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Spec Ops: The Line.

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Posted 03/23/2015 by in PC

Rating

Nota:
 
 
 
 
 

4/ 5

Plataforma: , ,
 
Título: Spec Ops - The Line.
 
Publicador: 2K Games.
 
Desenvolvedor: Yager Development.
 
Duração Média: 10 horas.
 
Lançamento: 26/06/2012.
 
Resumo:

Spec Ops – The Line consegue fazer uma excelente crítica não somente à guerra, como muitos já fizeram, mas à imparcialidade e leviandade que os jogos atuais do gênero tratam o assunto. É só uma pena que sua jogabilidade trace caminho contrário, tentando ser a mais convencional possível, limitando, dessa forma, o potencial do título.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Jogos de ação em terceira pessoa envolvendo armas de fogo costumam seguir uma fórmula muito básica: o personagem que o jogador controla entra em um ambiente qualquer e precisa eliminar certo número de inimigos, representados por pontinhos vermelhos no seu radar. Como ele faz isso? Ele corre para trás do primeiro objeto que fornece cobertura, deixa a mira posicionada onde seus inimigos estão também se escondendo e espera até um deles sair para apertar o gatilho do controle. Spec Ops – The Line é um jogo que não tenta mudar esse esquema de forma alguma: pelo contrário, ele propositalmente se enquadra na forma mais crua da receita acima. Essa decisão por parte de seus desenvolvedores, embora limite demasiadamente o potencial do jogo, provavelmente foi tomada para compensar o choque trazido por sua história e sua narrativa. Pois é certo que, se Spec Ops – The Line é nas suas mecânicas extremamente banal e formulaico, na execução de sua trama ele é completamente mais ousado e provocador, distorcendo todas as convenções do gênero para produzir uma experiência excruciante.

Visivelmente inspirado no livro Coração das Trevas e, consequentemente, no filme Platoon, Spec Ops – The Line almeja contar uma historia brutal sobre a guerra e o que acontece com o psicológico de um soldado quando os eventos no campo de batalha fogem de seu controle e do escopo das ordens recebidas, alcançando contornos horríveis, e ainda cabe a ele tomar as decisões que podem resolvê-las ou piorá-las. Amplificando gradativamente a intensidade das situações, o jogo é hábil em sufocar paulatinamente o jogador em sua atmosfera opressiva e violenta.

A ação do jogo transcorre em Dubai. A cidade foi atacada por uma enorme e interminável tempestade de areia e os Estados Unidos perderam contato com o último batalhão norte-americano que escolheu permanecer no local para ajudar na evacuação dos habitantes do lugar. O capitão Martin Walker então é enviado com dois companheiros – o sargento Lugo e o tenente Adams – para descobrir o que aconteceu, colher inteligência e partir. Porém, o que eles acabam descobrindo e vivenciando na cidade também os obriga a permanecer nela.

Walker, o protagonista, é um homem que deseja ser um herói. O líder do batalhão que permaneceu na cidade, John Conrad, é o seu ídolo e ele pretende fazer o possível para se igualar a ele. O capitão, portanto, rapidamente vislumbra no caos em Dubai a chance de mostrar seu valor, não hesitando em agarrar desesperadamente todas as oportunidades de provar a si mesmo e aos seus companheiros que ele é tão capaz quanto Conrad. Desse modo, essa busca incessante e cada vez mais absurda pelo ato heroico faz a evolução do personagem caminhar em paralelo com a da narrativa, se intensificando com o decorrer dos eventos.

Spec Ops – The Line começa, como qualquer outro exemplar do gênero, com uma ação leve e inconsequente. No início, por exemplo, a equipe Delta de Walker avisa que os inimigos foram “neutralizados” ou “eliminados” e o tenente Adams faz piadas para amenizar o clima. O jogo caminha como o esperado. Todavia, as situações em que os personagens se encontram se tornam gradativamente mais opressoras: o plano inicial do esquadrão Delta era apenas o de colher inteligência e somente ajudar o 33º Batalhão se estritamente necessário. Mas, ao se deparar com um cenário devastador e completamente inesperado – soldados do batalhão sendo encontrados enforcados ao longo das ruas, cidadãos de Dubai sendo coagidos e atacados por um grupo de militares, rebeliões e atentados acontecendo a cada esquina, enquanto a areia vai enterrando os corpos, os destroços e a carnificina –, o grupo decide ficar para averiguar a situação sem realmente ter sua ajuda requisitada.

Logo, não demora para o clima tranquilo desaparecer. Antes da metade do jogo nenhum dos três soldados está mais calmo e as ordens começam a ser berradas e os inimigos passam a ser “mortos” e “destruídos”. O jogo, então, acelera ainda mais o ritmo da narrativa e avulta a visceralidade dos acontecimentos, fazendo com que, no fim, os três estejam completamente destroçados emocionalmente: eles só gritam, se desesperam, choram e descarregam suas armas contra seus oponentes, só parando de espancar um inimigo quando sua face já virou uma pasta disforme de carne e sangue. Em determinado momento perto do final do jogo, por exemplo, Walker não se contenta em conseguir fugir de uma instalação inimiga, ele tem que matar todo mundo e ainda derrubar o prédio, enquanto grita em uníssono com sua metralhadora giratória.

O jogo também não hesita em condenar as ações de Walker de forma nítida e intensa. Graças a sua caça inconsequente ao status de herói, o personagem sacrifica cada vez mais os planos eficientes de seu esquadrão, colocando-o até mesmo em perigo para salvar civis ou soldados do 33° Batalhão. E o que mais impressiona nesse aspecto é o fato de que suas ações, em outro contexto, realizadas por outras mãos, realmente poderiam ter sido consideradas humanitárias. Mas devido à implacabilidade da perturbada psique do protagonista, elas só conseguem aparecer para o jogador como o produto de um enraizado egoísmo.

Spec Ops – The Line também nota o paralelo existente entre as motivações do protagonista e as do próprio jogador, explorando esse elemento – inusitadamente – durante as telas de carregamento. Quebrando a quarta barreia, enquanto algum capítulo novo da história é carregado são mostradas frases provocantes destinadas exatamente ao jogador. Após uma longa sequencia de ação, por exemplo, o jogo perguntará “Já está se sentindo um herói?”. Ou, mais para frente, poderá surgir a sentença “Matar por si mesmo é assassinato. Matar por seu país é heroico. Matar por diversão é inofensivo”. Essas provocações são eficazes, pois não somente ajudam a aumentar a imersão como também fazem o jogador questionar suas próprias ações e a do protagonista no jogo.

Aliás, Spec Ops – The Line pega justamente os dois elementos mais clássicos de um shooter – a mudança de perspectiva, popularizada pelo primeiro Call of Duty: Modern Warfare com seu AC-130 na fase Death from Above, em que o jogador passa a acompanhar a ação por um monitor, em uma visão aérea em preto e branco, onde controla a mira de um foguete a ser disparado contra pessoas representadas por pontinhos brancos de calor; e as constantes sequências em torretas (turrets em inglês) – e os desnuda e subverte, expondo ao jogador as entranhas desumanas por trás dessas armas: qualquer segmento de ação baseado no AC-130 é extremamente fácil simplesmente pelo fato de os inimigos não representarem qualquer resistência. Eles são como formigas, vistas lá de cima pelo radar, que esperam apenas o toque de um botão para deixar de existir. Correr, como os jogadores certamente provarão a eles, é inútil. Suas mortes são fáceis, previsíveis e inevitáveis, causando no jogador uma grande sensação de poder. Já em Spec Ops – The Line, o jogador é apresentado ao “Fósforo Branco”, uma arma química cujo uso é proibido pelas Convenções de Genebra, em um momento consideravelmente forte, em que se observa soldados e civis sendo queimados vivos na frente do protagonista. Não muito distante na narrativa, então, Walker precisa passar por um enorme esquadrão inimigo para chegar a seu objetivo e vê como única alternativa o uso do Fósforo Branco, que é armado justamente com essa mira área em preto em branco. Só que, mostrando completa noção da natureza dessas armas, os roteiristas transformam essa corriqueira ação em jogos do gênero no evento mais importante da trama. Após matar todos com a arma, Walker e seus companheiros mudam completamente. É esse evento que, graças a sua natureza desumana, muda o curso da história do jogo e transforma Walker, Adams e Lugo em figuras completamente trágicas, loucas e desesperadas. E até mesmo as “fases de turret”, geralmente monótonas e fáceis, não escapam da subversão, visto que a única presente no jogo é repetida de modo surpreendente, levando a uma escondida e desnecessária, mas divertida, reviravolta.

Todavia, por mais que a história de Spec Ops – The Line seja seu principal trunfo, sua jogabilidade é a mais banal possível. Praticamente todas as sequências de ação se resumem a conseguir cobertura, esperar, atirar, passar para a próxima sala, enquanto berra ordens pouco úteis para seus companheiros, para depois repetir o processo. O jogo até possui timidamente o seu “diferencial inovador”, que é a possibilidade de se quebrar janelas e vidraças com tiros, enterrando assim os inimigos na areia que cobre toda a cidade. Há, entretanto, brevíssimos relâmpagos de maestria em determinadas cenas perto do final, que evidenciam o potencial que o jogo detinha, como, por exemplo, a parte em que Walker está com munição escassa em um aposento repleto de manequins e com o inimigo mais forte do jogo – um brutamonte enorme de capacete e armadura reforçada – e a cada tiro disparado as luzes piscam e os manequins trocam de lugar com seu adversário. Spec Ops – The Line também apresenta um modo multiplayer online, pouco usado, simples e ainda mais banal, que só está lá para atender mais uma vez as convenções do gênero.

Já tecnicamente, o jogo se sai consideravelmente bem. As dublagens são de primeiro nível, contando com o superutilizado Nolan North (Nathan Drake de Uncharted) em um papel diferente do habitual, como o capitão Walker, e convencem ao se intensificar junto com a história. A direção de arte, numa decisão ao mesmo tempo lógica e corajosa, prefere se adequar a “reviravolta do turret”, criando uma cidade visualmente exagerada e pouco verossímil, entupindo as paredes de cartazes e desenhos significativos. Também merecem destaque as evidências dessa reviravolta escondidas no jogo, como alguns cartazes do primeiro capítulo. A trilha sonora, por sua vez, pouco se destaca, escolhendo utilizar um rock pesado que, por mais que combine com a fúria presente no final do jogo, e seja contextualizada pela estação de rádio existente, irrita na maior parte do tempo pelo excesso de distorção e volume alto.

O subtítulo de Spec Ops – The Line faz referência à linha que separa os heróis dos vilões em uma guerra. Contendo uma última reviravolta que não só surpreende, como ultrapassa essa linha, a expande e conclui o desenvolvimento de seu protagonista – como toda boa reviravolta final deveria fazer – o jogo consegue fazer uma excelente crítica não somente à guerra, como muitos já fizeram, mas à imparcialidade e leviandade que os jogos atuais do gênero tratam o assunto. É só uma pena que sua jogabilidade trace caminho contrário, tentando ser a mais convencional possível, limitando, dessa forma, o potencial do título.

por Rodrigo Lopes. C. O. de Azevedo.

Publicado originalmente em 10 de Julho de 2014.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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