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O Príncipe de Westeros e outras histórias.

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Posted 08/07/2015 by in F. Científica

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3/ 5

Sumário

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Editora:
 
Idioma Original:
 
Título Original: Rogues
 
Tradução: Petê Rissati, Taíssa Reis, Ana Resende, Eric Novello, Mariana Boscato, Débora Isidoro, Ivar Jr., Carol Chiovatto, Ana Death Duarte.
 
Edição: 2015.
 
Páginas: 469.
 
Capa: Saída de Emergência.
 
Resumo:

O Príncipe de Westeros e outras histórias é uma coletânea irregular que apresenta alguns contos excelentes e outros nem tanto.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

O Príncipe de Westeros e outras histórias é uma competente coletânea de contos organizada por George R. R. Martin e Gardner Dozois, os mesmos editores de Ruas Estranhas. Diferentemente da coletânea de fantasia urbana, porém, esse livro não é centrado em um gênero, mas em um tipo específico de personagem. Com isso, O Príncipe de Westeros e outras histórias contém contos dos mais variados gêneros, embora alguns sejam de qualidade questionável.

Como a introdução escrita por George R. R. Martin explica, os contos que compõem a coletânea são focados em um arquétipo de personagem denominado “rogue” em inglês. Traduzido como “canalha” na introdução, o termo “rogue” é associado a diversos outros no decorrer do livro: os personagens que representa são definidos como patifes, vigaristas, ladrões, golpistas e malandros. A protagonista de Em cartaz chega até a exemplificar: “… um malandro é divertido, sexy, charmoso. Como o Homem de Ferro. Ou Jack Sparrow”. São, em suma, personagens que apresentam tons de cinza e que não são inteiramente confiáveis.

Como o Marquês recuperou seu casaco de Neil Gaiman é o conto que abre o livro. A história, baseada no romance Lugar Nenhum, segue a busca do protagonista Marquês de Carabas por seu casaco – que foi perdido anteriormente no romance. É um conto de fantasia que transcorre em uma Londres subterrânea repleta de seres fantásticos.

A caracterização desse universo é eficiente em sua tentativa de torná-lo místico: a descrição do ambiente é frequentemente realizada por termos abstratos, revelando a natureza enigmática do lugar (“As trilhas da Londres de Baixo não eram os caminhos da Londres de Cima; eles dependiam em grande parte de coisas como crença, opinião e tradição, tanto quanto das realidades dos mapas”).

Os diálogos seguem a mesma diretriz do absurdo. Em determinada cena, por exemplo, quando o protagonista pergunta a um menino que vendia cogumelos – que brotavam de seu rosto – se a garota da qual ele gostava era uma “garota cogumelo”, o menino responde, explicando a razão de sua paixão: “Quem dera eu fosse tão sortudo. Se estivéssemos unidos no amor e no corpo do cogumelo, eu não teria com que me preocupar. Não. Ela faz parte da Corte dos Corvos. Mas come aqui de vez em quando. E nós conversamos. Do mesmo jeito que você e eu estamos conversando agora”.

Esse diálogo cumpre diversas funções narrativas. Desenvolve o personagem do vendedor, fazendo o leitor sentir pena dele, visto que a revelação de que ele se apaixonou pela menina apenas porque ela deu um pouco de atenção a ele revela o quão sozinho o garoto é; expõe o fantástico daquele universo, graças aos termos empregados pelo personagem; e ainda prepara o terreno para a reviravolta final da história – preparação que passa despercebida pelo leitor justamente pela existência das outras duas funções. Trata-se, portanto, de uma história bem construída.

Quanto ao tema do livro, todavia, o personagem do Marquês não se mostra muito adequado. Como ele perdeu seu casaco – e este o define como Marquês – o personagem aparece no conto sem suas características habituais: ele surge inseguro e tolo, sendo facilmente ludibriado pelas pessoas. Além disso, o Marquês dificilmente é um “canalha”, visto que tem um código de ética e moral bem definidos. Não é a toa que ao fim da história todos os personagens que cometem atos ruins são punidos e todos os malfeitos são corrigidos para a felicidade do protagonista. Enfim, se em seu romance de estreia, o Marquês poderia atender às características do termo “rogue”, aqui ele surge diferente e até menos interessante por causa disso.

Proveniência de David W. Ball, por outro lado, apresenta uma estrutura extremamente didática e monótona. O conto acompanha a tentativa de venda de um quadro perdido do artista Caravaggio para um líder religioso. O protagonista chama-se Max Wolf, cuja profissão envolve justamente a negociação de obras de arte de valor inestimável. Max, numa tentativa de mostrar o valor da peça em questão e de provar sua autenticidade, narra a história do quadro a seu cliente, desde sua concepção até o instante em que descobriu seu paradeiro.

Max conta a história de forma bem detalhista, pecando pelo excesso de informações. Os eventos também são narrados com didatismo, um seguido do outro, cronologicamente, sem qualquer emoção:

“Borghese havia começado a colecionar obras de arte de forma agressiva e estava aprendendo a fazer uso das ferramentas de seu poder. Giuseppe Cesari era um artista proeminente que tinha uma importante coleção de mais de mil pinturas, incluindo diversas de obras de Caravaggio, que havia trabalhado no estúdio dele quando era jovem. Borghese ficou sabendo que Cesari também tinha uma coleção de arcabuzes. Cesari era inofensivo, as armas de fogo eram apenas um hobby, mas eram ilegais. Borghese fez com que Cesari fosse preso e suas posses, confiscadas. Ele foi sentenciado à morte. Essa sentença acabou sendo suspensa, mas não até que Cesari concordasse em doar suas pinturas para a Câmara Apostólica”.

O conto é quase inteiramente formado por passagens assim, desprovidas de humor e tensão. Os únicos momentos minimamente interessantes são aqueles em que a narração de Max é interrompida e o ponto de vista passa, aleatoriamente, a ser o de oficiais alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Essa troca de perspectiva é certamente súbita, mas, pelo menos, bem vinda por quebrar a monotonia da história: sua função é basicamente chocar o leitor, mostrando nazistas sendo nazistas.

O plano do autor foi possivelmente esconder a reviravolta final no meio da imensidão de informações da narrativa, o que não as torna menos inúteis. A natureza absurda da reviravolta também tenta ser justificada pelo título do conto, mas no fim é só boba e vazia: o leitor apenas tem como prevê-la porque não poderia ocorrer nada mais de interessante e porque envolve o único núcleo dramático de toda a narração de Max.

Qual é minha profissão? de Gillian Flynn é uma história de terror contada em primeira pessoa por uma mulher que trabalha em um estabelecimento único: o lugar funciona em parte como uma casa mística que oferece leitura de auras, mãos e previsão do futuro e, em parte, como um “spa masculino de massagem íntima”. Um dia, uma das clientes da área mística contrata a protagonista para investigar os estranhos acontecimentos que estão ocorrendo em sua mansão e afetando o comportamento de seu enteado.

O conto é construído com uma estratégia narrativa bem similar à do romance Garota Exemplar: é uma história sobre mentirosos – e um deles consideravelmente sociopata. O leitor vai gradativamente adquirindo a impressão de que os fatos narrados podem não corresponder exatamente à realidade: os elementos são todos muito perfeitos e conectados – como a macabra história do passado da casa –, evidenciando sua artificialidade proposital. Se o conto termina com uma longa sequência de diálogos expositivos, isso não constitui um problema, pois até eles estão fortemente carregados de incerteza. Também é digno de nota a ironia que a autora insere em diversas situações – como um dos personagens considerar-se mais inteligente que os demais, embora seja ele quem está sendo manipulado.

Um jeito melhor de morrer de Paul Cornell é o pior conto do livro. Trata-se de uma ficção científica que transcorre em um universo alternativo já trabalhado pelo autor, onde é possível viajar para realidades paralelas e raptar suas contrapartes para usar o corpo delas como receptáculo para sua mente. O protagonista é Hamilton, um agente do governo que subitamente se vê desafiado por sua contraparte mais jovem, trazida por seu superior direto para auxiliar o país.

O conto começa consideravelmente confuso, não situando o leitor naquele universo fantástico já utilizado pelo autor em outras histórias. Tal desorientação é reforçada pelos pensamentos do protagonista, os quais ocupam diversos parágrafos e são sempre constituídos por questionamentos filosóficos e por dúvidas sobre termos e conceitos não familiares ao leitor. Além disso, como um conto é, por definição, uma narrativa curta, o leitor não tem tempo suficiente para desvendar as características daquele mundo. Resta-lhe apenas pescar o que puder da trama e dos personagens.

O problema principal reside no fato que a narrativa é construída de forma terrível e a premissa é mal aproveitada. O autor trai sua estratégia inicial de caracterização obtusa do universo, fazendo os personagens discutirem em determinada cena o que já deveriam saber, mas usando uma linguagem tão estranha e termos tão técnicos que o leitor continua perdido. Em segundo lugar, a trama avança aos trancos e barrancos, já que é constantemente interrompida pelas divagações do protagonista, que mais confundem o leitor do que desenvolvem o personagem. Por fim, o confronto entre Hamilton e sua contraparte jamais é aproveitado: basta observar a cena em que os dois jogam cartas e perceber como o autor poderia ter aproveitado a premissa para construir um jogo de blefes e manipulações tenso – visto que o personagem está basicamente se enfrentando –, mas apenas trabalha com o fato de a contraparte ser mais jovem e, portanto, impulsiva.

Em poucas palavras, o conto é um bocado ruim.

Um ano e um dia na velha Theradane de Scott Linch, por sua vez, é divertidíssimo, usufruindo dos cenários absurdos em que os personagens se encontram para trazer seu humor a tona. A protagonista é uma ladra chamada Amarelle que se vê tendo que sair da aposentadoria forçada e reunir seu antigo grupo para um último trabalho: roubar uma rua.

O conto acompanha as tentativas cada vez mais esdrúxulas e criativas de Amarelle e seu bando (que, tirando o autômato Shraplin, é todo composto por mulheres) de realizar o feito, seja mudando os nomes das placas, modificando registros públicos ou tentando transformar a rua em um canal.

A narrativa é construída por meio de um absurdo crescente que se mostra divertido justamente por ser gradual, culminando cada situação em um clímax, como pode ser observado na cena seguinte:

“Enquanto a caravana avançava pela rua, uma mulher de vestido vermelho flamejante conduzindo um coelho mecânico atravessou descuidadamente o caminho da primeira carruagem, dando início a uma cadeia de desastres improvável, mas pitoresca. Carruagem após carruagem tombou, roda atrás de roda voou de sua calota, um grupo de cavalos após outro correu relinchando por entre o tráfego quando suas rédeas de emergência se soltaram. A lateral da primeira carruagem tombada explodiu para fora e uma besta peluda saltou rosnando de dentro dos destroços.

– CORRAM! – Gritou alguém, que coincidentemente era a mulher de vestido vermelho. – É UM HOMEM-CHACAL COM CALCANHAR DE MOLA!”.

O universo ficcional do conto é excelente por mesclar o humor derivado desse exagero com o horror inerente às situações. Um bom exemplo é a característica mais marcante de Theradane: os indivíduos condenados pelo tribunal da cidade têm seus espíritos presos a um poste, para iluminar a cidade durante a noite por toda eternidade, enquanto sussurram para os transeuntes. De um lado há o riso proveniente do fato de ficarem presos a um poste e, do outro, o choque provocado pelo destino deles.

Outro bom exemplo é a localização da própria taverna onde o grupo de Amarelle reúne-se para conversar ela foi construída dentro do cadáver de um dragão: festividade e morte são elementos que andam lado a lado na história.

O elemento fantasioso no conto é tão grande que alcança o dos romances da série O Guia dos Mochileiros das Galáxias de Douglas Adams. É verdade que, ao contrário da obra de Douglas Adams, Um ano e um dia na velha Theradane não contém críticas sociais inseridas no humor, existindo apenas por ele, mas isso não diminui sua qualidade.

A caravana para lugar nenhum de Phyllis Eisenstein, por sua vez, é um conto simples e funcional que acompanha a viagem de um trovador pelo deserto com uma misteriosa companhia de comerciantes. No deserto, não demora para o protagonista assustar-se com a visão de uma cidade fantasma que parece sempre estar no horizonte, mas que se afasta a cada passo dado em sua direção.

A história faz um paralelo entre essa cidade e a realização de sonhos por meio de uma substância alucinógena encontrada no deserto: quem consome o pó acredita estar realizando seu desejo mais profundo, tornando-se rei ou rainha, por exemplo, e vê a cidade fantasma mais viva, concreta e real, partindo em busca dela – e nunca mais voltando. É, no fim, um conto bem construído e pessimista, que compara os sonhos de uma pessoa a uma miragem: representam uma ilusão que jamais é alcançada.

Galho Envergado de Joe. R. Lansdale é um conto igualmente simples, porém mal construído. Ele narra a história de dois detetives particulares, Hap e Leonard, que têm que salvar a filha de uma amiga: uma garota que se envolveu com o cara errado, drogou-se e agora está sendo mantida em uma casa de prostituição.

Lansdale trata os personagens principais como figuras icônicas, parecendo ser suficientemente interessante para ele, por exemplo, colocar um dos dois trabalhando em uma fábrica de ração para cachorros, como se dissesse “olha, esse cara é foda, mas tem um trabalho tosco, não é engraçado?”. Como suas personalidades ainda não haviam sido apresentadas na história – e a maior parte dos leitores não os conhece previamente –, não, não é engraçado.

Além do mais, após Galho Envergado, dificilmente alguém vai querer conhecê-los. No conto, Hap e Leonard são rasos a ponto de seus diálogos resumirem-se a frases de efeito. Basta ler o seguinte trecho de uma cena de interrogatório para notar a cafonice de filmes de ação B que permeia a história:

“Naquele instante, pela janela, vi a cabeça de Leonard passar. Estaquei.

– Então, o que você quer saber? – perguntei. – Eu posso dar algumas respostas, contanto que não envolva problemas de matemática.

– Está bem. Primeiro, quem caralho é você?

– Eu trabalho para o censo.

– Isso vai fazer você ganhar um corte – disse Kevin. – eu vou ter que tirar uma orelha.

– Antes disso, preciso mesmo lhe contar uma coisa.

– O que seria? – perguntou Kevin.

– O inferno está chegando.

Naquele momento, a porta foi escancarada, impulsionada para a frente pelo pé de Leonard.”

Além de frases de efeito, o conto não oferece nada ao leitor; nem surpresas, nem discussões, problematizações ou críticas. Hap e Leonard precisam salvar a garota, vão lá e salvam. Fim.

A árvore reluzente de Patrick Rothfuss é a história narrativamente mais complexa do livro. Ela transcorre no universo criado no romance de fantasia O Nome do Vento – embora seja facilmente acompanhada por aqueles que não o conhecem – e narra alguns dias na vida do jovem Bast, aprendiz de um misterioso taberneiro.

Bast é um garoto inteligente que assume uma posição quase mística entre os jovens de sua cidade. Todos os dias ele senta ao lado de uma árvore branca e espera até alguma criança vir visitá-lo (há um limite de altura impedindo pessoas mais velhas). A criança da vez então lhe apresenta algum problema (“preciso de uma mentira para escapar de uma bronca”) ou faz alguma pergunta (“É assim que eles fazem ouro de fadas?”) que Bast soluciona ou responde em troca de favores.

Bast é considerado por seus colegas uma espécie de guru detentor de todo o conhecimento e capaz de ajudar a todos. O que torna A árvore reluzente um conto/novela (ele tem mais de 70 páginas) complexo é a intrincada rede de eventos que é construída por Bast, em que um favor cobrado de uma criança é usado ou para fins próprios do jovem – como conseguir flores para impressionar uma garota – ou para resolver os problemas de outras crianças. Além disso, a explicação de certas ações de Bast é muitas vezes realizada de forma sutil, sem que ninguém minucie os detalhes – como a relevância de fazer duas crianças visitar uma cachoeira – deixando para o leitor amarrar as pontas com as informações fornecidas.

Aliás, a prosa vaga e ambígua de Rothfuss merece alguns comentários. Ela assume várias funções: torna a rede de ações de Bast parecer mais complexa que de fato é; deixa a natureza fantástica escondida na narrativa (como a identidade da garota que toma banho em determinada cena e a ironia da situação); e gera um problema em particular, envolvendo uma cena, logo no inicio, que sugere que Bast encantou uma garota para fazer sexo com ela, estuprando-a – sendo que tal evento não é mais mencionado no conto.

O fato de o protagonista ter características machistas e de surgir um tanto egoísta e possessivo em certas cenas originou muitas críticas ao próprio Rothfuss, acusando o autor e sua obra de serem igualmente machistas e reprováveis. A própria descrição do personagem em certo momento parece corroborar tais alegações:

“Esfregou o rosto. Isso não costumava acontecer. Ele nunca tinha ficado em conflito com o próprio desejo antes de chegar ali. Bast odiava isso. Era tão simplesmente unívoco antes. Querer e ter. Ver e pegar. Correr e perseguir. Sede e sociedade. E se ele fosse frustrado na busca de seu desejo… O que aconteceria? Era assim que as coisas eram. O desejo em si ainda era dele, ainda era puro”.

No entanto, tal acusação é somente válida em uma leitura superficial que ignora outros elementos da obra. É certo que Bast objetifica as mulheres, chegando a compará-las com facas e camisetas. Mas é igualmente inegável o juízo de valor negativo que recai sobre ele logo em seguida a essas comparações, como uma das crianças se opondodiretamente a ele: “uma mulher não é a mesma coisa que uma camisa – falou Kostrel com imenso desprezo”.

Restaria apenas acusar isoladamente Bast de tal atitude reprovavél, mas o personagem oferece incidentalmente sua própria defesa em determinada cena (spoilers): Bast não é humano, mas uma criatura mágica. Como tal, ele afirma não ser diferente de um urso. Dessa forma, valores morais não se aplicariam a ele, pois ele não os compreende ou sente. Haveria em Bast, como em qualquer animal, apenas o desejo e não noções de certo e errado. Trata-se de uma defesa interessante que necessitaria de uma análise de suas motivações e ações tanto nesse conto, quanto em O Nome do Vento, para saber se ele é realmente como um cachorro ou gato ou se de fato é machista. É uma discussão, no entanto, que recai sobre o personagem e não sobre a obra.

Não obstante, A árvore reluzente é um conto divertido, complexo e bem construído, que instiga o leitor a refletir sobre seus temas e ainda o deixa com vontade de conhecer ou revisitar o restante da obra do autor.

Em cartaz de Connie Williams é uma história boba que tenta criticar o atual mercado cinematográfico. A protagonista é a cinéfila Lindsay que ama assistir a filmes alternativos, mas que raramente consegue após ter se separado de Jack, seu ex-namorado: seus amigos querem fazer tudo no cinema, menos ver o filme.

Após convencer sua melhor amiga a de fato assistir a “Christmas Caper”, diversos eventos a impedem de entrar na sessão antes dela começar, fazendo com que Lindsay perca o filme – a rede de cinemas em que vai proíbe a entrada após o início da sessão. Lindsay, então, se depara com Jack na fila e ele conta a ela que o que parecia ser uma conspiração para ela não assistir ao filme era, de fato, uma conspiração: o filme não existe e as redes de cinema vendem os ingressos para forçar as pessoas ou a tentarem a ir inutilmente para a próxima sessão ou a desistirem do filme e, assim, aproveitar que já estão lá e ir comer fora, fazer compras ou a assistir aos blockbusters. Jack, então, bola um plano para provar a ela tais alegações.

O conto é bem divertido no começo, movido pela dúvida se Jack está falando a verdade ou se é apenas um plano para retomar o amor de Lindsay, mas se torna repetitivo rapidamente. As quatro primeiras piadinhas com nomes de filme, que fazem graça com as intermináveis sequências e reboots (“Meu malvado favorito de Natal”, “Texas Chainsaw Massacre: The Musical”, “Back to Back to the Future”, “Return to the Best Exotic Marigold Hotel”) são engraçadas, as últimas quarenta já não.

A caracterização dos personagens é vazia e também gera mais repetição: para Connie Williams, ser cinéfilo é comparar todos os eventos da sua vida com os filmes já vistos e dizer isso o tempo inteiro, enquanto recita as falas dos filmes. Dessa forma, o leitor pouco se importa com a protagonista e seu namorado, divertindo-se somente com o absurdo da premissa.

O príncipe de Westeros ou O irmão do rei de George R. R. Martin, por fim, é um conto situado no universo ficcional de sua mais famosa série de livros As Crônicas de Gelo e Fogo. Trata-se de uma recapitulação histórica dos eventos que antecedem aquele que foi denominado “A Dança dos Dragões”.

O conto é narrado por um meistre, sua forma tentando emular a de um relato histórico, impessoal e preocupado com suas fontes de informação. Os poucos momentos de humor, aliás, derivam justamente dos relatos de um pouco confiável bobo da corte chamado Cogumelo relatos que, no entanto, parecem ser sempre mais prováveis do que os providos pelas fontes oficiais.

O príncipe de Westeros ou O irmão do rei reconta as desavenças familiares da Casa Targaryen quando ela ainda assumia o trono de ferro de Westeros e era cercada de dragões. O conto começa de forma eficiente, apresentando os personagens principais, o pacifista rei Viserys, seu vil irmão Daemon e a princesa Rhaenyra e expondo o conflito principal: Daemon deseja suceder seu irmão no trono, porém Viserys faz de sua filha a herdeira, contrariando as convenções locais.

Martin quis colocar Daemon como o protagonista da história, expondo sua personalidade conturbada e a trajetória que o levou a se afastar de sua família e a cobiçar poder cada vez mais. No entanto, se a história é bem desenvolvida no início, trabalhando com as traições e as intrigas políticas típicas desse universo ficcional, ela termina frustrando qualquer leitor.

O príncipe de Westeros ou O irmão do rei não conta toda a história de Daemon, mas finaliza justamente no instante em que ocorre o ponto de virada que potencializa o conflito principal da história. Os dois últimos parágrafos do conto podem ser usados como excelentes exemplos de anticlímax (spoilers):

“A história dos feitos ousados, crimes horríveis e da morte heroica do príncipe Daemon Targaryen na carnificina que se seguiu é bem conhecida de todos, então terminaremos nossa história por aqui.

Depois disso, a tempestade irrompeu, e os dragões dançaram e morreram”.

Com esse final, o conto chega a causar a impressão de ter o rei Viserys e não seu irmão como protagonista, pois começa com sua ascensão ao trono e termina com sua morte, nada mais importando. Configura-se, portanto, um erro narrativo grave de Martin não continuar o conto se pretendia deixar Daemon como protagonista: sua historia não termina e seu arco narrativo fica em aberto e, consequentemente, sem ponto.

Seria como se A Guerra dos Tronos (spoilers do livro) terminasse com a morte do rei Robert Baratheon e o final fosse: “A história dos feitos ousados, decisões horríveis e da morte chocante de Eddard Stark na carnificina que se seguiu é bem conhecida de todos, então terminaremos nossa história por aqui. Depois disso, a tempestade irrompeu, e praticamente todo mundo dançou e morreu”.

A frustração seria inevitável. É certo que tais eventos foram contados, e até em formato semelhante, em outra coletânea de contos ainda não traduzida para o português, intitulada Dangerous Women (Mulheres Perigosas, numa tradução livre). Mas tal fato somente torna o presente conto ainda mais inútil, servindo apenas como uma mera curiosidade para quem já leu a outra coletânea.

Com isso, O Príncipe de Westeros e outras histórias é uma coletânea irregular que apresenta alguns contos excelentes e outros nem tanto. No fim, o leitor não ficará tão intrigado com o arquétipo de personagem trabalhado, mas se divertirá o suficiente.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

07 de agosto de 2015.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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