Abzû.
Abzû segue muito de perto a estrutura de Journey para não ser discutido nos mesmos termos que ele. No entanto, ao trazer uma jogabilidade menos interessante, o jogo acaba empalidecendo na comparação, mesmo que apresente uma história e um universo tão fascinantes quanto.
Abzû, jogo de aventura desenvolvido pela Giant Squid, traz uma proposta muito semelhante ao último título dirigido por Matt Nava, Journey: contar uma história por meio, quase que exclusivo, da exploração e interação do jogador com o cenário.
Em Abzû, o jogador controla um nadador misterioso (sua face é coberta por sombras dentro de uma máscara) que se encontra em mar aberto, na entrada das ruínas de uma civilização antiga. O objetivo é descobrir a história do lugar e a motivação do sujeito para estar ali.
Nava segue bem a risca a fórmula utilizada em seu jogo anterior: utiliza um estilo gráfico em cel-shaded para construir um ambiente rico em cor, torna o caminho do jogador linear para facilitar a execução de uma trilha sonora orquestrada, mas dinâmica, enquanto desenvolve uma história que mistura misticismo e tecnologia.
O diretor deseja criar uma espécie de simbiose entre o personagem do nadador e o cenário. Há, por exemplo, uma relação de ajuda mútua entre os animais aquáticos e o protagonista: enquanto uma das poucas ações disponíveis ao jogador é “ativar” pequenos corais que “libertam” novos peixes para o oceano, devolvendo vida a ele, estes retribuem a atenção em outros momentos – notadamente aquele em que o personagem nada ao lado de gigantescas baleias, seguindo pelo mesmo caminho: elas parecem guiá-lo pela imensidão do oceano.
Além disso, a história é desenvolvida a partir da exploração do ambiente. Encontrando gravuras em ruínas submersas e analisando outros elementos do cenário, o jogador vai construindo suas teorias sobre o que ocorreu com o lugar.
Os temas tratados são os mais variados, dado a multiplicidade de interpretações possíveis: o jogo deixa espaço para a discussão sobre o ciclo da vida, a resistência da natureza – que, afinal, circunda os restos de uma civilização – e até alguns assuntos mais surpreendentes, como a existência de alma em máquinas.
A dinamicidade da trilha é um dos elementos mais fundamentais da narrativa, visto que comenta a jornada do protagonista. Em um determinado momento, após seguir um grupo de orcas, o nadador salta da água em sincronia com elas, enquanto a música alcança seu pico. No entanto, quando ele volta para dentro d’água, as orcas desapareceram e o jogador se vê em um ambiente desprovido de vida animal, cor e energia. A trilha sonora acompanha o movimento da cena e some junto com as orcas, intensificando o súbito efeito de desolação provocado.
Como em Journey, Nava também merece créditos por trabalhar muito bem com o surreal, criando imagens impressionantes: após atravessar certos portais, o nadador chega a um lugar místico, onde espíritos de animais se movimentam a seu lado e a superfície do oceano está abaixo de si e não no topo. O personagem parece flutuar no vazio, cercado apenas de estrelas e espíritos.
Contrapondo-se a esses momentos, estão aqueles em que o protagonista encontra ferramentas tecnológicas que o ameaçam, apesar de deslumbrar o jogador com seu aspecto e funcionamento alienígena. Há um comentário político evidente nas descobertas sobre a civilização perdida em Abzû: sem revelar detalhes, é suficiente apontar que a queda deles está tematicamente relacionada com a tentativa de controlar a natureza.
Afinal, o núcleo dramático do jogo é a guerra entre tecnologia e natureza, conflito este que se torna ainda mais complexo com as revelações acerca da identidade e das motivações do protagonista – além da evolução do vínculo que ele mantém com um grande tubarão branco. Nava, portanto, conta uma história que – mesmo aberta a diversas interpretações – permanece coesa no estabelecimento de seus principais elementos.
Todavia, o diretor peca na construção das mecânicas do jogo. O principal problema é o contraste entre a grande atenção dada à vida marinha e as parcas possibilidades de interação com ela. De um lado, o jogador é incentivado a “meditar”, o que leva a câmera para longe do protagonista, com o objetivo de observar apenas a IA dos peixes trabalhando – eles reagem à presença de outros cardumes, comendo uns aos outros volta e meia –, enquanto, do outro, a única ação direta que pode ser realizada com os animais é pegar uma carona nos peixes grandes, deixando-os levar para onde quiserem. Não os utilizando sequer nos poucos puzzles presentes na aventura, Nava acaba perdendo a oportunidade de explorar ainda mais o tema de sua história.
Removendo desnecessariamente o componente multiplayer de Journey, sem oferecer nada no lugar, a equipe da Giant Squid também peca ao tornar ainda mais simples uma fórmula que nunca prezou pela complexidade. É verdade que o multiplayer relaciona-se mais com o tema da história daquele jogo do que com o deste, mas sua ausência só torna Abzû mais carente de elementos.
Também é notável a diferença de conexão mantida entre jogador e protagonista em ambos os jogos. Em Journey, o personagem silencioso serve como um avatar, uma vez que seu arco narrativo é construído em termos gerais e o sujeito vai aprendendo sobre aquele universo junto com o jogador. Já o nadador de Abzû é um mistério para o jogador desde o início, sendo construído um distanciamento entre eles que jamais é encurtado.
Abzû segue muito de perto a estrutura de Journey, embora, ao trazer uma jogabilidade um pouco menos interessante, o jogo acabe empalidecendo um pouco em comparação – mesmo que apresente uma história e um universo tão fascinantes quanto.
por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.
25 de agosto de 2016.
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