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As Lágrimas de Shiva.

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Posted 06/25/2015 by in Infantojuvenil

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3/ 5

Sumário

Genero:
 
Autor:
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título: As Lágrimas de Shiva.
 
Título Original: Las lágrimas de Shiva.
 
Tradução: Socorro Acioli.
 
Edição: 2009.
 
Páginas: 200.
 
Capa: AlôTodos Comunicação.
 
Resumo:

As Lágrimas Shiva ainda configura-se um exemplar consideravelmente eficiente em seu gênero, uma vez que o autor sabe empregar os componentes típicos da literatura infantojuvenil em uma história que, embora jamais surpreenda o leitor, é bem amarrada e, por esse motivo, ainda consegue encantar.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

As Lágrimas de Shiva, romance do autor espanhol César Mallorquí, conta uma história sobre amores proibidos, fantasmas e o prazer da leitura. Ele é um infantojuvenil clássico que adota a perspectiva de uma criança assustada quanto a sua posição no mundo e acompanha sua jornada de amadurecimento. Bem amarrado e construído, seu único, mas importante, defeito reside na obviedade de seu enredo: apesar de encantadora, a história de Javier já foi contada inúmeras vezes de forma mais requintada.

Javier, o protagonista de As Lágrimas de Shiva, é um menino que precisa viajar para Villa Candelária, lar de sua tia e de suas quatro primas, por seu pai ter sido diagnosticado com tuberculose. Em sua nova casa, certa noite, o garoto sente uma estranha presença em seu quarto e, após investigar, enxerga o que parece ser uma saia desaparecendo no ar. Uma de suas primas, Violeta, afirma que ele viu o fantasma de Beatriz Obregón, a antiga ladra da família, e ambos começam a vasculhar o passado dela.

Javier é uma criança ingênua e sonhadora que adora ler (seu gênero favorito é ficção científica) e que não teme expor suas opiniões para as pessoas. Sua inocência, por exemplo, é praticamente palpável no instante em que ele, ao descobrir que irá ter que passar as férias de verão com suas primas, em vez de ficar excitado com a ideia, como seu irmão mais velho, assusta-se com o prospecto de ficar trancafiado em uma casa repleta de mulheres e ainda lamenta seu destino.

Há, contudo, vários traços do amadurecimento do protagonista pela narrativa. Volta e meia, o narrador, Javier, reflete como sua opinião mudou com o passar dos anos, confundindo o sossego da rotina em Villa Candelária com tédio, por exemplo. Sua caracterização é, de forma objetiva e direta, realizada com base no livro O Apanhador no campo de centeio, que o personagem recebe de Violeta. Javier observa a analogia entre a jornada do protagonista do livro e sua própria:É um pouco estranho, eu sei, mas era assim que eu me sentia: como alguém que procurava seu lugar no mundo sem saber muito bem como é esse lugar e onde“.

Já quanto às primas, é fácil perceber qual função as quatro adotarão na história ao por sob análise a forma com que são descritas inicialmente na narrativa: todas são absurdamente bonitas e atraentes, indicando o efeito deslumbrante que causarão no protagonista. A cena em que ele acidentalmente observa uma delas tomando banho e permanece em choque encarando, por exemplo, é particularmente divertida em demonstrar o início da descoberta que o menino faz de sua própria sexualidade.

Porém, observando-as separadamente, elas assumem papéis próprios. Margarida é definida por sua posição política pró-socialismo e sua revolta será a ferramenta que o autor utilizará para posicionar tanto críticas sociais quanto cenas de humor na narrativa, principalmente nos momentos em que ela exagera em seus discursos: “Essa coisa toda do programa Apolo não é nada mais que propaganda imperialista ianque”. Violeta, por sua vez, é apresentada como uma garota introspectiva, “convencida, pedante e insuportável” que menospreza o gosto literário de Javier, sendo fácil, ao identificar a perspectiva pela qual é descrita, perceber que será ela quem manterá a relação mais forte com o protagonista. Enquanto isso, a irmã caçula, Açucena, é sempre vista quieta em seu canto, observando atentamente os acontecimentos – praticamente telegrafando que em algum momento oferecerá um sábio conselho – e a irmã mais velha, Rosa, surge como uma versão moderna de Beatriz Obregón, numa adequada comparação feita por Javier, visto que as histórias das duas compartilham um conflito similar.

É justamente o espírito de Beatriz o responsável por movimentar a trama e formar a amizade entre Javier e Violeta, as únicas pessoas capazes de enxergá-lo. Eles partem em busca de informações sobre a vida de Beatriz e o motivo de ela ter largado o noivo no altar e desaparecido com o caríssimo colar que havia adquirido como presente de casamento: as Lágrimas de Shiva.

A trama locomove-se rapidamente, alternando entre os momentos de desenvolvimento de personagem, em que Javier e Violeta trocam experiências literárias e refletem sobre suas vidas, e os de investigação, em que vasculham cômodos antigos da casa e interrogam velhos conhecidos de Beatriz.

As reflexões dos personagens são sempre advindas da leitura, com vários títulos conhecidos sendo mencionados para indicar a personalidade de cada um: enquanto os livros de marciano de Javier revelam sua ingenuidade e perspectiva fantasiosa, o fato de Violeta ler Dostoiévski serve como um adequado contraponto cultural para gerar discussões entre eles e inevitavelmente uni-los por intermédio de uma troca de valores. Há, por exemplo, uma contraposição de ideias sobre o valor que o passado detém para cada um – visto que Javier contempla-o fascinado e Violeta enxerga-o com melancolia (“… um lugar decadente, povoado por fantasmas”) – que ganha espaço na busca pelo passado de Beatriz, explicando em parte a fixação do fantasma com os dois.

É, entretanto, a investigação o ponto fraco do livro. Apesar de amarrar a história de Beatriz com o drama que uma das primas de Javier vivencia, trazendo, desse modo, consequências da descoberta para a família de Villa Candelária, o autor falha na construção de seu enredo por torná-lo óbvio demais. Todos os acontecimentos que levaram ao desaparecimento das Lágrimas de Shiva ficam claros ao leitor assim que as pistas são dadas, deixando o processo de descoberta dos personagens menos instigante: a pouca sutileza de Beatriz é a principal culpada, uma vez que o espírito chega a escrever nomes em espelhos e a apontar para objetos importantes, praticamente esfregando na cara do leitor as respostas para os enigmas suscitados.

Além disso, como o romance é bem pequeno, contendo apenas duzentas páginas, ele não consegue oferecer personagens ou eventos complexos o suficiente para compensar o fato de vários de seus elementos (espíritos bonzinhos, famílias decadentes e amores proibidos) estarem presentes de forma mais elaborada em diversas outras obras, notadamente nas de outro autor espanhol, Carlos Ruiz Zafón.

Apesar de tudo, As Lágrimas Shiva ainda se configura um exemplar consideravelmente eficiente em seu gênero, uma vez que o autor sabe empregar os componentes típicos da literatura infantojuvenil em uma história que, embora jamais surpreenda o leitor, é bem amarrada e, por esse motivo, ainda consegue encantar.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

25 de Junho de 2015


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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