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Tomb Raider.

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Posted 04/09/2015 by in PC

Rating

Nota:
 
 
 
 
 

3/ 5

Plataforma: , , , ,
 
Título: Tomb Raider.
 
Publicador: Square-Enix.
 
Desenvolvedor: Crystal Dynamics.
 
Duração Média: 15 horas.
 
Lançamento: 05/03/2013.
 
Resumo:

O que se observa em Tomb Raider é uma incompatibilidade entre alguns dos elementos inerentes a maior parte dos jogos de videogame e sua própria trama. Enquanto a jogabilidade é absurda por natureza, a história preza pelo realismo. Separadamente, os dois até poderiam ser bastante eficientes se trabalhados com cuidado. Entretanto, unidos em um mesmo produto, apenas o tornam bipolar.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
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Um dos fatores a ser avaliado em um jogo de videogame é sua coerência. Em outras palavras, é essencial observar como seus diversos elementos se conectam: se eles se complementam, expandindo as ideias do jogo, ou se eles se contradizem, dirimindo o potencial de cada um. Tomb Raider, o reboot da franquia lançado pela Square Enix em 2013, peca justamente nesse aspecto. Sua história é madura e sua jogabilidade é funcional, mas ambas apresentam tons conflitantes, levando o jogador a refletir se os membros da equipe de desenvolvimento compartilhavam da mesma visão sobre o produto final.

Lara Croft é uma arqueóloga inexperiente que partiu em uma expedição para encontrar vestígios de uma civilização perdida: os Yamatai. Após uma terrível tempestade, o navio em que viaja encalha em uma misteriosa ilha e ela não demora a entender que será bastante complicado escapar do lugar.

Logo nos primeiros minutos de Tomb Raider fica evidente a tentativa de diferenciar esse recomeço da franquia de sua maior concorrente, Uncharted. Lara Croft está assustada e ferida, presa em um saco, pendurada de cabeça para baixo. Quando consegue se livrar, cai em cima de um fino tubo de metal que perfura sua barriga. Ela é uma heroína que se machuca, que sangra e chora. Ao contrário de Nathan Drake, protagonista de Uncharted, que sempre consegue realizar seus saltos por um triz, ela erra alguns e sofre as consequências rolando ladeira abaixo.

Há, no início, uma ênfase em sobrevivência e no realismo das ações de Lara. Uma das primeiras missões é caçar um veado para se alimentar e Lara ainda treme perto da fogueira durante a noite. Até mesmo quando a protagonista termina de atravessar o caule de uma árvore no dia seguinte, este resiste à tentação de se partir somente para causar um pico de tensão.

A história e a direção de arte acompanham essa diretriz realista escolhendo produzir um clima pesado e sufocante. Quando os sinistros habitantes da ilha capturam a equipe de Lara, ela consegue ouvir os gritos à distância e o som de disparos os silenciando. Uma chuva forte inunda estruturas abandonadas e mensagens borradas em vermelho nos cantos das paredes dizendo “É impossível fugir” são bem eficazes em deixar o jogador em alerta. Os gráficos e o design de som incrementam a sensação, levando o jogador para uma ilha verossímil e hostil, onde tempestades surgem sem aviso.

Um dos momentos mais impactantes do jogo é aquele em que, prestes a ser estuprada, Lara mata um homem pela primeira vez: ela passa mal, aterrorizada e ofegante. Quando questionada por seu tutor, entretanto, afirma que não foi o ato de matar que ela achou assustador, mas o quão fácil matar foi.

A história de Tomb Raider, como a mensagem antes dos créditos finais expõe desnecessariamente, é de sobrevivência. A protagonista é forçada a cometer atos horríveis para salvar a própria vida e escapar da ilha com seus amigos. O propósito do vilão – o sinistro líder dos habitantes da ilha – é delimitar a linha de até onde sobreviver continua sendo moral e correto: ele se põe em um dos extremos, mas questiona se Lara não está bem mais próxima dele do que de uma heroína.

A narrativa é bem construída pelos roteiristas que conseguem contar uma história longa sem dar muitas voltas ou obrigar o jogador a iniciar missões irrelevantes. Alguns acontecimentos, porém, soam forçados demais, como o primeiro encontro entre Lara e um desconhecido na ilha, em que ela, além de tratar tudo com naturalidade, ainda cai no sono com ele a espreitando ao lado. Já o mistério acerca dos Yamatai, apesar de óbvio, funciona por não chamar muita atenção para si, optando por ficar em segundo plano até o clímax.

O problema de Tomb Raider está na incompatibilidade dessas ideias com a jogabilidade. No início do jogo, a protagonista pede desculpas ao veado após matá-lo para não morrer de fome. Enquanto isso, os desenvolvedores estimulam o jogador a atirar em animais, recompensando-o com pontos de experiência. Lara fica emocionalmente abalada com a primeira morte que causa, mas ao eliminar e pilhar duzentos inimigos, o jogador libera uma “Conquista”.

As ações do jogador e a personalidade da protagonista se opõem profundamente. A personagem pode até dizer que foi fácil matar a primeira pessoa, porém eliminar trinta homens bem armados de vinte e vinte minutos com tiros certeiros na cabeça certamente não é algo que ela comemoraria ou até mesmo seria capaz de fazer.

Além disso, o realismo tão buscado pela história também se perde com o confronto entre os ferimentos que ela sofre e as manobras mirabolantes que realiza. Lara se corta, se fura, despenca de grandes alturas, rola vários morros a baixo, mas permanece conseguindo escalar montanhas e derrotar esquadrões inimigos sem piscar. Apenas em um momento, durante toda a aventura, o jogador é impedido de se movimentar normalmente devido a um ferimento na personagem. Todavia, até aquela cena a protagonista já havia sofrido lesões muito piores e que deveriam até mesmo ser fatais. Ou seja, os roteiristas podem ter tentado, mas, no fim, Lara Croft acaba se mostrando tão imortal quanto Nathan Drake.

Já analisando as mecânicas do jogo isoladamente, elas não apresentam muitas falhas ou novidades. Nesse campo, Tomb Raider é um jogo de tiro em terceira pessoa típico: basta se movimentar de uma cobertura para outra, atirando em quem estiver atirando de volta. É possível matar silenciosamente, aproximando-se por trás ou usando um arco-e-flecha, e qualquer falha do jogador na furtividade é punida com mais inimigos surgindo no cenário.

level design, por sua vez, é convidativo para a exploração, sendo amplo e intricado, guardando inúmeros segredos. A exploração é ditada pelos equipamentos de Lara – lembrando os jogos da franquia Metroid – que abrem novos caminhos quando obtidos: cordas permitem alcançar lugares distantes, por exemplo, enquanto escopetas conseguem destruir obstáculos de madeira. Os equipamentos surgem naturalmente na narrativa, instigando o jogador a voltar a áreas anteriores para buscar colecionáveis escondidos.

Tomb Raider contém tantos segredos que chega a assustar. Mas é nesse ponto que os desenvolvedores erraram, ao deixar de conferir a devida importância a eles. De que adianta o jogador se dar ao trabalho de procurar oitenta dispositivos GPS se no fim ele receberá apenas um Easter Egg e uma Conquista? Em qualquer Metroid, os itens encontrados são naturalmente responsáveis pela progressão da protagonista: tanques de energia estendem a barra de vida, enquanto pacotes de mísseis aumentam a capacidade de munição. Já aqui, os itens são apenas curiosidades e distrações.

É verdade que a cada segredo descoberto, Lara ganha pontos de experiência que podem ser convertidos em melhorias, mas o efeito é indireto e abstrato. Afinal, como explicar que assassinar trezentos coelhos e encontrar três potes milenares deixa Lara capaz de aumentar o “dano” de uma metralhadora usando pedaços aleatórios de metal, um gancho e uma fogueira? Além disso, como quase toda ação no jogo gera experiência, a importância dos colecionáveis é dirimida: por que o jogador se esforçaria para procurar artefatos se é mais fácil simplesmente matar periquitos?

Para um jogo que se chama Tomb Raider, é igualmente alarmante que o efetivo saque a tumbas se configure uma atividade opcional. Algumas áreas da ilha contêm tumbas escondidas cuja localização é assinalada ao jogador assim que ele passa perto da entrada delas. Cada uma é composta por apenas uma sala e um puzzle específico. Esses enigmas são engenhosos em trabalhar a física do jogo sem parecerem artificiais e exigem certa pausa para reflexão. É só uma pena que a aventura principal conte com pouquíssimos momentos similares. Já a recompensa por todo o trabalho de explorar a tumba? Muitos, muitos pontos de experiência, é claro.

O que se observa em Tomb Raider, portanto, é uma incompatibilidade entre alguns dos elementos inerentes a maior parte dos jogos de videogame e sua própria trama. Enquanto a jogabilidade é absurda por natureza, a história preza pelo realismo. Separadamente, os dois até poderiam ser bastante eficientes se trabalhados com cuidado. Entretanto, unidos em um mesmo produto, apenas o tornam bipolar.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

Publicado originalmente em 23 de Outubro de 2014.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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