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O Sangue dos Elfos.

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Posted 05/17/2015 by in Fantasia

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Nota:
 
 
 
 
 

3/ 5

Sumário

Genero:
 
Autor:
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título: O Sangue dos Elfos.
 
Título Original: Krew elfów.
 
Tradução: Tomaz Barcinski.
 
Edição: 2013.
 
Páginas: 322.
 
Capa: Alejandro Colluci.
 
Resumo:

No fim, O Sangue dos Elfos deixa a impressão de ser um excelente livro inacabado. Andrej Sapkowski desenvolve os personagens e suas relações habilmente, mas ao adiar a conclusão possivelmente para o livro seguinte, ele deixa de capitalizar no que havia construído, fazendo o leitor sair insatisfeito.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

O Sangue dos Elfos, do autor polonês Andrzej Sapkowski, configura-se o terceiro livro – mas o primeiro romance – da série de fantasia A saga do bruxo Geralt de Rívia: os dois primeiros volumes, O Último Desejo e A Espada do Destino, são coletâneas de contos. A transição no formato, entretanto, fica longe do ideal: Sapkowski mantem o estilo de sua prosa, mesclando uma narração carregada de ironia com uma narrativa que circunda questões sociais, porém se atrapalha na construção da estrutura de sua história, falhando em elaborar um clímax convincente e em conectar com naturalidade os acontecimentos de certos capítulos.

O livro inicia-se após os eventos que fecharam A Espada do Destino. O bruxo Geralt de Rívia, depois de ter encontrado a criança que lhe foi prometida por um serviço, decide adotá-la e treiná-la nas artes de seu ofício. Para isso, ele leva a menina, Cirilla, até a fortaleza de Khaer Morhan, onde a submete a exercícios intensos. Enquanto isso, assassinos, feiticeiros e reis iniciam uma busca incansável pela criança, visto que ela é uma princesa e a única pretendente viva ao trono do reino de Cintra, destruído pela guerra.

Ao contrário dos livros anteriores, o bruxo Geralt não é o centro da história, mas apenas um protetor e professor que se mantém perto dos acontecimentos para auxiliar a princesa. Pois é Ciri a verdadeira protagonista do livro. O começo de O Sangue dos Elfos marca a importância da personagem: seu pesadelo, em que foge assustada e impotente por uma cidade em chamas, enquanto um cavaleiro a persegue e assassina seus protetores, é breve, mas eficaz em apontar a natureza dos conflitos e das preocupações da personagem, além de fomentar o suspense ao sugerir um futuro terrível para o bruxo.

Ciri é assombrada por seu trauma, mas é uma criança enérgica e curiosa que não foge de nenhum treino por mais perigoso que seja e que não hesita em questionar as pessoas quando as pega em contradição. Além disso, como ela adora repetir o que as pessoas ensinam-lhe mesmo quando não compreende exatamente o assunto, ela torna-se uma personagem adorável: preocupa o leitor com seu passado r ao mesmo tempo encanta-o com suas travessuras e respostas ora afiadas, ora sem sentido para seu interlocutor – quando perguntada por um bruxo sobre o que tinha em cima de seus olhos, por exemplo, em vez de “maquiagem”, ela responde “Maior autoestima”.

O autor demonstra domínio no estilo narrativo escolhido, em que diálogos predominam. As sequências de treino presentes no terceiro capítulo, por exemplo, são compostas exclusivamente deles e Sapkowski dá utilidade ao formato por criar pequenas reviravoltas causadas pela ausência de descrição – como descobrir no final de uma cena que um dos personagens esteve vendado por toda sua duração. Além disso, Sapkowski entrega a cada personagem sua própria voz – caso contrário seu estilo sequer funcionaria –, como pode ser observado na passivo-agressividade da feiticeira Yennefer, na educação forçada do bruxo Vasemir, que deixa escapar volta e meia alguns xingamentos, e na grosseria do anão Yarpen (“Vocês não pensam em nada além de trepar, sem escolher, sem se importar com quem, nem onde. Para suas mulheres basta sentar sobre as calças masculinas para que logo lhes cresça a barriga”), ajudando a torná-los facilmente identificáveis pelo leitor.

A presença constante de diálogos também é responsável por acelerar a narrativa, permitindo que a história siga seu curso sem muitos floreios. No entanto, nem mesmo personagens secundários deixam de ser desenvolvidos – a feiticeira Triss, por exemplo, surge como uma personagem feminina curiosa: apaixonada platonicamente por Geralt, ela decide ajudá-lo a cuidar de Ciri. Contudo, suas conversas com a garota revelam uma mulher que existe primeiramente para para si mesma e não para os homens. É justamente Geralt – graças a sua natureza taciturna – quem é menos aprofundado no livro, o que não se configura um problema grave por ele ter deixado de ocupar o núcleo da narrativa.

Quando a história faz uma pausa para descrever algo, no entanto, ela o faz por algum motivo e tal descrição consequentemente ganha destaque. Frequentemente em O Sangue dos Elfos, as descrições são carregadas de ironia e são utilizadas para discutir algum problema social daquele universo. Já no primeiro capítulo é possível observar uma longa – para os padrões do livro – passagem descrevendo a disposição dos habitantes em determinada festividade pública:

“Os elfos juntavam-se aos elfos. Os anões artífices agrupavam-se com seus primos irmãos, que, armados até os dentes, haviam sido contratados para escoltar a caravana dos mercadores, e, no máximo, toleravam a proximidade de gnomos mineiros e ananicos agricultores. Todos os inumanos mantinham-se uniformemente distantes dos humanos. Os humanos respondiam aos inumanos com a mesma moeda, e nem entre eles se via qualquer tipo de integração. Os fidalgos olhavam com desprezo para os mercadores e caixeiros-viajantes, enquanto a soldadesca e os mercenários mantinham distância dos fedorentos pastores. Os incontáveis feiticeiros e seus adeptos isolavam-se por completo, obsequiando aqueles que estavam ao redor com a mesma arrogância. O pano de fundo desse universo era formado pelo compacto, negro, soturno e silencioso agrupamento de camponeses. Estes, parecendo uma floresta de ancinhos, forcados e manguais que sobressaíam acima de suas cabeças, ignoravam tudo e todos”.

Esse trecho é excelente por revelar já no início da história toda a divisão social existente naquele universo de forma econômica – considerando a profundidade do assunto – e engraçada. O livro tratará dessa separação e a aprofundará colocando um grupo de elfos rebeldes em destaque no meio dos eventos que transcorrem ao redor de Ciri, obrigando-a a lidar com o assunto. Afinal, a frase que abre o parágrafo seguinte a esse trecho indica a postura inocente e amável que ela tem acerca do problema: “A única exceção, como de costume, eram as crianças”.

O início do livro, aliás, é extremamente inteligente em sua estrutura, pois ao colocar o trovador Jaskier – ainda assumindo o papel de alívio cômico – recontando a trama de A Espada do Destino em praça pública, ele acaba unindo recapitulação, metalinguagem (o trovador afirma que sua história trata de assuntos universais), exposição de mundo e críticas sociais (a discussão acerca do absurdo da busca por uma raça pura) com o bom humor característico do personagem.

É uma pena, portanto, atestar que a história de O Sangue dos Elfos jamais se conclui de fato. Em seu final, os arcos dos personagens continuam em aberto, os vilões ainda estão se preparando e o tema ainda está sendo definido. O final em aberto não é ambíguo, mas incompleto: o livro parece contar a metade de uma história. Seu clímax, por exemplo, jamais soa como um, pois envolve uma trama secundária e personagens coadjuvantes. Com isso, toda a força que a história de O Sangue dos Elfos havia adquirido esvai-se em nada.

Também são perceptíveis as dificuldade que do autor em adaptar seu estilo para um romance. Alguns dos capítulos do livro acabam ou começam de forma abrupta, como se Sapkowski os tratasse como contos isolados. O problema é que se trata de um romance e, ao realizar esses cortes, o autor deixa o leitor temporariamente perdido sem qualquer razão. O pior caso é certamente a transição para o quinto capítulo que suprime a conclusão da jornada do capítulo anterior e ainda muda momentaneamente o foco de Ciri para Geralt.

No fim, O Sangue dos Elfos deixa a impressão de ser um excelente livro inacabado. Andrej Sapkowski desenvolve os personagens e suas relações habilmente, mas ao adiar a conclusão possivelmente para o livro seguinte, ele deixa de capitalizar no que havia construído, fazendo o leitor sair insatisfeito.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

17 de Maio de 2015.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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