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A Torre Negra: A Escolha dos Três.

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Posted 08/16/2017 by in Fantasia Urbana

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Nota:
 
 
 
 
 

3/ 5

Sumário

Genero:
 
Autor:
 
Editora: , ,
 
Idioma Original:
 
Título Original: The Dark Tower II: The Drawing of the Three
 
Tradução: Mário Molina
 
Edição: 2007
 
Páginas: 415
 
Capa: Pós Imagem Design
 
Resumo:

A Escolha dos Três marca um avanço na série A Torre Negra, estabelecendo personagens mais interessantes e criando um universo cheio de possibilidades. Se King trabalhar melhor o elemento do fantástico e tornar a narrativa mais enxuta nos próximos volumes, ela finalmente poderá aproveitar seu potencial.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Abandonando a prosa pretensiosa de O Pistoleiro e diminuindo o escopo do cenário, A Escolha dos Três mostra-se superior ao fraquíssimo primeiro volume da série A Torre Negra. A narrativa do romance de fantasia urbana escrito por Stephen King é pautada no choque de  culturas e personalidades, flertando constantemente com o absurdo para mostrar o mundo de distância que separa seus personagens. O autor, entretanto, perde a mão ao trabalhar com os elementos do fantástico, que surgem muitas vezes arbitrários, desprovidos de regras e, no final, assumindo o papel de deus ex machina.

A trama do romance começa imediatamente após o desfecho do anterior, com o protagonista, Roland, descansando na beira de uma praia. Enquanto dorme, ele é atacado por monstros que saem da água, sendo gravemente ferido no processo. Conseguindo escapar por pouco, o pistoleiro depara-se com uma porta no meio do terreno, isolada de qualquer coisa e portando, entalhados, os dizeres de uma profecia. Abrindo a porta, Roland descobre-se olhando pelos olhos de um homem com vestimentas estranhas em um lugar ainda mais estranho. O pistoleiro está na mente de Eddie Dean, um viciado em heroína viajando por avião para Nova York com cocaína presa debaixo de seus braços, servindo com mula para traficantes.

O livro é divido em três atos, cada um focado em um personagem diferente que Roland encontra atrás de uma porta. Sua missão é convencê-los a abandonar seus mundos e partir com ele na jornada em busca da famigerada Torre Negra. O primeiro ato, focado em Eddie, tem boa parte de sua graça advindo do choque de culturas: enquanto Roland é esperto o suficiente para entender o que está acontecendo, a nomenclatura que usa para referir-se ao que encontra gera um estranhamento cômico: os guardas que Eddie teme encontrar no momento em que o avião pousar, por exemplo, são chamados de “Sacerdotes da Alfandega”. No mesmo sentido, seu espanto com coisas mundanas gera efeito similar, como o instante em que ele experiencia uma sensação sublime ao tomar refrigerante pela primeira vez e entrar em contato com a típica quantidade de açúcar da bebida.

A própria missão do protagonista gera risos devido ao absurdo da premissa: ele é uma pessoa desesperada, vindo de um universo fantástico, tentando convencer um viciado de que as vozes de que ele está ouvindo em sua cabeça não são oriundas da droga. As palavras erradas que Roland usa para convencer Eddie, então, pioram ainda mais os problemas de comunicação.

King trabalha com os paralelos entre Eddie e Roland opondo os dois personagens. Enquanto Eddie é despreparado, tem uma composição mais frágil e mostra-se emotivo e impulsivo, Roland é forte, soturno e calculador. Ele logo percebe que a única forma de conseguir com que o drogado consiga livrar-se da polícia é se ele auxiliá-lo, tomando o controle da situação. A tensão da narrativa, portanto, é construída pela alternância entre as tentativas de Roland de ajudar, a resistência de Eddie em entender e aceitar o que está ocorrendo, e a suspeita cada vez maior da equipe do avião, devido às ações cada vez mais esquisitas do sujeito.

Mais adiante, a contraposição entre os dois personagens vai mais fundo na personalidade deles e o autor até mesmo invoca o nome de um dos duplos mais famosos da ficção, William Wilson, para referenciar o tema. Eddie e Roland são os dois lados da mesma moeda, são opostos complementares. Enquanto Eddie reconhece sua dependência não somente às drogas, mas a ter alguém que conte com ele e o faça sentir-se necessário (“Há pessoas que precisam de pessoas que precisem delas”), Roland é criticado por não se importar com aqueles ao seu redor – e sua relação com o menino Jake em O Pistoleiro é relembrada frequentemente pelo próprio personagem. Assim, se Eddie não hesitaria em se sacrificar por seus amigos, Roland não hesitaria em sacrificá-los.

Já o segundo ato renova a narrativa, transcorrendo, em sua maior parte, não no mundo real, mas na interminável praia que eles atravessam. A personagem da vez é uma mulher cadeirante de pela negra que sofre com dupla personalidade. Odetta Holmes é uma ativista social, educada e gentil, enquanto sua contraparte, Detta Walker, é feroz e raivosa. A oposição entre Eddie e Roland existe internamente na personagem, reforçando a temática de conflito de identidades.

Em uma análise psicológica, é fácil enquadrar as duas personalidades em termos freudianos. Enquanto Odetta é dominada pelo superego, reprimindo tanto comportamentos quanto memórias, tornando-a alguém capaz de diálogo e compreensão e, ao mesmo tempo, completamente incapaz de aceitar a existência do que lhe machuca, Detta é puro Id, agindo por instinto e ódio: “ela simplesmente preenchia o que precisava ser preenchido, fazia o que precisava ser feito”. Não é à toa que Detta é frequentemente comparada a um animal – suas mãos são garras, seu olhar é de um predador –, afinal, ela representa a tentativa de saciar as necessidades mais primitivas da personagem.

Nessa parte da história, a tensão é construída a partir do ódio que Detta, vítima de racismo toda a vida, sente contra brancos – como Eddie e Roland. A cena em que o protagonista adentra a porta que leva a personagem e assume o controle de sua mente é emblemática ao retratar como a violação feita pelo personagem é imediatamente enquadrada na vida de opressão de Detta, colocando que, naquele instante, ela “gritou porque a presença que a invadia e estuprava era um branco. Podia não ver mas mesmo assim sentiu a brancura dele”. Para piorar a situação, o ódio de Detta é generalizado e incontrolável. Como é explicitamente descrito em certo ponto: “No mundo (ou pelo menos na mente) de Detta Walker, os Brancos Putos só faziam duas coisas às mulheres negras: estuprá-las ou rir delas. Ou as duas coisas ao mesmo tempo”.

Graças às feridas realizadas pelos monstros marinhos, Roland não se encontra em uma posição em que consiga dominar com facilidade Detta, que sempre tenta atacar seus captores quando sua personalidade toma o controle – algo que ocorre sem padrão e aviso. Dessa forma, a narrativa torna-se carregada de suspense e antecipação, com os personagens sempre viajando em situação de perigo constante.

Em A Escolha dos Três não somente a narrativa revela-se superior a de seu antecessor, como a prosa de King também mostra avanços. Vão embora, por exemplo, as descrições pretensiosas dos cenários, enquanto a profusão de frases de efeito vazias que infestavam O Pistoleiro também diminui consideravelmente.

Entretanto, o romance não deixa de sofrer com vários problemas particulares. King, por exemplo, tenta dar voz a personagens demais, inserindo o ponto de vista de coadjuvantes irrelevantes mesmo no clímax do livro: faltando menos 10% para terminar, a narrativa mergulha subitamente no ponto de vista de um farmacêutico, mostrando detalhes de sua história, para então abandonar o personagem logo em seguida. Essas trocas de foco narrativo diluem a tensão, colocando os personagens mais importantes em segundo plano. Por mais que algumas trocas até se justifiquem, como a inserção dos policiais que passam a ver Roland como o Exterminador do Futuro, por justamente acrescentarem ao tema de choque de culturas, a maioria, como justamente é o caso do farmacêutico, é aleatória e apenas atrasa a narrativa.

Além disso, a magia no universo de A Torre Negra surge arbitrária, sem regras definidas, o que gera um anticlímax quando ela é utilizada para resolver os problemas dos personagens: o pior momento é o desfecho do arco narrativo de Odetta, resultante de elementos fantásticos. Quando o evento em questão ocorre e gera um efeito específico, o leitor só pode ser perguntar “Ué, isso podia acontecer?” ao encarar o deus ex machina. Esse desfecho é ainda agravado quando se leva em consideração o fato de que ele é resultante unicamente das ações de Roland junto com o misterioso personagem da terceira porta, enquanto Odetta e Detta apenas reagem a tudo que ocorre – o que diminui a força das personagens.

Por fim, o próprio clímax exibe uma natureza artificial por só existir devido a uma ação estúpida de certo personagem. A narrativa até tenta justificá-la, colocando-a como resultado de uma relação amorosa, mas amor não torna ninguém absolutamente idiota, como é preciso ser para realizar a entrega de certa arma em determinado instante.

A Escolha dos Três marca um avanço na série A Torre Negra, estabelecendo personagens mais interessantes e criando um universo cheio de possibilidades. Se King trabalhar melhor o elemento do fantástico e tornar a narrativa mais enxuta nos próximos volumes, ela finalmente poderá aproveitar seu potencial.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

16 de agosto de 2017.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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