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A Dança dos Dragões.

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Posted 03/11/2015 by in Fantasia

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Nota:
 
 
 
 
 

3/ 5

Sumário

Genero:
 
Autor:
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título: As Crônicas de Gelo e Fogo: A Dança dos Dragões.
 
Título Original: The Chronicles of Ice and Fire: A Dance with Dragons.
 
Tradução: Marcia Blasques.
 
Edição: 2012.
 
Páginas: 865.
 
Capa: Marc Simonetti.
 
Resumo:

Se a primeira metade do livro parece cumprir a promessa de uma boa história, a última volta a demonstrar que talvez Martin tenha realmente perdido o controle de sua criação e, em um efeito de bola de neve, que ela possa durar muito mais que os sete livros pretendidos.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

A Dança dos Dragões, quinto volume de As Crônicas de Gelo e Fogo, ao mesmo tempo em que é um dos romances mais concisos da série, contendo praticamente apenas três tramas principais – o que ajuda tremendamente a movimentar a narrativa –, ele também sofre com os resquícios do mal planejamento da confecção do livro anterior, O Festim dos Corvos.

Com a separação desses últimos dois volumes pela localização dos personagens no mundo criado por George R. R. Martin, A Dança dos Dragões ficou com as histórias que se passam em duas localidades: no norte de Westeros, principalmente ao redor da muralha de gelo, focando nos personagens de Jon Snow e do rei Stannis; e no continente de Essos, com a rainha Daenerys.

As histórias de Daenerys e Jon compartilham o mesmo argumento: a noção de que ser um homem bom não necessariamente significa ter aptidão para liderança. A Khaleesi sabe que precisa provar ser capaz de governar uma cidade, se quiser conquistar toda Westeros, e por isso permanece na cidade de Meereen, onde descobre que a busca por justiça pode envenenar a alma e que noções de moralidade e ética precisam ser severamente deturpadas ou negligenciadas para conseguir se manter no governo. Enquanto isso, o novo Senhor Comandante da Patrulha da Noite precisa ao mesmo tempo lidar com a crescente e sombria ameaça dos Outros, do ainda gigantesco mas debandado exército de selvagens, com as traições e intrigas dentro de sua própria organização e ainda com as cada vez mais frequentes exigências de Stannis, Melisandre e seu minúsculo exército.

Já na outra frente de batalha, há a trama envolvendo a eminente guerra pelo controle do norte. Com Winterfell devastada e os Stark estraçalhados, a sinistra casa Bolton, cujo principal símbolo é um homem esfolado, torna-se a oficial “protetora do norte”, graças ao apoio dos Lannisters. Entretanto, para conseguir consolidar seu poder ela precisa extinguir toda a força de Stannis.

Dessa forma, o livro inicialmente tende a alternar entre essas histórias, com breves pausas para a exposição de algumas subtramas de pouca importância, como a missão de Davos de conseguir o apoio para seu rei de uma das casas mais importantes do norte, a estranhíssima e psicodélica jornada de Bran em busca do Corvo de Três Olhos, e a das trocentas pessoas que estão viajando para se encontrar com Daenerys  – como o sempre divertido Tyrion e o inocente príncipe de Dorne, Quentyn Martell.

A trajetória da rainha dos dragões ganha destaque significativo, ocupando os capítulos mais longos e complexos do livro. Seu governo na cidade de Meereen pode ser considerado seu maior teste para a legitimação de sua futura e ainda distante conquista de Westeros. Com a coroa, Daenerys precisa conter os assassinatos de seu próprio povo por um grupo rebelde local, o avanço do exército dos comerciantes de escravos, uma praga que está dizimando boa parte de sua população e ainda por cima seus próprios dragões, que estão cada vez maiores e mais rebeldes, violentos e perigosos. Não demora, portanto, para a rainha entender por que a disseram que conquistar uma cidade é bem mais fácil do que mantê-la. E no tocante ao seu treinamento, seus inúmeros, distintos e não inteiramente confiáveis conselheiros são úteis para expor quais escolhas ela pode tomar em cada situação. Para isso, o autor coloca a disposição da rainha o mancomunador Resnak, que oferece táticas mais burocráticas de persuasão e diplomacia (“Vossa Iluminação deve se casar para acalmar os senhores de escravos”), o violento Skahaz com suas propostas sanguinolentas, brutais, mas objetivas (“Vossa Santidade deve matar todos eles durante seu casamento”) e a visão final de seu objetivo, representada pelo nobre Barristan Selmi (Sua graça deve esquecer isso tudo e partir para Westeros”). Com esses pilares expondo todas as possíveis escolhas a cada problema suscitado, o desenvolvimento da personagem mantém-se coeso com o restante dos livros e o arco de Daenerys torna-se um exercício de caráter, um treinamento, em que cada decisão sua contribui para formar sua imagem para seu povo. Não obstante, a narrativa também expõe os conflitos internos da personagem, que começam a tomar contornos sexuais curiosos, chegando ao ponto de a rainha gritar para seu amante: “Eu sou sua rainha e ordeno que me foda”, o que ajuda a torná-la mais palpável, fazendo assim um bom contraponto a sua imagem conferida pelos temíveis dragões.

Jon Snow, por sua vez, surpreende como o mais jovem Senhor Comandante da Patrulha da Noite, revelando-se um líder extremamente sábio, duro e implacável. O livro trabalha bem sua formação, mostrando desde sua resposta a aqueles que se recusam a obedecê-lo, até sua relação com o povo selvagem, em que o garoto assume a postura de “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”, conferindo desse modo utilidade a toda sua estadia sob o comando de Mance Rayder. Também merece destaque sua gradual afinidade com o rei Stannis: sempre dando respostas objetivas, honestas, mas respeitosas, Jon praticamente assume o lugar de Davos como conselheiro do férreo rei, sendo extremamente gratificante observar a relação tomar contornos de amizade e notar que, no fundo, um está torcendo pelo sucesso do outro – vínculo que é imprescindível para tornar natural a inconsequente ação de Jon no final.

E por fim temos a trama do cerco de Winterfell, contado sob o ponto de vista dos irmãos Greyjoy. Theon finalmente volta a ter seus capítulos desde que desapareceu após o final do segundo livro e certamente não desaponta. Com a finalidade de transformar Ramsay Bolton em um vilão mais unidimensionalmente maligno que Joffrey e mais brutal que Gregor Clegane, George R. R. Martin dá a Theon uma punição até  maior do que se imaginaria. Transformado no animal de estimação de Ramsay, o outrora herdeiro do trono das Ilhas de Ferro é torturado e humilhado de forma bárbara constantemente. Theon tem a pele de seus dedos esfolada, além de ser caçado, espancado, queimado e até usado para tornar a mulher de Ramsay mais “úmida” para seu senhor. Com sua identidade e personalidade completamente deturpada (“Eu preciso saber meu nome. E meu nome é Fedor. Rima com temor” ), Theon é responsável por desenvolver a personalidade doentia dos Bolton – Ramsay chega a caçar mulheres na floresta, para depois estuprá-las, esfolá-las, matá-las, dar seus nomes para cadelas e ainda fazer um par de botas com suas peles – e revelar seus planos e estratagemas, sendo dessa forma responsável pelo desenvolvimento dos vilões dessa trama. Já sua irmã, Asha Greyjoy, serve apenas para dar o panorama completo do cerco à Winterfell, já que sua perspectiva não acrescenta nada de novo à marcha de Stannis.

Todavia, mesmo sendo essas três as tramas principais, o autor cede a Tyrion uma quantidade de capítulos praticamente igual para contar todas as suas desventuras até – não – chegar à Daenerys.  O anão, após uma repentina mudança de função no terceiro livro, volta ao seu tempo de glória de A Fúria dos Reis, em que, mesmo em situações completamente desfavoráveis, consegue dar a volta por cima graças a sua língua afiada e perspicácia inesgotável. O único problema de sua trajetória neste livro, portanto, é o tamanho dela, já que Tyrion passa todas as suas páginas apenas sendo jogado de um lado para o outro e tentando sobreviver às diversas adversidades que Martin parece fazer questão de vê-lo enfrentar, jamais chegando a lugar algum. Mesmo assim, o autor merece créditos por conseguir através da personagem de Merreca, uma anã que Tyrion conheceu no casamento de seu amado sobrinho, testar o orgulho do personagem ao forçá-lo a aceitar sem vergonhas sua condição de anão.

Logo, caso o livro tivesse se focado apenas nessas histórias principais, com as leves pausas para Davos, Quentyn e Bran, e as concluísse, A Dança dos Dragões certamente poderia ter se configurado como um dos melhores volumes da série. Contudo, como a vida é um oceano de frustrações, o fantasma do natal passado de George R. R. Martin voltou para assombrar a narrativa do livro e, como o próprio autor avisa em uma nota no início, os personagens de O Festim dos Corvos retornam para concluir as histórias que deveriam ter sido finalizadas no romance anterior.

Desse modo, Cersei, Jaime, Cat dos Canais e Victarion retornam para ter os capítulos que deveriam, em tese, finalizar suas tramas. Além do óbvio fato de que tais capítulos deveriam estar no quarto livro, o que trava completamente a narrativa final deste, eles ainda seguem perfeitamente as qualidades e defeitos que possuíam anteriormente. Enquanto Cersei continua muitíssimo bem em sua jornada de autodestruição e loucura, a irrelevante historia de Jaime termina com um dos ganchos mais gratuitos de toda a saga. Já com a Garotinha Feia de muitas faces e nomes, após aproximadamente seis capítulos extremamente similares de treinamento ao longo de dois livros, seu final possuir a frase “Agora você irá começar sua primeira aprendizagem” irritará até o leitor mais benevolente. E Victarion continua tão dispensável, já que continua apenas viajando, mas intrigante, quanto era em O Festim dos Corvos.

Esses capítulos não somente travam a narrativa, afinal não pertencem ou interferem nas histórias principais do livro, como possivelmente também a impediram de terminar. Com o livro inteiro preparando os eventos para a batalha entre Stannis e Roose Bolton, é no mínimo decepcionante que ela não ocorra no final. Basta imaginar o que seria de A Fúria dos Reis sem a Batalha da Água Negra ou As Duas Torres sem a batalha do Abismo de Helm: seriam histórias sem seus clímaxes, sem as partes que as completam e conferem significado. Agora basta somar isso ao fato de que o arco narrativo de Jon termina da forma mais previsível e anticlimática possível, e que o de Daenerys fica mais complexo e intrincado quanto mais se aproxima do final – em vez de caminhar para sua conclusão –, para perceber que o livro perdeu-se completamente a partir da metade, sem saber para onde ir e o que contar.

Martin, por outro lado, parece um pouco mais livre e brincalhão na escrita de suas histórias, divertindo-se com Theon, ao rimar seu novo nome Fedor com palavras que explicitam o que o personagem está sentindo no momento, e mostrando certa versatilidade com os pontos de vista, presenteando o leitor com os de Barristan Selmy, e da sacerdotisa Melisandre, sendo o desta última apenas um devaneio bem divertido que não acrescenta muito à trama. O autor, no outro extremo, continua com suas formas pouco eficazes de dramatizar a sempre maior exposição de seu universo, já que, para ele, isso parece significar apenas reduzir o personagem de Jorah Mormont a um guia turístico aborrecido.

A primeira edição brasileira do livro também merece alguns comentários negativos. Demonstrando claramente um trabalho apressado – o que levou à antecipação do lançamento original, inicialmente previsto para outubro de 2012 – a quantidade de erros de digitação ao decorrer do livro é monstruosa: um capítulo que deveria começar com a palavra “quando” se inicia apenas com a letra “q”, vários “com o” se tornaram “como”, e diversas outras palavras possuem letras faltando. Além disso, e bem mais grave, um capítulo inteiro intitulado “O Soprado pelo vento” que deveria constar na página 277 do livro está faltando nessa primeira edição.

Já quanto à tradução, além do fato de ela inevitavelmente perder algumas ambiguidades do texto original – como o instante em que Melisandre ao procurar por Azhor Azhai em suas chamas, em busca de Stannis, apenas enxerga neve, o que em inglês poderia fazer referência ao sobrenome bastardo de Jon –, vale ressaltar que esse é o primeiro livro da série sem a tradução de Jorge Candeias, o que invariavelmente leva a algumas mudanças estranhas: Cat dos Canais foi totalmente traduzida para Gata dos Canais, “centavo” se tornou moeda corrente e até mesmo o pronome de tratamento “’nhor” apareceu.

A Danca dos Dragões detinha sem dúvidas um enorme potencial. Possuindo somente três boas tramas principais, e contendo reviravoltas profundas – como o plano de Varys que altera a já toda conturbada subtrama política – o livro poderia ter se beneficiado de seu foco mais limitado e avançado substancialmente suas tramas principais. E se a primeira metade do livro parece cumprir essa promessa, a última volta a demonstrar que talvez Martin tenha realmente perdido o controle de sua criação e, em um efeito de bola de neve, que sua história possa durar muito mais que os sete livros pretendidos.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

Publicado originalmente em 21 de Setembro de 2013.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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