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

Publicado originalmente em 21 de setembro de 2013. Editado em 04 de abril de 2018.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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