Jesse Chesnutt e o mistério do planeta T12.
Sumário
Genero: Nacional, TerrorJesse Chesnutt e o mistério do planeta T12 é um livro com uma premissa diferente. Entretanto, transformar uma história de zumbis em uma ficção científica de alienígenas requer técnica em um nível que Leonardo Faig ainda não tem. Sua obra é repleta de erros absolutamente bizarros que deveriam ter sido completamente eliminados em um processo de edição decente. Por isso, o livro que foi lançado jamais reflete a intenção do autor, mas somente sua inexperiência.
Jesse Chesnutt e o mistério do planeta T12 faz parte do programa Novos Talentos da Literatura Brasileira, criado pela editora Novo Século. Esse programa visa integrar autores jovens e inexperientes no mercado editorial, representando uma excelente oportunidade para mostrar a capacidade e o potencial de que eles dispõem. A obra de Leonardo Faig, porém, evidencia pouco cuidado na edição do livro, que apresenta erros grosseiros facilmente evitáveis: bastava alguns alertas durante um processo de supervisão adequado para corrigi-los, visto que os principais atentam não contra a estrutura da história ou a seu conteúdo, mas contra o bom senso.
No início de O mistério do planeta T12, um jovem chamado Jesse Kirk acorda preso em seu quarto e percebe que uma estranha e violenta pessoa de olhos esverdeados está do outro lado da porta tentando alcançá-lo. Após escapar de sua casa e de se refugiar em um escritório na rua, Jesse encontra dois homens, Kevin e Brian, que o alertam sobre a infecção generalizada que está transformando as pessoas em criaturas violentas.
O livro segue fielmente a estrutura de uma história genérica sobre apocalipse zumbi, mostrando a formação de um grupo de sobreviventes e as tragédias que vivenciam, enquanto buscam refúgio. Sua única pretensão é a mudança de gênero (uma reviravolta arruinada pela péssima escolha de título), que ocorre perto do final, em que o livro se revela uma ficção científica baseada em alienígenas.
Contudo, qualquer inventividade que a premissa almeja possuir é sabotada pela inexperiência do autor. A prosa de Faig contém tantas falhas bizarras que acaba por chamar a atenção somente para si, impedindo que o leitor aprecie a história.
Logo na primeira página já é possível apontar um dos erros mais comuns do livro: a mudança incessante de tempos verbais. Basta observar o trecho: “Jesse acorda. Seu corpo, totalmente exausto. Os músculos doíam. Ele tentava lembrar-se do que acontecera. Sua visão estava embaçada. Com o passar de minutos, ele começa a enxergar as coisas em sua volta. Estava num beco. O que não conseguia se lembrar era como ele foi parar ali. O beco estava imundo, fedendo a carne morta. E não havia ninguém. Ele tenta se levantar.” Ignorando as inúmeras pausas que prejudicam seriamente o ritmo da leitura, é fácil notar que o autor transita entre o presente do indicativo e o pretérito imperfeito toda hora, sem qualquer justificativa. Normalmente, apenas a escolha de narrar uma história no presente já se mostra um equívoco, mas não contente, Faig ainda muda o tempo sempre que lhe apetece, confundindo o leitor com um caos temporal sem propósito.
Outra mania bisonha do autor é a forma com que utiliza travessões após diálogos. O habitual é que a frase após o sinal se refira a aquele que acabou de falar. Mas em O mistério do planeta T12, ela trata de quem ainda vai se pronunciar. Não é difícil reparar no terrível efeito que isso causa no exemplo abaixo (grifo nosso):
“Kevin acelera o mais rápido possivel.
– Você está bem?! Fale comigo! – Yan tentava falar algo.
– C-c…
– Fale! Qualquer coisa!
– C-casa…”
Faig parece empenhado em afastar o leitor de seu livro. Além de violentar a norma padrão, ele também não se preocupa em deixar os acontecimentos da história consistentes. Em um flashback, por exemplo, o leitor descobre que Brian trabalha em uma penitenciária da qual Kevin é um importante prisioneiro. Na cena, Brian, junto a um colega de trabalho, assiste a um absurdo noticiário que prefere avisar a todos da fuga de Kevin a mencionar o ataque zumbi que a ocasionou. Não demora então para eles serem igualmente atacados, o colega ser morto após uma fala terrível (“Ah! Eles me pegaram! Eles me pegaram!”) e Brian ser resgatado, coincidentemente, por Kevin. Nesse momento, não somente nenhum dos dois personagens se reconhece como, ignorando conjuntamente isso, Kevin menciona o nome de Brian páginas depois enquanto está expressamente escrito que eles não se apresentaram e que permaneceram calados o tempo inteiro.
Aliás, momentos similares de insanidade não faltam. A partir da metade do livro, o leitor encontrará alguns personagens que parecem apresentar quadros preocupantes de esquizofrenia. Um soldado de uma instalação científica, por exemplo, não sabe muito bem o que faz, não decidindo se entra ou não na cela de seus prisioneiros (grifo nosso):
“Havia um soldado de roupas brancas na porta. Carl faz um movimento com a cabeça. O soldado entende, e entra na cela. Já esperava por uma reação assim.
– O que você quer?! – grita Jesse, que já estava quase sem energias. O soldado se aproxima da cela. Carl falava algo muito baixo para que somente o soldado pudesse entender.”
Em outro momento, um homem chamado Elliot recebe ordens enquanto fala sozinho com um telefone mudo:
“Elliot se levanta e vai para o lado de fora. Escondido, ele pega um celular e digita um número rapidamente. Em poucos segundos, alguém atende.
– Senhor? É Elliot – mudo. Alguém falava do outro lado da linha.
– Kevin está aqui. – mudo.
– Sim, senhor. Está como prisioneiro. Não tive a oportunidade de fugir das mãos de Erik ainda, mas pretendo retornar para vocês o quanto antes. – mudo.
– Quer que eu mate Kevin? Ele pode trazer problemas. – mudo.
– Farei o possível. – Elliot desliga, pensando no que fazer.”
A intenção do autor nesse trecho possivelmente era dizer que as pessoas ao redor de Elliot não conseguiam escutar a voz no telefone. Mas o fato de não haver ninguém ao lado dele enquanto falava torna até mesmo desnecessária essa péssima estratégia.
Cenas absurdas como essa são tão recorrentes no livro que conseguem a proeza de deixá-lo engraçado. Em determinado instante, Jesse lamentará a explosão de um carro que os ajudou desde aquele momento; logo em seguida Carl refletirá que, como andar em linha reta não será suficiente para escapar dos infectados, ele devem correr para os lados; e cinco páginas depois, Jesse estará tentando estancar o sangue de um dedo quebrado. Os diálogos são ainda mais hilários, chegando ao ponto de um alienígena dizer para Jesse: “No nosso planeta costumamos ter um cérebro muito bem desenvolvido”. Apesar disso, Faig apenas alcança seu ápice quando avisa que um flashback se iniciará, posicionando a palavra no início da narração.
O autor sequer tenta fazer com que seu livro represente uma alegoria de algum assunto importante ou discuta qualquer tema relevante – funções de qualquer história, seja de zumbis ou ficção científica. O único ponto positivo que lhe pode ser atribuído é a construção da estrutura narrativa: Faig é hábil em preparar o terreno para a reviravolta de gênero e em espaçar os momentos de tensão, embora nesse ponto também falhe em construir um clímax minimamente empolgante, uma vez que prefere deixar o principal antagonista fora dele.
Jesse Chesnutt e o mistério do planeta T12 é um livro com uma premissa diferente. Entretanto, transformar uma história de zumbis em uma ficção científica de alienígenas requer técnica em um nível que Leonardo Faig ainda não tem. Sua obra é repleta de erros absolutamente bizarros que deveriam ter sido completamente eliminados em um processo de edição decente. Por isso, o livro que foi lançado jamais reflete a intenção do autor, mas somente sua inexperiência.
por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.
Publicado originalmente em 15 de Agosto de 2014.