Seu primeiro portal para notícias e críticas literárias!

 


Elantris.

0
Posted 06/20/2017 by in Fantasia

Rating

Nota:
 
 
 
 
 

2/ 5

Sumário

Genero:
 
Autor:
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título Original: Elantris.
 
Tradução: Marcia Blasques.
 
Edição: 2012.
 
Páginas: 575.
 
Capa: Viktor Fetsch.
 
Resumo:

Elantris é um romance de fantasia problemático demais para marcar uma estreia positiva para Brandon Sanderson. Trazendo personagens e discussões superficiais, uma estrutura inconsistente e inchada, o romance não consegue oferecer uma história satisfatória ou relevante.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Saindo-se melhor em suas reviravoltas do que em suas discussões sociais, o primeiro romance publicado de Brandon Sanderson, Elantris, revela-se um livro de fantasia com uma história superficial e problemática.

Na história, a cidade título é um local envolto em uma aura de misticismo. Seus habitantes, outrora poderosos, reluzentes e imortais, agora se encontram amaldiçoados, vivendo desolados em meio ao lodo, com uma pele apodrecida, sempre com fome, sempre com dor. Não se sabe o que levou à mudança, mas se antes era desejado e celebrado tornar-se um Elantrino – um evento aleatório que poderia ocorrer com qualquer um nas proximidades de Elantris –, agora a conversão é considerada uma doença mortal, com os infectados sendo despejados e trancados na cidade. Assim, aqueles que eram louvados e reverenciados tornaram-se dignos de pena e a cidade que fora o centro político de toda a região virou um túmulo.

Nesse cenário, o leitor é apresentado ao ponto de vista de três personagens. O protagonista chama-se Raoden, o príncipe da cidade de Arelon, vizinha de Elantris, que é subitamente acometido pela transformação e banido do lugar. Em Elantris, ele encontra um amigo na figura de Galladon e, juntos, decidem superar a dor e a fome e salvar a cidade. Já viajando para Arelon, encontra-se a princesa Sarene de Teod, cujo futuro marido, Raoden, foi dado como morto oficialmente. Observando o quão instável se encontram a economia e a política de Arelon, a princesa subitamente se vê entrando em uma conspiração para destronar o rei Iadon, ao mesmo tempo em que tenta impedir que um novo sacerdote de uma província inimiga doutrine a população local. Afinal, Hrathen é um sacerdote fjordênico enviado a Arelon com uma missão crucial: converter a população para a religião de Fjorden no prazo de três meses se quiser evitar uma invasão militar.

A narrativa é dividida, então, de forma a alternar entre os capítulos que seguem o ponto de vista de Raoden, Sarene e Hrathen. Embora ingênua, a jornada de Raoden mostra-se movimentada, com o personagem aprendendo a rotina de lamentação dos miseráveis habitantes de Elantris e a organização das gangues do lugar, tentando desvendar o mistério da cidade e, posteriormente, ainda planejando sua insurreição contra aquele estilo de vida, formando uma sociedade a parte dentro dos muros da cidade.

O príncipe é um homem otimista, que enxerga esperança para Elantris mesmo com a maldição aprisionando todos em uma existência repleta de agonia e sofrimento. Seu objetivo é fazer com que os outros compartilhem de suas ideias e o ajudem a revitalizar a cidade, mesmo sofrendo. Sanderson, entretanto, cria em Raoden um personagem irremediavelmente virtuoso, desprovido de um arco narrativo interessante. A visão positiva do príncipe sobre as situações, por exemplo, descamba para o absurdo em diversos momentos: sobre o fato de os Elantrinos nunca terem sua fome saciada e nem morrerem, Raoden explica que se trata de uma dádiva, pois significa que todos podem finalmente deixar de se preocupar com alimentação e ter mais tempo para trabalhar.

Apesar de ser um paraíso para a ideia neoliberal de “não reclame, trabalhe”, um dos principais problemas de Elantris é o fato de suas discussões sociais soarem tolas devido ao contraste negativo entre o tamanho dos problemas e a simplicidade das soluções. O plano de Raoden para salvar as pessoas, por exemplo, é só dar propósito para elas na forma de trabalho. Se, por um lado, isso definitivamente ajuda um indivíduo, os habitantes de Elantris sofrem demais para que a solução seja tão básica em natureza. Toda dor que eles sentem é eterna: eles não morrem, jamais se sentem saciados, um corte nunca sara, arranhões não param de arder e uma batida com o dedo do pé causa dor na região para sempre. Acumulando essas dores e uma fome que sempre aumenta, os Elantrinos são gradativamente levados à loucura. A situação deles é grave demais para que apenas “trabalho” os salve como em um milagre – o que, contudo, de fato começa a ocorrer.

Até mesmo o ato de doar é visto negativamente na narrativa, acusado de retirar a vontade do homem de trabalhar por si mesmo. Quando Sarene tenta oferecer alimento em Elantris, por exemplo, Raoden imediatamente condena a ação por entender que as pessoas iriam se acomodar com o alimento oferecido. Assim, o livro acaba caindo tematicamente na falácia de “Não dê o peixe, mas ensine a pescar”, falhando tanto em perceber que as duas ações não são excludentes, quanto em sequer tentar se aprofundar nas complexidades da questão, como por exemplo o fato de os Elantrinos não estarem em muitas condições de pescar, limitando-se a oferecer uma metáfora para essa simples, mas profundamente problemática analogia da pesca.

Os capítulos de Sarene se saem melhor, pois são mais focados nas tramoias políticas de Arelon. O arco narrativo da princesa envolve sua luta em construir uma posição social importante para uma mulher em uma sociedade machista. Como a própria reflete, Sarene simplesmente não serve para ser uma mulher subserviente, renegando todos os hábitos das mesmas. No entanto, sua independência a condena a uma vida de solidão, pois ela acredita que nenhum homem aceitaria casar-se com uma mulher superior a ele.

As artimanhas de Sarene para arruinar os planos de Hrathen empolgam o leitor devido a basicamente comporem uma batalha de inteligência entre os dois personagens; batalha esta constituída de armadilhas, blefes e contra-ataques. Assim, as inúmeras reviravoltas resultantes movimentam a trama, sempre modificando o panorama do jogo.

A trama da princesa, todavia, sofre por ser esticada demais e conter várias passagens insignificantes. Há tantos comentários desnecessários sobre a comida de seu tio Kiin, por exemplo, que o livro quase parece ter sido escrito por George R.R. Martin. A reviravolta envolvendo Kiin, por sinal, acaba sendo anticlimática por produzir nenhum efeito na narrativa e, no mesmo sentido, a tentativa da princesa de suavizar o sistema feudal de Arelon é igualmente irrelevante, com os resultados sendo prontamente postos de lado pela história. Já seu treinamento de esgrima, embora ganhe destaque por um tempo, produz consequências pífias no clímax.

Além disso, o nível de exposição das questões políticas é excessivo no início, enquanto o didatismo das explicações é quase condescendente, visto que elas são repletas de aposto explicativo e retomadas de ideia para garantir que o leitor não tenha a mínima possibilidade de se perder.

Já no centro da trama de Hrathen está a ideia de que por trás das boas intenções de uma pregação religiosa e missionária há o objetivo velado de dominação cultural; dominação esta que se inicia, por exemplo, com a imposição de uma nova língua. A trama do sacerdote de Fjorden é mais carregada de urgência que as outras devido ao limite de tempo imposto ao personagem.

Hrathen, por sua vez, graças a sua função narrativa complicada e dinâmica, também se revela o mais fascinante do trio. Trata-se de um personagem dividido em diversos níveis. Por um lado, Hrathen é o antagonista de Sarene e Raoden, almejando conquistar Arelon e destruir os Elantrinos. Por outro, seu objetivo maior é salvar as pessoas do exército de Fjorden. Ao mesmo tempo em que ele se esforça para que as pessoas entendam a lógica de sua religião e a aceitem por completo pelos motivos corretos, ele as capta fomentando o ódio contra um determinado grupo social, sabendo que esse sentimento sempre uma foi uma ferramenta eficaz de manipulação. Além disso, se Hrathen é marcado por sua religião, também é por dar preferência à lógica em detrimento da fé em seus discursos e estratagemas.

É uma pena, portanto, que o desenvolvimento de seu arco narrativo seja tão pouco preparado: o principal crime envolve o fato de que a separação entre os conceitos de religião e fé tão importante para ele, apesar de fazer sentido, não é  refletida a fundo pelo personagem ou ninguém perto dele em nenhum momento, surgindo súbita na narrativa.

Elantris ainda sofre com alguns momentos de completa falta de sutileza, como os dizeres que Sarene observa escritos num bilhete na mesa do rei Iadon em certa cena e a explicação didática do vilão sobre seus motivos no final, e com alguns de pura repetição de ideias, como continuar martelando que Sarene é “fascinada pela política”, quando o leitor já entendeu isso no primeiro capítulo da moça. Da mesma forma, a ideia de a religião ser uma ferramenta de dominação é repetida à exaustão, com direito até mesmo a aparecer novamente antes do clímax, “lembrando” o leitor dos motivos do conflito.

Sanderson também erra ao quebrar a estrutura estabelecida para o romance sem necessidade,  colocando, na metade do romance, o ponto de vista de Raoden em um capítulo de Sarene sem qualquer explicação. No clímax, tal inconsistência narrativa torna-se ainda mais grave com a súbita apresentação de um ponto de vista de um sacerdote até então irrelevante e que depois ainda vai embora em menos de duas páginas.

Por fim, o autor acaba construindo um clímax narrativamente frágil: o mistério acerca da maldição de Elantris é resolvido de forma anticlimática – embora Sanderson seja hábil ao preparar a lógica da solução, a mesma não se relaciona com nenhum outro elemento da trama, existindo isoladamente – e o sistema de magia até então existente apenas em teoria é usado exageradamente, quase assumindo o papel de deus ex machina.

Elantris é um romance de fantasia problemático demais para marcar uma estreia positiva para Brandon Sanderson. Trazendo personagens e discussões superficiais, uma estrutura inconsistente e inchada, o romance não consegue oferecer uma história satisfatória ou relevante.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

20 de junho de 2017.


About the Author

Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


0 Comments



Be the first to comment!


Deixe uma resposta