Seu primeiro portal para notícias e críticas literárias!

 


O Último Desejo.

4
Posted 03/19/2015 by in Fantasia

Rating

Nota:
 
 
 
 
 

4/ 5

Sumário

Genero:
 
Autor:
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título: O Último Desejo.
 
Título Original: Ostatnie Zyczenie.
 
Tradução: Tomasz Barcinski.
 
Edição: 2012.
 
Páginas: 318.
 
Capa: Alejandro Colucci.
 
Resumo:

Apesar de seus péssimos interlúdios, O Último Desejo é um livro de fantasia sem muitas pretensões que desenvolve seus temas e seu protagonista de forma bastante eficiente, explorando os defeitos da natureza humana e suas consequências.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

O Último Desejo marca a primeira aparição na literatura do personagem mais famoso do autor polonês Andrzej Sapkowski: o bruxo Geralt de Rívia. As aventuras subsequentes de Geralt se tornaram tão famosas internacionalmente que até mesmo um jogo de videogame chamado The Witcher foi criado para desenvolvê-las. Porém, ao contrário do videogame – que possui uma intricada teia de tramas políticas – o livro adota uma estratégia narrativa bem menos pretensiosa, dividindo sua história em pequenos contos e construindo seu protagonista gradativamente por intermédio deles.

Geralt de Rívia é um mercenário especializado em matar monstros e criaturas sobrenaturais. Como foi submetido a um treinamento árduo, que modificou até mesmo algumas de suas características genéticas, ele é chamado de bruxo – seita que usa magias e poções para destruir as criaturas da noite, mas que é rechaçada de dia pela própria população que protege. Dessa forma, Geralt assemelha-se naturalmente a aqueles típicos heróis que são incompreendidos e caçados pela sociedade que salvam, embora se distancie do restante do grupo de heróis por pouco se importar com essa condição. O bruxo, aprendendo a conviver com sua sina, se tornou distante da sociedade e, embora ainda possua um código de justiça louvável, passou a tentar se afastar sempre de qualquer desavença pessoal ou intriga política.

O conto inicial, O Bruxo, apresenta o personagem e seus métodos. Geralt é contratado por um rei para curar sua filha de uma maldição que a transformou em uma terrível estrige – uma besta enorme que “mede quatro côvados, lembra uma barrica de cerveja, tem uma bocarra que vai de orelha a orelha e é cheia de dentes afiados como estiletes, olhos vermelhos e cabelos ruivos”. O conto é extremamente eficaz em expor as características do bruxo: a tarefa – salvar a princesa – é extremamente perigosa. Completamente impossível, chegam a alertá-lo. Muitos outros, até mesmo bruxos, haviam tentado e falhado. No entanto, Geralt parece não fraquejar. Seu código de justiça entra em jogo quando tramoias políticas lhe são escancaradas – tem partidos que preferem que a princesa não volte ao seu estado normal e garantem que o rei entenderia se houvesse um acidente fatal na luta contra a estrige – mas Geralt as afasta imediatamente. Ao mesmo tempo, ele não aceita a missão só porque tem bom coração, fazendo questão do pagamento ser prontamente acertado. Sua cautela também é explorada de forma eficiente: o leitor observará o protagonista estudando sutilmente o ambiente (nesse ponto vale apontar que esse estudo é sutil porque não é escancarado ao leitor com reflexões exacerbadamente sherlockianas sobre os cenários, como muitos autores fariam) e preparando as poções que modificam suas feições e traços físicos necessários para completar a tarefa – como dilatar absurdamente a pupila, permitindo visão mais aguçada no escuro. Até mesmo seu estilo de combate é explorado: Geralt costuma girar em torno de seus inimigos, estudando seus padrões, para enfim terminar a luta com dois ou três movimentos rápidos. Entretanto, sua infalibilidade é rapidamente desmistificada e seus erros na missão são duramente castigados.

O conto seguinte evidencia os temas e artifícios que o autor irá utilizar para contar sua história. A estrutura é episódica e, como Geralt é um caçador de monstros, segue a linha de um monstro especial por conto. À procura de trabalho e seguindo uma trilha marcada por cadáveres, o bruxo se depara com um castelo onde vive uma enorme fera, bem vestida e educada, que o convida a passar a noite em seu ostentoso lar. O pequeno arranjo de rosas azuis, extremamente queridas pela fera, em frente ao castelo já evidencia o recurso mais recorrente do livro: a referência a contos de fadas. O Último Desejo os utiliza abundantemente em cada história, subvertendo-os sem medo e justificando a estratégia dentro do próprio contexto desse conto, no momento em que um dos personagens afirma que em cada conto de fadas há pelo menos um grão de veracidade. Nos casos em questão, esse grão é o tema do preconceito – as aparências enganam em O Último Desejo, e os seres mais belos costumam ser os mais perigosos.

O arco narrativo principal  do protagonista é mais bem delineado em O Mal Menor. Geralt detesta se envolver em dilemas morais ou políticos – eles costumam demolir crenças consolidadas –, portanto, quanto mais longe ele estiver de problemas pessoais ou da política, melhor. Porém, o autor tenta provar que algumas vezes as pessoas simplesmente não têm escolha: por existirem e participarem daquele cenário cabe a elas, quer queiram quer não, agir. Baseando-se livremente em A Branca de Neve e os Sete Anões, Sapkowski posiciona Geralt em um cenário horrível: os anões são assassinos, a princesa é uma revolucionária psicopata capaz de matar dezenas de inocentes e eles desejam apenas a vida do feiticeiro que a levou ao exílio e a tornou daquela forma. O feiticeiro, que tentou contratar o bruxo para matar a princesa, trancou-se em uma torre. Como tal oferta dá a Geralt livre acesso à torre, a princesa faz uma similar. Observando que as duas opções não são ideais, a decisão do bruxo é inicialmente firme. Mas (como boa parte das pessoas que votam em branco e nulo deveriam) ele logo compreende que não se envolver é impossível e que escolher nenhum mal pode significar escolher o pior deles.

O universo fantástico em que Geralt vive ganha destaque apenas em Nos Confins do Mundo. O bruxo parte em uma aventura com seu amigo trovador, Jaskier, por uma região distante, onde eventualmente se deparam com uma criatura em formato de bode que, para as pessoas comuns, é um demônio que rouba suas colheitas. É nesse conto que os personagens param para refletir não somente sobre seus dilemas, mas sobre como eles alteram o universo em volta deles. Sob um forte tom melancólico e saudosista, o autor descreve as regiões por intermédio das discussões entre Geralt e seu amigo, quando o primeiro percebe o quão diferente o mundo se tornou: os verdadeiros monstros ficaram cada vez mais raros e os problemas cada vez mais políticos, envolvendo a crueldade humana e não a sobrenatural. Portanto, ao fazer o clímax do conto se verter para questões relativas ao racismo, o autor torna orgânica na narrativa uma reviravolta final que, de outra forma, certamente pareceria súbita e sem propósito.

Já servindo como interlúdios entre os contos, há uma série de capítulos intitulados A Voz da Razão. Nesses capítulos, em que Geralt está se recuperando do confronto contra a estrige, o bruxo reflete sobre suas aventuras, usando-as para iniciar a memória do conto subsequente. Contudo, esses pequenos capítulos são, sob uma perspectiva narrativa, completamente desnecessários, visto que  nenhuma das informações oferecidas nessa parte são de alguma relevância, adicionando muito pouco ao restante da história. Além disso, eles ainda são responsáveis pelo livro terminar com um gancho consideravelmente dispensável, que só prejudica a força de sua conclusão.

Apesar de seus interlúdios, O Último Desejo é um livro de fantasia sem muitas pretensões que desenvolve seus temas e seu protagonista de forma bastante eficiente, explorando os defeitos da natureza humana e suas consequências. Além disso, ao preferir elaborar uma intrincada e orgânica ligação entre os eventos dos contos e o tema geral do preconceito, em vez de tramas mais longas e complexas, o autor fez o livro servir como um excelente exemplo de quão benéfico é para uma história ela ter sido construída com foco e objetivos claros.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

Publicado originalmente em 03 de Julho de 2014.


About the Author

Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


4 Comments


  1.  
    Luke Fox

    Muito Boa sua Crítica, aliás, ótimo site. Encontrei por conta do Hype em cima do novo Jogo e queria ter uma noção de como é o livro o/




  2.  
    Diego Cardim

    (Não sei se alguém vai ler isso, por esse review ter quase 5 anos e não saber se este site é ativo, mas vamos lá)

    Comecei a ler a saga The Witcher recentemente, já li os dois primeiros livros e estou adorando a série, e queria dizer que as críticas sobre eles neste site são as melhores que li. Ótima resenha, Rodrigo.




    •  
      Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo

      Agradeço o elogio, Diego! O site anda parado por um tempo, mas logo voltarei a atualizá-lo.





Deixe uma resposta para Luke FoxCancelar resposta