To the Moon.
Se To the Moon é pouco eficiente no que poderia ser convencionalmente considerado crucial para um jogo, isso pouco importa, pois ele excele no que verdadeiramente se propôs a fazer: provocar uma catarse impressionante com sua história. Desse modo, durante memoráveis cinco horas, o jogador não somente se emocionará e se divertirá verdadeiramente, como irá parar para refletir.
Ao contrário do que é de praxe na indústria de games, é extremamente provável que a história de To the Moon tenha sido elaborada antes de sua jogabilidade. Dessa forma, ao dar ênfase na construção dos eventos da trama e não em como eles são controlados ou guiados pelo jogador, a equipe da Freebird Games caminhou na contramão da indústria, criando, no processo, uma experiência singular e inesquecível. Em To the Moon é a a história que cativa, a jogabilidade é apenas uma mera ferramenta para poder contá-la.
O jogo conta a história de dois cientistas, Eva Rosalene e Neil Watts, que são contratados para realizar o sonho de Johnny, um velho no seu leito de morte: ir para a Lua. Por intermédio de uma estranha máquina, os dois são capazes de entrar no subconsciente de seus clientes e reviver suas memórias, onde deverão plantar a semente da ideia que levarão os sujeitos a alcançar seus respectivos desejos. Como o cliente do dia quer ir para a lua, os dois planejam implantar na sua infância a aspiração de se tornar um astronauta, com o único empecilho residindo no fato de eles só poderem avançar pelas memórias gradativamente, iniciando sempre pelas mais recentes. Por isso, e devido a sua estrutura narrativa, pode-se afirmar que, em uma estranha metáfora cinematográfica, To the Moon seria a cria de um relacionamento amoroso entre Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, A Origem e Amnésia. Com o estilo gráfico de um RPG de Super Nintendo.
Em seu início, o jogo se utiliza de uma fórmula simples, mas eficiente: Neil e Eva entram em uma memória, a revivem, e então começam a coletar fragmentos da próxima – esses fragmentos são simbolizados por esferas coloridas – para conseguir quebrar a proteção que o subconsciente de Johnny colocou sobre o objeto que serve como a porta que os levará para memórias mais distantes. É nesse ponto em que a parte “jogo” de To the Moon entra em cena. Controlando um dos cientistas através do clique do mouse, como nos jogos pertencentes ao belo gênero “Adventure”, o jogador precisa investigar os objetos do cenário até conseguir encontrar aqueles que liberam esses fragmentos. Essa mecânica, embora básica, é muito eficiente quando utilizada para guiar o jogador, impedindo que ele se perca sem saber o que fazer ao obrigá-lo a interagir com os personagens e objetos importantes, dando assim continuidade à história. E no momento de quebrar a “barreira” do objeto que os transportará para a próxima memória, surge, por razões que nem os desenvolvedores devem saber, um quebra-cabeça em que o jogador deverá ficar virando e desvirando colunas e fileiras de pedaços que formam o quadro daquele objeto até completá-lo. Felizmente, no entanto, nenhum deles chega a ser frustrante e a maioria pode ser completada em questão de minutos.
Mas como atestado anteriormente, é a história o grande atrativo de To the Moon. Sendo contada de trás para frente, ela acompanha a vida de Johhny se desconstruindo, enquanto tanto o jogador quanto os cientistas tentam compreender as razões de ele querer ir para lua e observam, com uma eficiente dose de crítica, todas as fases do relacionamento do velho com sua mulher. Também é digno de elogios o texto do jogo, afinal, graças ao uso de situações e diálogos que soam autênticos, ele consegue a proeza de fazer o romance de Johnny causar empatia no jogador, principalmente se for levado em consideração que o velho e sua mulher são dois blocos feiosos e ultrapassados de sprites. Eva Rosalene e Neil Watts também não ficam para trás em termos de desenvolvimento, e a dinâmica entre os dois é bem trabalhada e divertida, servindo como alívio cômico em diversos momentos. E como os dois trabalham invadindo memórias todos os dias, a forma cotidiana, e muitas vezes cínica, como veem os acontecimentos é extremamente curiosa, ressaltando-se as nerds e usuais piadas de Neil (“Hadouken!”) e a forma gradual com que os dois passam a construir opiniões diferentes sobre a vida de Johhny, o que resulta em um satisfatório clímax que se vale da grande reflexão “dumbledoriana”: “Não é porque está acontecendo na sua mente que não é real”.
E se a trama, muitíssimo bem elaborada e original, não agarrar a atenção do jogador, a trilha sonora – disponível no site oficial do jogo por apenas cinco dólares – certamente o fará. Composta pelo próprio diretor, Kan Gao, em parceria com sua amiga Laura Shigihar, que trabalhou em Plants vs. Zombies, as músicas irão chorar, rir e se emocionar de mãos dadas com o jogador. Utilizando-se primordialmente do piano, a trilha é um dos fatores críticos para jogo possuir a força que tem, com destaque para o tema principal e para versão cantada de “Everything’s Alright”.
Se To the Moon é pouco eficiente no que poderia ser convencionalmente considerado crucial para um jogo – e a confusão que é uma das sequências finais em que o jogador precisa tacar arbustos em zumbis, enquanto tenta desviar de espinhos em um corredor de uma escola em um looping infinito prova essa assertiva – isso pouco importa, pois ele excele no que verdadeiramente se propôs a fazer: provocar uma catarse impressionante com sua história. Desse modo, durante memoráveis cinco horas, o jogador não somente se emocionará e se divertirá verdadeiramente, como irá parar para refletir. E de quantos jogos pode se dizer isso hoje em dia? Quantos servem para algo além da diversão descompromissada? Quantos têm o potencial de mudar a forma, nem que levemente, que a pessoa enxerga suas ações? No meio de “grandes” jogos como Uncharted e Skyrim, com suas sequências de ação cinematográficas e escopo gigantesco, é excelente que tenhamos um jogo mais contido e íntimo. Um jogo que mostre não ser necessário para construir uma jornada memorável, nada a mais que talento.
por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.
Publicado originalmente em 21 de Setembro de 2013.