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God of War.

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Posted 08/14/2015 by in Fantasia

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1/ 5

Sumário

Genero:
 
Autor: ,
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título: God of War.
 
Título Original: God of War.
 
Tradução: Flávia Gasi.
 
Edição: 2012.
 
Páginas: 383.
 
Capa: Gabriel Calou.
 
Resumo:

Nem mesmo Kratos conseguiria passar incólume pelo desafio de ler sua história contada assim.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Adaptar um jogo de videogame para o universo literário é um feito possível, porém bastante complicado. Videogames possuem uma linguagem própria que afeta tanto a estrutura quanto a natureza da história que almejam contar. O processo de adaptação, desse modo, precisa levar em consideração as diferenças entre as mídias com quais trabalha caso queira ser bem sucedido. Nesse contexto, God of War, livro baseado no jogo de ação homônimo da Sony, surge como o perfeito exemplo de como se fazer praticamente tudo errado.

O protagonista de God of War é Kratos, um espartano assombrado pelas atrocidades que cometeu no passado. Desesperado, Kratos enxerga no serviço aos deuses do Olimpo a única possibilidade de fazer suas lembranças e seus pesadelos desaparecerem. Já Atena, observando sua cidade sendo sitiada por Ares, e impedida por Zeus de resolver a situação diretamente, aproveita-se do desamparo e do ódio que o espartano nutre pelo deus da Guerra para convocá-lo para a batalha sob a promessa de salvação, caso ele realmente consiga derrotar um deus.

O leitor, inicialmente, observará Kratos destruindo os exércitos infindáveis de Ares que insistem em barrar o caminho até o Templo de Pandora – local mítico em que reside o poder necessário para matar o deus da Guerra –, depois o acompanhará matando mais inimigos dentro do templo e terminará a leitura com a narração do confronto entre o espartano e Ares. É inevitável, portanto, que os capítulos gradualmente se tornem cansativos, devido a sua simplicidade: por conterem somente descrições de batalhas, eles não mostram qualquer novidade para justificar sua quantidade – começa o capítulo, Kratos anda um pouco pelo cenário, encontra quarenta criaturas inimigas, grita alguma coisa, espalha as tripas delas pelo chão, volta a andar, e aí o capítulo termina e outro começa.

O jogo de videogame conta apenas a aventura de Kratos porque sua jornada de destruição é o objeto principal da história. Todavia, por ser um jogo de ação, as atitudes do herói limitam-se a matanças de incontáveis monstros e isso não constitui um problema justamente por adequar-se ao propósito do jogo: oferecer ao jogador uma ação empolgante e elaborada.

Essa estrutura é insuficiente no desenvolvimento de um livro, pois entregar ao jogador o controle sobre as batalhas tem um efeito infinitamente mais agradável do que obrigá-lo a ler péssimas descrições das mesmas. Desse modo, e possivelmente levando em consideração suas inúmeras limitações como escritores, os autores Matthew Stover e Robert Vardeman perceberam que o prospecto de ler sobre o mesmo personagem desmembrando ciclopes por quase quatrocentas páginas seria, no mínimo, aterrador. Então, acrescentaram ao livro a perspectiva dos deuses do Olimpo.

Embora essa trama destaque-se por ser a única que possui “diálogos”, os autores conseguiram a proeza de estragá-la ao optarem por descrever os deuses como sendo seres sádicos, insanos e de personalidade tão rasa quanto à do espartano, senão mais tola, sem qualquer justificativa. Em determinado momento em que é questionado por Atena sobre o massacre que o deus da Guerra está liderando em Atenas, por exemplo, Zeus chega a comentar: “Ares geralmente comete tolices como um minotauro em uma loja de cerâmica”. Certamente, uma comparação digna de ser feita pelo senhor do Olimpo.

Além disso, ainda que esse adendo à história sirva para esclarecer diversos elementos da trama que envolve os deuses, oferecendo uma visão mais aguçada dos eventos, ele também remove a ambiguidade desses mesmos pontos – como as intenções de Atena – diminuindo, desse modo, a força deles.

De mais a mais, essa modificação na estrutura da história – o acréscimo da perspectiva do Olimpo – foi uma das raras realizadas com o fim de adequá-la ao meio literário. A maioria dos eventos, dos locais, dos personagens e dos diálogos é, na realidade, transposta à risca sem qualquer adaptação, causando efeitos ao mesmo tempo horripilantes e hilários.

Para começar, Kratos nunca foi um herói interessante por causa de sua personalidade – pelo contrário, ela sempre foi consideravelmente rasa, embasada no ódio. No jogo, nos poucos momentos em que fala, ele apenas berra fraquíssimas frases de efeito. Kratos ter sido um protagonista introspectivo, portanto, foi uma benção: seu desenvolvimento refletia-se em suas ações heroicas e não no que ele tinha a dizer.

Já no livro, o estilo indireto livre é constantemente utilizado, abrindo oportunidades para a personalidade do espartano afetar a escrita. Dessa forma, o leitor é obrigado a aturar as frases de efeito dele sendo repetidas à exaustão. Além disso, comparações com o fim de reforçar o valor de Kratos estão presentes em cada capítulo: frases no estilo de “Atenienses podem tentar fugir da morte, mas jamais espartanos!” e “Qualquer guerreiro morreria diante da ferocidade de tal golpe, mas não Kratos” são abundantes. Aliás, esse “mas não Kratos” parece ser o único artifício que os autores descobriram como utilizar para indicar como o espartano é especial, visto que é repetido com esse intuito sempre que possível.

A insistência em não abandonar elementos típicos de jogos de videogame também é um enorme erro e consegue ser engraçada de tão ridícula. Em determinado momento, por exemplo, Kratos reflete que se sente “como se seu reservatório de magia geral tivesse sido recarregado” – só faltou descrever o reservatório como sendo azul para tornar a referência completa. Até mesmo os monstros que o espartano enfrenta no Templo de Pandora literalmente se materializam ao redor dele. Essas aparições, absurdas por natureza, costumam ser relevadas em videogames por causa das limitações de hardware, mas sua presença em um livro, se não for devidamente contextualizada, é simplesmente inescusável. Não satisfeitos, esses mesmos monstros também fazem questão de, após morrerem, se transformarem em “uma névoa que pula para a inexistência“. Já é complicado, em uma história que se leva a sério, imaginar minotauros e medusas virando névoa após serem mutilados, agora visualizar essa mesma névoa pulando para a inexistência é uma tarefa possível somente para mentes dotadas de um brilhantismo fora do comum, como a dos autores.

E se Matthew Stover e Robert Vanderman, em God of War, parecem estar empenhados em provar que não há limites para o quão ruim uma prosa pode ser, o trabalho de tradução e revisão revela-se igualmente dedicado a alcançar essa meta, construindo passagens completamente confusas ou cheias de erros como “Das profundezas invisíveis ergueu-se uma enorme cabeça reptiliana, de olhos como escudos de fogo e espadas reluzentes como dentes” e “Um outro herói teria tido ambas as mãos decepadas, mas as correntes fundidas com seus ossos não poderiam ser quebradas seria pelo próprio Deus da Guerra”.

God of War é um livro baseado em um ótimo jogo que contém uma boa história. A tragédia que cerca o protagonista Kratos é consideravelmente bem elaborada e poderia virar um livro interessante se fosse bem conduzida. Infelizmente, porém, a realidade mostra-se bem diferente, nos presenteando com uma obra repleta de erros, equivocada em suas pretensões narrativas e, ainda por cima, longa demais. Porque, quanto mais mal escrito é o livro, mais interminável cada página parece. Muito provavelmente, nem mesmo Kratos conseguiria passar incólume pelo desafio de ler sua história contada assim.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

14 de agosto de 2015.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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