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A Guerra dos Tronos.

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Posted 03/04/2015 by in Fantasia

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Nota:
 
 
 
 
 

4/ 5

Sumário

Genero:
 
Autor:
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título: As Crônicas de Gelo e Fogo: A Guerra dos Tronos
 
Título Original: The Chronicles of Ice and Fire: A Game of Thrones
 
Tradução: Jorge Candeias
 
Edição: 2010
 
Páginas: 580
 
Capa: Marc Simoneti
 
Resumo:

Trabalhando com os problemas que cercam a noção de honra, A Guerra dos Tronos apresenta um universo fascinante e um ótimo elenco de personagens, com uma narrativa que, embora marcada por alguns capítulos fracos, ainda permanece uma das mais complexas do gênero.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

A Guerra dos Tronos é um romance de fantasia cuja história não funciona como um mero pretexto para o intrincado e fantástico universo apresentado, mas como resultado direto dele. O primeiro volume da série As Crônicas de Gelo e Fogo traz uma riquíssima gama de localidades e personagens fascinantes, mas se concentra em como a relação que mantêm entre si trabalha para desconstruir o conceito de honra.

Na trama, Eddard Stark, senhor da cidade de Winterfell no norte de Westeros, recebe a notícia que seu velho amigo e agora rei, Robert Baratheon, está viajando até sua cidade com o fim de convidá-lo a substituir seu falecido conselheiro, John Aryn, no cargo de Mão do Rei. Sua mulher, Catelyn, então recebe uma carta de sua irmã avisando que John Aryn foi assassinado pela família Lannister, e os alertando a ficar longe da política e do cargo de Mão do Rei.

Apesar do protagonista de A Guerra dos Tronos ser Eddard Stark, cada capítulo é contado sob o ponto de vista de um personagem diferente do usado no anterior, oferecendo várias perspectivas e julgamentos conflitantes. O leitor acompanha a história tanto sob a perspectiva de Eddard, quanto de seu bastardo Jon Snow, de suas filhas, Sansa e Arya, do anão Tyrion Lannister, da princesa Daenerys Targaryen, e de Catelyn e seu filho Bran.

Essa estrutura com múltiplos personagens dá vazão à criação de tramas bem díspares em tom. Jon Snow, por exemplo, decide se tornar membro da Patrulha da Noite – a organização que protege a grande muralha de gelo no norte de Westeros de todas as supostas criaturas sobrenaturais que existem nas florestas congeladas mais além. Seu arco é isolado, sendo o único carregado de uma atmosfera de mistério e terror, graças ao prólogo que, de forma bastante eficaz, expõe ao leitor que as criaturas míticas que ele deve combater muito provavelmente existem e estão se aproximando.

Eddard, por sua vez, leva consigo para o sul, para a cidade de Porto Real, suas filhas Sansa e Arya. Enquanto ele vai se deparando com um universo de intrigas e jogos políticos sufocantes ao ocupar o cargo de Mão (“Não confiar em mim foi a coisa mais sensata que fez desde que desceu de seu cavalo, lorde Stark” – um dos personagens chega a dizer, após mostrar a ele quantos vigias a nova Mão do Rei possuía em seu próprio jardim), Sansa é responsável pela visão utópica e romântica do mundo, onde todos os cavaleiros são galantes e bravos e seu príncipe, Joffrey Baratheon, é um jovem encantador e charmoso que a amará e a fará feliz pelo resto da vida. E Arya, pequena revoltada, nos coloca no lado aventureiro da jornada, enquanto explora a cidade de Porto Real e aprende a arte da esgrima com seu “professor de dança”, Syrio Forel.

Já Tyrion Lannister mostra o outro lado da moeda. O anão é um Lannister – a família que todos desconfiam, chamam de traiçoeira e perigosa – e não se acanha de se aproveitar dessa condição. O anão sabe que seus familiares não são pessoas de “bom coração” acredita que ele próprio também não é. Consequentemente, graças a sua estatura, o anão precisa vestir uma armadura e ironia e lutar com sua inteligência para conseguir sobreviver. Seus capítulos, portanto, são carregados de sarcasmo e pensamento crítico diante da sociedade de Westeros.

A narrativa consegue transitar essas tramas tão diferentes com fluidez e segurança, ao mesmo tempo em que apresenta os personagens de forma densa e complexa logo nos primeiros capítulos: eles surgem repletos de batalhas emocionais e desejos ocultos, revelados pelo conflito constante entre suas racionalizações e ações. A única personagem que se distancia desse padrão, e de forma curiosa, é Daenerys Targaryen, filha do Rei Louco deposto por Robert. Ela é o único personagem cuja trama não se passa em Westeros, mas do outro lado do mar, nos desertos, enquanto seu irmão tenta arrumar um exército para reclamar o trono perdido. Mais importante é o fato de que Martin também não tenta minuciá-la desde o início. O leitor vai conhecendo Daenerys aos poucos e a própria personagem é também a única que vai mudando com o passar dos capítulos: cada coisa horrível que acontece em sua vida, cada morte, assassinato e estupro vai endurecendo sua personalidade e moldando suas ações. Ela é uma mulher bem distinta no início, no meio e ao fim do livro, o que infelizmente não ocorre com nenhum outro personagem. Esse artifício é curioso justamente pelo o arco dela não ser imediato: a sua jornada até Westeros será longa e durará muitos livros, tornando difícil julgar de imediato essa confecção diferenciada da personagem.

Entretanto, por mais que essa estrutura narrativa escolhida seja um dos trunfos do livro, ela também acaba configurando um de seus pontos fracos, pois alguns pontos de vista, em especial o de Catelyn, são irrelevantes. Embora o propósito dos capítulos do garoto Bran também seja discutível a partir da metade, eles ainda servem para suavizar o ritmo da narrativa. Já os de Catelyn o quebram sempre que surgem. Seus capítulos não contêm qualquer evento que não poderia ter sido narrado por outro personagem e sua visão de mundo é quase sempre irrelevante para o desenrolar dos acontecimentos. Cada capítulo, por mais brando que seja, deve ter um propósito e essa falta constante, com relação aos dela, prejudica a narrativa.

Todavia, um dos grandes personagens de A Guerra dos Tronos é o próprio continente de Westeros. Minuciosamente criado e dividido em sete reinos, ele é um lugar sujo, violento e sem misericórdia. Seus habitantes não hesitam matar e trair uns aos outros. Tortura, sangue e estupro são elementos presentes em qualquer aldeia, castelo e templo. É nesse universo que Martin decide criticar o grande agente presente em histórias de cavaleiros: o conceito de honra. Como uma força cultural, a honra surge no enredo de A Guerra dos Tronos com as mais variadas facetas.

Mais visivelmente, ela surge relacionada ao instituto da família. Todos, dos Stark aos Lannister, preservam a honra de suas casas e vários se sujeitam a qualquer coisa para protegê-la, sacrificando até outros tipos de honra, como a lealdade ao reino, ao rei e ao povo.

 Eddard Stark, representa a honra associada à integridade moral. O personagem, íntegro, misericordioso e honesto ao extremo, é o motor que Martin se utiliza para criticar como tais valores não conseguem sobreviver em uma sociedade corrupta e sem clemência, levando o leitor até mesmo ao erro de julgar exatamente o conceito de honra em vez dessa própria sociedade: Eddard seria estúpido por realizar certas ações e não Westeros por puni-las.

Os Lannisters são os responsáveis por trazer o outro lado do conceito. O irmão de Tyrion, Jaime, é criticado muitas vezes por trair o último rei. Ele não teria honra porque decidiu não seguir suas ordens e agir por conta própria. No entanto, a honra, neste caso, não deve ter uma conotação positiva: uma vez que o rei era um tirano que oprimiu, torturou e assassinou seu povo, seguir o código moral significaria reforçar essa opressão. As pessoas que criticam Jaime não conseguem separar a moralidade da honra, provavelmente porque pessoas como Eddard encarnam tão bem as duas de uma maneira positiva. Portanto, os Lannister acrescentam ambivalência ao conceito: Eddard é bom porque é honrado, mas Jaime era bom precisamente porque não era honrado.

Por isso, também nada é mais ironicamente apropriado que a Patrulha da Noite, a única instituição que sobrou para proteger o continente dos perigos sobrenaturais do norte, seja ao mesmo tempo sustentada pela honra e composta por estupradores, bastardos, assassinos e ladrões: moralidade e honra estão se misturando e separando por toda a narrativa

Trabalhando com os problemas que cercam a noção de honra, A Guerra dos Tronos apresenta um universo fascinante e um ótimo elenco de personagens, com uma narrativa que, embora marcada por alguns capítulos fracos, ainda permanece uma das mais complexas do gênero.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

Publicado originalmente em 21 de Setembro de 2013.

Editado em 31 de março de 2018.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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