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Espíritos de Gelo.

15
Posted 04/18/2015 by in Nacional

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1/ 5

Sumário

Genero: ,
 
Autor:
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título: Espíritos de Gelo.
 
Título Original: Espíritos de Gelo.
 
Edição: 2011.
 
Páginas: 176.
 
Capa: Ana Carolina Mesquita.
 
Resumo:

No fim, por causa de um protagonista completamente repulsivo, uma estrutura narrativa repetitiva e uma prosa igualmente problemática, o único consolo do leitor durante as 176 páginas de Espíritos de Gelo será que a leitura irá terminar um dia. E quanto mais rápido isso acontecer, definitivamente melhor.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

É complicado encontrar algo em Espíritos de Gelo que se salve. Raphael Draccon escreve um livro protagonizado por um sujeito repugnante e idiota, sob a perspectiva do mesmo, contado por meio de uma estrutura narrativa extremamente repetitiva, que falha miseravelmente em construir suspense, povoando sua história com personagens aleatórios e unidimensionais, embora faça questão de arranjar espaço, em meio a inúmeras cenas de tortura e sexo, para encher o leitor com frases de autoajuda. Espíritos de Gelo é aquele típico livro que faz o leitor agradecer por seu pequeno número de páginas e lamentar por ele não ter sido ainda menor.

O protagonista da história é um homem em boa forma física – suas outras características e seu nome jamais são revelados – que acorda em uma câmara de tortura, amarrado a uma cadeira. Seus carcereiros querem que ele se lembre de como foi parar ali e o submetem a diversas torturas para estimulá-lo a contar seu passado. A trama segue então o encontro do personagem com uma garota chamada Mariana e sua iniciação em uma sociedade secreta de sexo tântrico mágico.

Os problemas de Espíritos de Gelo começam com seu protagonista. Ele é um sujeito absurdamente machista e egocêntrico, que trata as mulheres como troféus e acredita que todo o universo existe apenas para agradá-lo: quando ele define o que é uma mulher perfeita, por exemplo, ele usa como parâmetro o tamanho da inveja que ela o faria causar em outros homens. Ele sequer trata sua atual situação com a seriedade devida, recusando-se a responder algumas perguntas de seus torturadores somente por birra – fazendo o leitor considerá-lo infantil e inconsequente – além de provocá-los gratuitamente sempre que tem a oportunidade – levando o leitor a o considerá-lo estúpido ou masoquista ou ambos.

Livros narrados em primeira pessoa podem muito bem ser protagonizados por personagens moralmente desvirtuados, mas eles devem, no mínimo, apresentar alguma característica que desperte o interesse do leitor, seja pelo uso de humor negro ou pela inteligência do personagem ou pelas discussões que ele suscita. Outra hipótese seria deixar o leitor intrigado com um contraste entre as reflexões do sujeito e a persona que o mesmo transmite aos outros personagens, sugerindo que o protagonista guarda segredos e está fingindo ser quem não é. Em Espíritos de Gelo, entretanto, o protagonista não é inteligente, não é engraçado e definitivamente não é complexo ou misterioso. Ele é apenas machista e imbecil. Por isso, como Draccon não oferece ao leitor qualquer motivo para que ele se importe com o personagem, a narrativa torna-se intragável e qualquer conexão emocional é prejudicada.

Além disso, na narração em primeira pessoa, o autor tipicamente assume a voz do personagem que está narrando e sua prosa modifica-se para se adequar a linguagem dele. Este é justamente o grande ponto da primeira pessoa: fazer o leitor acompanhar a história pelo olhar de um personagem específico e não de forma onisciente. Embora a lógica por trás de seu uso em Espíritos de Gelo seja justificada, afinal sem ela o leitor poderia receber mais informações do que o protagonista e quebrar o suspense, o resultado é abominável graças à inabilidade de Draccon; à personalidade do personagem; e, principalmente, à mania que o mesmo tem de tratar o leitor como um idiota.

Primeiramente, Draccon se mostra incapaz de impedir que suas características pessoais influenciem o vocabulário do protagonista, tornando-o contraditório. O sujeito, por exemplo, ridiculariza o modo de vida nerd constantemente, mas em determinado instante compara um de seus torturadores ao senhor dos anões de Belegost, em O Senhor dos Anéis, cujo nome até mesmo fãs ardorosos da trilogia não conseguem dizer de cabeça. Mais tarde, ele também menciona os X-men, Sub-Zero, Stanley Kubrick, Tim Burton, Homem-Aranha e até mesmo se compara com Percy Jackson. As referências são tantas que expõem uma vida que o personagem afirma volta e meia repudiar, gerando, no mínimo, confusão no leitor.

Até mesmo a prosa do autor é precária. As inúmeras metáforas e comparações realizadas são fraquíssimas: uma hora o leitor descobrirá na narrativa que um chão úmido assemelha-se a um lavado que se esqueceram de secar e, em outra, verá um sistema nervoso de um homem torturado por eletrochoque ser equiparado a um telefonista de hotel em seu primeiro dia de trabalho, em uma imagem ridícula que destrói a tensão da cena.

Isso quando essas metáforas e comparações simplesmente não fazem sentido algum e parecem sugerir que o protagonista sofre de esquizofrenia, como no momento em que ele reflete: “Lá dentro daquela sala se escutavam gritos que vinham de fora e, por mais longe que as outras salas estivessem, pareciam vir de dentro; porque pareciam vir de nós mesmos”. Todavia, é no momento em que se atesta que uma das comparações mais inspiradas de um livro é “a benga do rapaz já tava mais em pé que peruca de velha com laquê” que se percebe que o autor realmente não produziu uma de suas melhores obras.

Não obstante ter demonstrado inaptidão para descrever cenas simples e para desenvolver tanto personagens quanto ideias, Draccon também parece se esforçar para que o leitor sinta-se insultado pelo protagonista, graças a sua insistência em enfatizar demais algumas situações. Basta anotar a quantidade de vezes que ele faz questão de reforçar desnecessariamente uma ideia só nas primeiras três páginas do livro para compreender a extensão do problema.

Na página inicial, ele diz “Entretanto, se fosse basear-se apenas na aparência física do portador, você não diria isso à primeira vista. Não diria mesmo”, já na seguinte ele continua a descrição com um “por debaixo dela, uma camiseta surrada do Black Sabbath. De novo: uma camiseta. Do Black Sabbath. Surrada”, para logo depois repetir o gesto em “Dois sujeitos que me fariam rir incontrolavelmente em outras condições sem sombras de dúvidas. Mas não naquelas. Não naquelas” e no fim da mesma página continuar com um inacreditável “O mais irreal daquela situação é que eu estava acorrentado. Acorrentado de verdade”. Já na terceira, Draccon termina um parágrafo com “[E descobre mesmo]” – em colchetes sabe-se lá por qual razão – com a palavra “mesmo” em itálico, reforçando um reforço, em um ato digno do filme A Origem. Durante as três primeiras páginas é até possível fazer piadas a respeito, mas, ao alcançar a centésima o leitor já estará gritando neuroticamente para seu livro “Eu já entendi!”, frustrado por seu ato desesperado não obter resultado.

Pelo menos é inegável que elaborar um livro de somente 176 páginas que apresente tanta repetição é um feito e tanto. O leitor lerá dezenas de vezes que existem vários caminhos a se tomar na vida e no sexo e que nunca, de forma alguma, jamais, em qualquer hipótese, deve-se pegar o do meio, porque ele não existe – e, obviamente, nenhum personagem questionará como seria possível atravessar um caminho que não existe e, se ele não existe, qual seria a razão de mencioná-lo várias vezes. Lerá, ainda, que o protagonista é viciado em sexo e que sexo é como uma droga e que ele curte sexo e que sexo é legal e que ele não consegue viver sem sexo, nem sem drogas. E lerá diversas vezes que alguma frase dita por seus torturadores bateu forte em seu coração ou que ela doeu muito. Muito mesmo.

Até a estrutura narrativa preza pela repetição. O livro começa com os carcereiros exigindo que o protagonista lembre-se de como foi parar ali, então parte para alguma lembrança, volta para os torturadores obrigando-o a contar mais, ele se recusa porque curte apanhar – só pode ser isso – mas eventualmente cede, aí a narrativa volta no tempo para continuar a história – o protagonista obviamente se lembra de tudo na ordem cronológica – para então voltar novamente para a tortura, ele se negar a continuar falando, apanhar, ceder e partir para mais uma memória. E segue assim até o fim, quando uma previsível reviravolta surge graças à aglomeração de ações absurdas dos personagens e mostra que o autor sequer parou para refletir como o universo criado por ele funciona, visto que há vários elementos que aparentam se contradizer, como o objetivo do encarceramento e o lugar em que este é realizado.

O único artifício empregado por Draccon que poderia ter sido merecedor de algum elogio é a escolha do vocabulário erótico para descrever o cativeiro do protagonista. O objetivo era criar uma atmosfera condizente com os temas do livro (sexo e punição), mas as descrições acabam sendo tão óbvias que somente acrescentam à infindável repetição, como, por exemplo as dezenas de vezes em que os carcereiros são comparados a dominadores sadomasoquistas. Sem contar os momentos em que frases de autoajuda são jogadas nos diálogos (“Quando se entra em um caminho autodestrutivo, sair dele começa com a decisão”, diz o torturador uma hora) apenas para telegrafar a natureza  da reviravolta final.

No fim, por causa de um protagonista completamente repulsivo, uma estrutura narrativa repetitiva e uma prosa igualmente problemática, o único consolo do leitor durante as 176 páginas de Espíritos de Gelo será que a leitura irá terminar um dia. E quanto mais rápido isso acontecer, definitivamente melhor.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

Publicado originalmente em 17 de outubro de 2014.


About the Author

Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


15 Comments


  1.  
    Lily

    A lista negra. Cuidado.




  2.  

    Tá liberado, ele não é mais editor. Mete o pau.




  3.  

    Olá, tudo bem?
    Não conhecia esse livro, mas já li histórias do autor e sei que ele escreve muito bem, além de conseguir desenvolver com clareza seus personagens. Essa é uma otima indicação e espero poder ler em breve. Esse gênero me interessa bastante.
    Beijos, Fer




  4.  

    Oi Rodrigo, quando vi que você só tinha dado uma estrela, achei que fosse problema no meu navegador… rs. Mas a forma como você descreveu o livro e as suas considerações sobre o mesmo, não me despertaram curiosidade nem pra conferir se o livro é de fato tão ruim assim. Não curto terror e me questionei como que existe frases de auto ajuda neste plot, mas beleza. Valeu demais pela sinceridade!!!
    beijos




  5.  

    Olha eu nunca li nada do autor e nem conhecia essa sua obra.
    Até fiquei sabendo dela por uma das minhas colaboradoras que queria resenhar em meu blog, mas eu sinceramente acho que não leria, porque não faz muito meu gênero, mas tenho que confessar que sua resenha está espetacular, porque está muito bem explicada e também gostei muito da maneira que você colocou os pontos negativos e positivos do livro, embora eu percebi que tu não gostou de algumas coisas e esperava mais né? Mas espero que os próximos do autor tu goste mais. Eu não sei quando vou ler algo dele, mas espero que em breve. E se eu for ler quero muito pegar aquele CEMITÉRIO DE DRAGÕES que é o mais novo.

    http://lovereadmybooks.blogspot.com.br/2016/03/resenha-sempre.html




  6.  

    Geeeeente. Eu era louca para ler esse livro, estava na minha lista, mas agora veio o receio.
    1 ESTRELA ?????? COMO ASSIM?????
    Mas vamos falar francamente, livro onde o personagem é chato, irritante daqueles que não suportamos e o autor ainda tem uma narrativa repetitiva é um soco no estomago do leitor. Poxa!
    E realmente o livro já é curtinho e ainda cheio de repetição? Isso é só para encher linguiça mesmo.
    Mas ainda assim eu arrisco ler o livro. Só para tirar minhas proprias conclusões, não que eu não confie nas suas, mas cada um é de um jeito né.
    Ótima resenha, parabéns pela sinceridade.




  7.  
    Francine Porfirio

    Olá!
    Não li nada do autor, ainda, mas espero apreciar sua narrativa. Isso porque uma das séries dele muito me interessa (rs). Infelizmente, o livro parece não ter dado certo com você. Eu acredito que cada livro tem o seu leitor e, às vezes, encontramos aquele tipo de narrativa que não parece se adequar aos nossos gostos – ou simplesmente estamos num momento da vida que parece inapropriada para ele. Faz parte. Mesmo com sua resenha negativa, não perdi a vontade de prestigiar esse talento nacional. Pode ser que não goste, mas acho que vale a pena tentar.

    Beijos!
    http://www.myqueenside.com.br




  8.  

    Olá

    Nunca li nada do autor mas tenho um amigo que é apaixonado por suas estórias ele ia te matar por essa uma estrelas. Mas vendo suas impressões creio que tenha sido merecido. Odeio personagens repugnantes assim e com certeza me irritaria o livro todo.

    Bjos
    http://rillismo.blogspot.com.br/




  9.  
    Driely Meira

    Oiee ^^
    Poxa, é uma pena que o livro não tenha te conquistado *-* cheguei a ler um livro do Dracon há alguns anos, mas era de fantasia, e eu não curti muito por conta disso. E também porque o achei um pouco arrastado, então não tenho curiosidade de ler outras obras do autor, pois imagino que sejam da mesma forma. Mas por ser um autor tão aclamado, achava que os livros eram um pouco mais impactantes *-*
    MilkMilks
    http://shakedepalavras.blogspot.com.br




  10.  

    Nussssssss
    Achei o título interessante, mas depois dessa resenha vou repensar se quero embarcar ou não na leitura desse livro.
    O enredo parece ser interessante, mas com tantos pontos negativos fica difícil desejar ler essas 176 páginas.




  11.  

    Oie!
    Eu ainda não conheço a narrativa do Raphael, e sempre leio elogios sobre as tramas criada. Ao mesmo tempo, algumas pessoas trazem algumas criticas, e sempre fico na dúvida se devo ler. Sabe quando você fica dividida, sem saber se começa o livro ou não? E por isso, acabo deixando para depois. Esse livro eu ainda não tenho aqui comigo, e por isso, não sabia muito sobre ele. Como estou com tantos aqui para ler, vou deixar para conferir mais para frente.
    Bjks!
    Histórias Sem Fim




  12.  

    Oi Rodrigo, tudo jóia?
    Do autor eu só li (ou melhor, comecei) O cemitério de Dragões, qu também é sofrível, socorro, vejo agora que é recorrente…
    Nada no livro ou na sinopse tinha me chamado atenção ainda e com a sua resenha tenho certeza que não é um livro que lerei.
    Esse personagem contraditório, machista e arrogante parece não ter dado realmente nenhum motivo para que o leitor se apegasse a ele e pelo que você falou, tudo gira em torno dele, então fica difícil estabelecer uma conexão.
    Obrigada pela dica e pela resenha sincera, sinto falta disso na maioria dos blogs!
    Beijos!




  13.  

    Que pena que nao gosaste… Nunca tinha ouvido falar…! E assim tambem nao quero conhecer!!

    A escrita ma, o protagonista do qual o leitor nao gosta… Que medo!! ahah 🙂 Parece horrivel, eu detesto isso… Ja me aconteceu de livros me desagradarem dessa forma tambem, ao ponto de que so temos “esperança” de que ha de acabar!! A tua sorte foi que ate era pequeno…

    Boas leituras!! 😉
    no-conforto-dos-livros.webnode.com




  14.  
    Hoxton Hoxworth

    Raphael Draccon é simplesmente o pior autor brasileiro. Todos os livros dele tratam o leitor como uma criança com retardo mental, são repetitivos e maçantes, presos em um loop teletubies (De novo, de novo!). Se odiou esse livro, fique longe de Dragões de Éter, livro esse que se vende como uma fantasia adulta reimaginando contos de fadas, porém tem os mesmos problemas citados nessa resenha. O que me irrita acima de todos os outros defeitos do autor é a arrogância do mesmo. Ele participou de um Nerdcast sobre literatura fantástica onde ele falou na cara dura que queimava autores novos e aspirantes caso não gostasse deles, ou das coisas que eles compartilhassem em redes sociais, ou se criticassem as obras dele por qualquer motivo. Ele não escreve livros, Draccon escreve fanfics ruins com referências mal feitas a coisas mainstream.




  15.  
    Pedro

    Sério? Vc nem leu a resenha.





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