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Dear Esther.

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Posted 06/20/2015 by in PC

Rating

Nota:
 
 
 
 
 

3/ 5

Plataforma: , ,
 
Título: Dear Esther.
 
Publicador: Steam.
 
Desenvolvedor: The Chinese Room.
 
Duração Média: 3 horas.
 
Lançamento: 14/02/2012.
 
Resumo:

A história de Dear Esther, marcada pela dor e pela angústia, é tão bem representada pelo cenário e pelos diálogos do narrador que afeta o jogador imediatamente. Sua narrativa, ambiciosa e diferente, é eficaz em desorientar no início, informar no meio e comover quando as peças do quebra-cabeça finalmente se juntam. É uma pena que os desenvolvedores tenham pecado na pretensão de forçar o jogador a iniciar várias partidas, quando muito bem poderiam ter construído uma experiência única completa e perfeita.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Sem contar com ações específicas, pulos, batalhas, pontos de experiência, escolhas ou armas, Dear Esther é um jogo de videogame incomum. Sua história é contada por enigmáticas mensagens de voz que eventualmente se contradizem e ainda causam uma forte desorientação no jogador. É um jogo que gera estranhamento não somente por sua inusitada estrutura, mas também por construir um universo deturpado, que investe constantemente em uma atmosfera lúdica, sugerindo que a lógica pouco pertence a aquele lugar.

A jogabilidade de Dear Esther não poderia ser mais simples. O avatar do jogador está preso em uma ilha e a única ação possível é caminhar e observar o cenário, movimentando a câmera – sequer é permitido pegar objetos. Desse modo, no início do jogo, os desenvolvedores forçam o jogador a observar seus arredores, situar-se e procurar um objetivo, levando-o a notar uma luz vermelha piscando no horizonte, no topo de uma torre, e perceber que deve alcançá-la.

Ao transpassar pontos específicos da ilha, o jogador ativa trechos da narração: um homem, aparentemente culto, descreve a paisagem para uma mulher chamada Esther, aproveitando para tecer comentários sobre a natureza humana e as consequências do isolamento.

A linguagem rebuscada utilizada nos diálogos serve para esconder detalhes da trama em meio a metáforas, embora nem sempre seja bem sucedida: ela soa poética em alguns momentos (“When you were born, your mother told me, a hush fell over the delivery room. No one knew what to say, so you cried to fill the vacuum. I always admired you for that; that you cried to fill whatever vacuum you found. I began to manufacture vacuums just to enable you to deploy your talent.”), mas apenas pretensiosa em outros (“I return each time leaving fresh markers that I hope, in the full glare of my hopelessness, will have blossomed into fresh insight in the interim”).

Dear Esther é controlado em primeira pessoa, uma escolha imprescindível para o sucesso da história por impedir que o jogador saiba a identidade do indivíduo que está comandando: uma importante dúvida que permeia o jogo inteiro. Alguns nomes são conferenciados pelo narrador – Paul, Donnelly, Esther, Jacobson – mas as personalidades logo se confundem, indicando que algumas podem constituir o mesmo indivíduo. Suas características são comparadas com a geografia da ilha (“My rocks are these bones and a careful fence to keep the precipice at bay. Shot through me caves, my forehead a mount, this aerial will transmit into me so.”), deixando o jogador ainda mais aturdido, inevitavelmente o levando a uma reflexão sobre o que é real ou e o que não é.

A narrativa ganha sentido quando o jogador entende que o narrador não é confiável; que ele está se afogando em remorso, tentando desesperadamente impedir que a culpa preencha seus pulmões e o sufoque. O narrador é um personagem infeliz e melancólico que acompanha o jogador pela ilha, comentando esparsamente sobre os eventos que o levaram até lá, negando e evitando mencionar ações que o fizeram sofrer.

Esses diálogos são, em sua maioria, escolhidos aleatoriamente de uma gama existente no banco de dados do jogo. Esse design causa efeitos positivos e negativos na narrativa. Por um lado, ele garante variedade, estimulando mais de uma visita a ilha, e permite que cada jogador tenha uma experiência levemente diferente em sua primeira partida. Por outro, impede maior sofisticação na narração e no texto. Pode ser difícil, por exemplo, estabelecer uma progressão no estado mental do narrador ao longo do jogo – apesar do ótimo trabalho do dublador, Nigel Carrington – se os diálogos “corretos” não aparecerem. Sem essa progressão um pouco se perde da história. Da mesma forma, se as informações fornecidas em uma partida fossem trocadas por outras, detalhes diferentes também escapariam ao jogador. Além disso, o texto se obriga a ser vago para poder adequar-se a mais de uma situação.

Desse modo, Dear Esther constitui um quebra-cabeça desnecessariamente trabalhoso. Ele falha por dificilmente conseguir entregar ao jogador todas as peças necessárias para o entendimento completo da história em uma única partida, forçando-o a jogar mais vezes. Uma coisa é incentivar o replay com a promessa de novas experiências – seja com escolhas que levam a eventos e a finais alternativos, ou com fases secretas – já outra é fazer isso ao sonegar informações importantes para a compreensão da história. O primeiro caso é incentivo baseado em recompensa, o segundo é exploração baseada em chantagem: jogue mais de uma vez ou saia com a experiência inacabada.

Apesar disso, a direção de arte merece aplausos por transformar a ilha em uma metáfora: um lugar irreal, etéreo e personalíssimo. A fórmula química do etanol desenhada nas paredes e nas montanhas e as rodas e peças destruídas de carro sugerem uma tragédia bem específica na vida do narrador e ainda revelam sua natureza obsessiva. A sua relação com Esther não é tratada de forma doce pela narrativa, mas melancólica: as cartas jamais escritas para ela, dobradas em barquinhos de papel, navegando até a escuridão da noite e afundando, compõem uma imagem dolorosa que simboliza a jornada do personagem pela ilha.

A atmosfera de solidão é acertadamente claustrofóbica. A ilha é deserta – nem mais as gaivotas aguentam o lugar – apesar de conter várias obras humanas. O som das ondas chocando-se com os rochedos íngremes, as estranhas mensagens pintadas nas pedras e as estruturas destruídas contribuem para a ânsia do jogador em desejar escapar dali o mais rápido possível. Ele sente-se – como o narrador – angustiado e sozinho. O level design que o obriga a caminhar em longas espirais, a ir e voltar e circular os ambientes é brilhante por fazer o cenário encolher e expandir sobre o jogador, fortalecendo o desconforto. Não há uma escapatória fácil: quando o jogador tenta pular de um penhasco ou se afogar, ele volta para o último ponto seguro do terreno acompanhado de um único sussurro suplicando-lhe a não desistir – uma excelente contextualização de um elemento típico de jogos de videogame.

O visual de Dear Esther também impressiona. A iluminação na área das cavernas, por exemplo, cria um ambiente fascinante, que mescla o encanto da bioluminescência de fungos com a hostilidade de dezenas de estalactites. A trilha sonora composta por Jessica Curry é igualmente eficiente, usando levemente do piano para transmitir a desolação e tristeza daquele lugar.

A história de Dear Esther, marcada pela dor e pela angústia, é tão bem representada pelo cenário e pelos diálogos do narrador que afeta o jogador imediatamente. Sua narrativa, ambiciosa e diferente, é eficaz em desorientar no início, informar no meio e comover quando as peças do quebra-cabeça finalmente se juntam. É uma pena que os desenvolvedores tenham pecado na pretensão de forçar o jogador a iniciar várias partidas, quando muito bem poderiam ter construído uma experiência única completa e perfeita.

por Rodrigo Lopes  C. O. de Azevedo.

20 de Junho de 2015.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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