A Torre Negra: O Pistoleiro.
Sumário
Genero: Fantasia UrbanaO Pistoleiro é um romance de fantasia urbana sem o conteúdo para dar suporte à própria ambição: seus personagens são unidimensionais, suas discussões são rasas e seu universo é simplesmente uma zona de ideias.
A introdução e o prefácio à série de livros A Torre Negra, escrita por Stephen King, parecem conter uma espécie de mea culpa pelo primeiro volume, O Pistoleiro. King afirma ter escrito a primeira versão do romance aos 19 anos, época que ele associa a atributos como arrogância e ambição, e defende que se tem que pensar grande para poder crescer, mesmo que na hora não se tenha ainda como dar o suporte necessário a essas ideias. Pois a narrativa encontrada em O Pistoleiro se encaixa perfeitamente nesse caso, revelando uma ambição temática que nunca é aproveitada devido à imaturidade da narrativa. Se no livro há a tentativa de discutir o sentido da vida sob uma perspectiva niilista, construir personagens trágicos e situar a história em um universo complexo, que mistura faroeste com ficção científica e temas religiosos, o leitor, na prática, depara-se com discussões vazias e prepotentes, realizadas por personagens rasos e caricaturais, que estão imersos em um cenário confuso quanto à própria natureza.
A frase que abre o romance, “O homem de preto fugia pelo deserto e o pistoleiro ia atrás” é a mais emblemática de O Pistoleiro, devido a sua capacidade de encapsular toda a trama objetivamente: em poucas palavras, ela estabelece que o fio da narrativa é uma perseguição, que o cenário da história é um deserto e quem são os personagens principais. A partir daí, porém, tudo desanda e poucos sãos os momentos que atingem o mesmo poder de síntese. Pelo contrário, o restante do livro é marcado por frequentes comentários reflexivos rasos e por flashbacks longos demais para o pouco que oferecem.
A história de O Pistoleiro pode ser dividida em três atos distintos. O primeiro narra os eventos que transcorrem quando o pistoleiro chega a uma cidadezinha no deserto que acabou de ser visitada pelo homem de preto, o segundo mostra seu relacionamento com um garoto chamado Jake, acompanhando suas aventuras juntos, e o último é o clímax composto do encontro entre o protagonista e o homem de preto.
A primeira página do livro já é suficiente para explicar um dos diversos problemas que o acometem: a quantidade de vezes que King insere uma crítica acerca da natureza das pessoas, da sociedade ou da vida sem desenvolvê-la apropriadamente ou relacioná-la a outros elementos da história. O autor somente joga a ideia, como se apenas a presença dela ali bastasse. Logo no início, por exemplo, a descrição do cenário conclui com um comentário de que “o mundo havia se esvaziado”. Trata-se do segundo parágrafo do romance, o cenário descrito é um deserto e os únicos elementos colocados como ausentes no ambiente são diligências e carroças. O mundo havia se esvaziado de que, exatamente? Mais tarde, o pistoleiro ainda se depara com uma pequena cidadezinha no deserto. Ou seja, até vida, mesmo quando improvável, permanece ali.
O problema do trecho, portanto, é não vir acompanhado do desenvolvimento apropriado: uma coisa é tornar um comentário ambíguo ao deixar de especificar sua natureza e outra, bem diferente, é esvaziá-lo de significado ao recusar-se a associá-lo a qualquer outra parte da narrativa e simplesmente seguir adiante, esperando que o leitor complete o sentido com o que ele bem entenda.
O resultado desse esvaziamento é reduzir uma possível reflexão a uma mera frase de efeito vazia, dais quais O pistoleiro está recheado. No livro, tudo é muito acentuado, muito exagerado: até ao descrever um mero pedaço de carne, King faz questão de por que ela “tinha gosto de lágrimas”, em mais uma metáfora aleatória e prepotente.
Os termos usados para caracterizar o cenário geralmente seguem o mesmo padrão, sendo excessivamente grandiosos: apesar de hiperbólicos, eles descrevem cenários que, na realidade, não parecem ter nada demais. A segunda frase do livro, por exemplo, estabelece que o deserto que o protagonista atravessa como sendo a “apoteose” de todos os desertos. Por quê? Não é dito e o deserto mostrado é só longo, como boa parte dos desertos é. Mais tarde, o céu é descrito como “infinito” sem qualquer explicação adicional sobre o uso do termo. O termo “infinito” está lá porque é bonito e tem força.
A escolha lexical de King varia do desnecessariamente rebuscado, como em “suas palavras dissolveram-se em um paroxismo de coisas ininteligíveis”, para o puramente tolo, como em “Durante o quarto período de vigília e caminhada, literalmente atropelaram um vagonete”. Só resta ao leitor imaginar como teria sido se os personagens tivessem, na verdade, atropelado metaforicamente o vagonete.
Para acompanhar as reflexões esquisitas e o vocabulário inconsistente, o trabalho de tradução de Mário Molina também se revela um tanto excêntrico. Molina, por exemplo, traduz “palaver” para “confabular”, levando a diálogos esquisitos como “Precisamos confabular”, quando “conversar” ou “discutir” teriam sido opções mais comuns. Se, no caso de confabular, isso é justificável, porque a palavra original também é incomum, o mesmo não pode ser dito das traduções de “I’m crawling” para “Estou de gatinhas”, em vez de um simples “engatinhando”, “slow mutants” para “vagos mutantes”, em vez de mutantes lentos/vagarosos/apáticos e “the boy was holding his head gingerly” para “O garoto segurava carinhosamente a cabeça”, em vez de “segurava a cabeça com cuidado”. Não são de forma alguma traduções estritamente erradas, mas elas causam um estranhamento adicional que prejudica a narrativa: afinal a imagem de alguém segurando a própria cabeça carinhosamente pode assumir contornos engraçados.
Voltando para os problemas narrativos mais gerais que acometem o romance, o primeiro ato jamais aproveita suas inspirações no gênero faroeste, visto que é finalizado antes de que o leitor possa conhecer mais do que dois habitantes da cidade de Tull que o pistoleiro visita. Dessa forma, o clímax do ato acaba sendo vazio dramaticamente, pois o leitor pouco se importa com o que está acontecendo com a maioria dos envolvidos. Além disso, King insere mistérios aleatórios e desprovidos de simbolismo complexo, como o que ronda o número 19 e a proibição de dizê-lo: em O Pistoleiro, o número é arbitrário – dentro da própria narrativa, pelo menos, pois o autor explica sua importância pessoal na introdução – e toda a situação não leva a nada, além de não ser retomada posteriormente.
O segundo ato, por sua vez, traz flashbacks sobre a infância do protagonista, mostrando seu treinamento para se tornar um pistoleiro. Essas partes contêm personagens mais interessantes que o restante do romance – a mãe do protagonista, por exemplo, apresenta resquícios de complexidade oriundos de sua postura sábia contrastar com sua relação com outro personagem –, mas influenciam em quase nada a percepção do leitor sobre os eventos atuais: seu propósito é mostrar que o antagonista do pistoleiro é de longa data – algo que já se infere normalmente – e uma falha de caráter do protagonista, cujo pragmatismo exacerbado se confunde com um profundo egoísmo, devido aos “sacrifícios” que ele faz – algo, no entanto, que também já se infere por suas reflexões no presente. Revelando bem pouco de como o mundo era antes, as várias páginas contando a passagem do protagonista para a idade adulta acabam apenas enchendo linguiça, sendo muito longas para o pouco de novo que trazem.
O próprio protagonista não se mostra muito fascinante. Ele surge unidimensional, definido por sua perseguição ao homem de preto. Na cidade de Tull, por exemplo, o antagonista é a única coisa na sua mente e seus planos são elaborados de forma a melhor conseguir entender as ações do sujeito e pegá-lo. Como os flashbacks falham em desenvolver mais o pistoleiro, caindo nos mesmos pontos suscitados pela relação que ele mantém com Jake – um garoto que encontra no caminho –, o protagonista permanece um mistério desinteressante até o final da história.
Além disso, apesar de o pistoleiro ser estabelecido como um ser implacável, o autor é contraditório ao descrever a competência do personagem. De um lado, constantemente reforça a rapidez com que ele consegue recarregar suas armas e a precisão de seus tiros. Do outro, faz o sujeito desperdiçar quatro balas na cabeça de uma única pessoa que o atacava em uma multidão – ação ainda mais grave quando se leva em consideração que ele está em um deserto sem muita perspectiva de recuperar as balas perdidas – e sequer notar o problema.
O único ponto acerca do personagem que King acerta é em esconder o nome dele por um tempo, revelando-o apenas nos flashbacks: com isso, a narrativa reforça a perda da identidade pessoal que o protagonista sofreu quando se tornou um pistoleiro.
Seu antagonista não tem melhor sorte quanto ao desenvolvimento. O homem de preto revela-se um sujeito histérico, que só sabe gargalhar e falar eloquentemente. Seus monólogos no clímax, que tentam defender como as pessoas são insignificantes no grande esquema das coisas, são tão aleatórios quantos os feitos pelo narrador, levando a uma inevitável frustração: o leitor fica imaginando o pistoleiro questionando “Isso é tudo muito legal, mas e daí?”, mas tal momento, infelizmente, nunca vem.
King parece atirar para todos os lados ao elaborar as características do universo em que a história transcorre. Ele não somente mistura gêneros, mas também discussões e temas. Em O Pistoleiro, o cenário e os personagens são típicos de faroeste. No entanto, a existência de portais para outras dimensões e mundos traz elementos de ficção científica, enquanto as constantes associações religiosas ao inferno e menções ao cristianismo confundem ainda mais a natureza simbólica do lugar. O niilismo do antagonista vem então para empurrar mais ideias para a já caótica narrativa, somente aumentando a bagunça.
Por último, é importante apontar que, ao mesmo tempo em que mistura todas essas influencias e ideias, levando a um subtexto complexo, embora mal construído, King jamais parece confiar na capacidade do leitor de entender o que está sendo discutido e – algo espantoso – de sequer se lembrar dos nomes dos personagens. Os simbolismos e paralelos são sempre explicitados – às vezes mais de uma vez, como a associação entre Jake e um gavião – e os nomes dos personagens secundários geralmente vem acompanhados de um aposto explicativo para relembrar o leitor quem eles são, mesmo que tenham aparecido a menos de 50 páginas, como em “Allie, a moça de Tull” e “mulher com quem havia dormido em Tull” ou, quanto a uma vilã, “a gigantesca mulher cujas pregações religiosas tinham levado ao último acerto de contas em Tull”: ela foi responsável pelo clímax do primeiro ato, o leitor se lembra dela, não tem nenhuma necessidade da ajuda do trecho.
O Pistoleiro é um romance de fantasia urbana sem o conteúdo para dar suporte à própria ambição: seus personagens são unidimensionais, suas discussões são rasas e seu universo é simplesmente uma zona de ideias. Resta ao leitor apenas torcer que os próximos volumes sejam do mesmo nível que o restante da obra de King e não reflita a mesma imaturidade encontrada aqui.
por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.
14 de julho de 2017.
Descrições como “gosto de lágrimas” são o que americanos costumam chamar de Edgy. Geralmente é um estilo vazio e muito pretensioso que geralmente não entrega nada além de descrições “flashy” e exageradamente violentas ou sinistras, no ponto em que fica cômico e ridículo. É um estilo que atraí muito adolescentes revoltados, a própria Trilogia dos Espinhos é um ótimo exemplo de livro Edgy pra caramba.
Eu não curti Torre Negra, achei bem chato pra ser sincero e não me dei ao trabalho de continua o restante dos livros, mas amigos meus que leram dizem que melhora bastante. Eu não boto fé que tenha melhorado muito não, vide o porque de eu não ter continuado, mas vai saber.
Disse tudo sobre a narrativa do livro: vazia e pretensiosa. O segundo, A Escolha dos Três, de fato é melhor, mas não por muito.
Achei bem chato também, com essas descrições toscas e referências jogadas a solta. Perca de tempo que n me fez querer terminar a saga.