Onde cantam os pássaros.
Sumário
Genero: DramaOnde cantam os pássaros, em seu início, constrói bem seu tema e ainda apresenta uma atmosfera de suspense eficiente. No entanto, seu final entra em conflito com o que foi trabalhado até então, enfraquecendo suas alegorias e traindo sua protagonista.
Onde cantam os pássaros, romance escrito por Evie Wyld, utiliza a paranoia e o medo de sua protagonista para trabalhar com o feminismo na sociedade moderna. Ao seu fim, entretanto, o livro revela-se contraditório, abandonando seu tema em prol de uma reviravolta vazia.
Jake White é a protagonista da história. Ela vive sozinha em uma ilha inglesa, numa fazenda isolada da sociedade. Sua companhia é constituída apenas por um cachorro, chamado Cão, e por seu rebanho de ovelhas. Durante a noite, porém, elas vêm sendo atacadas por alguma enorme criatura que as dilacera completamente. Enquanto tenta desvendar esse mistério, Jake precisa ainda lidar com os traumas de seu passado e com um homem que encontra dormindo em seu galpão de lã.
O livro é estruturado de forma não convencional. Os capítulos ímpares acompanham cronologicamente Jake no presente, enquanto os pares contam seu passado regressivamente. O efeito inicial é de confusão, mas logo o leitor compreende que a inusitada estrutura é justificável por acompanhar o movimento interno do psicológico da protagonista, criando um paralelo: quanto mais o leitor avança por seu passado, mais perturbada e agressiva Jake fica no presente. Quanto mais se aproxima de seu trauma, maior é a tensão da história.
Jake é uma personagem feminina complexa. Por um lado, prova ser capaz de cuidar de si mesma, vivendo e administrando sua fazenda sozinha, além de demonstrar conseguir realizar funções que requerem trabalho braçal pesado. Por outro, revela-se incrivelmente paranoica. Jake acredita constantemente que há alguém a espreitando. Ela dorme com um martelo embaixo do travesseiro e está sempre em “modo de defesa”. Nos momentos em que inicia uma conversa com um homem, imediatamente checa possíveis rotas de fuga e quais objetos ao alcance podem ser utilizados como arma.
O medo da personagem é construído de forma a espelhar o problema que mulheres vivem no cotidiano. Não é a toa que Jake somente se sente segura ao estar perto de mulheres e que os homens, mesmos os mais banais como o dono de uma loja, são retratados de forma ameaçadora.
O sexismo da sociedade é a questão central da história. O único colega de Jake na ilha, Don, questiona a sensatez de ela viver sozinha. Quando ela vai até a delegacia reportar uma invasão em sua propriedade, o policial a trata de forma condescendente, aconselhando que ela impeça dores de cabeça futuras visitando mais o bar à noite: para eles, a culpa não somente é da vítima, como a solução para todos os problemas de uma mulher é ela arranjar um homem para si.
No entanto, em uma das cenas no passado, um sujeito comenta para Jake ao levá-la para casa: “Sabia que tinha escolhido uma das boas por seu tamanho”. Não é surpreendente, então, quando ela percebe que ele não pretende mais deixá-la sair, que ele não queria sua companhia, mas propriedade sobre ela.
A protagonista questiona esse tratamento. Ela vive amedrontada e com um sentimento forte de culpa, mas não cede à pressão social sujeitando-se ao preconceito. Seu objetivo é justamente viver como bem entende e, assim, desafiar diretamente a opressão a que é submetida. É por esse motivo que o aprendizado de tosquiar ovelhas representa um marco simbólico na vida da personagem: ela deixa de ser dócil e passiva como elas.
É fundamental, portanto, que o livro seja narrado em primeira pessoa. Dessa forma, o leitor é inserido na história sob um olhar assumidamente feminino. Além disso, estar acompanhando a perspectiva de Jake faz a sua paranoia fomentar um constante clima de suspense. O perigo está sempre por perto, cada homem que encontra é um potencial agressor, cada conversa amigável pode acabar em assédio. A atmosfera é sufocante, jamais aliviando a tensão.
À vista disso, a criatura que devora as ovelhas de Jake mostra-se um elemento narrativo problemático. O monstro não tem sua aparência revelada e nenhum outro personagem o vê, o que ajuda a torná-lo mais assustador, mas também lhe confere contornos de pesadelo. Primeiramente, ele não é necessário para o suspense, visto que o livro já o tem de sobra. Além disso, o elemento sobrenatural que ele carrega em si não somente destoa do restante da narrativa, como se revela um “red harring”: uma pista falsa para captar a atenção do leitor. O terror permanece somente como sugestão, não resultando em nada. Assim, os momentos em que personagens discutem sobre uma besta terrível espreitando nas sombras da floresta soam falsos, escancarando seu propósito de despistar o leitor. O monstro parecer servir apenas como uma dispensável manifestação física do trauma de infância da protagonista.
Trauma este que é refletido de forma brilhante no uso de verbos pela personagem. Jake narra todos os eventos do presente com os verbos no pretérito e os acontecimentos passados com os verbos no presente. Isso sugere que o evento traumático, o ponto final da jornada pelos flashbacks, está nos pensamentos atuais da personagem, ainda gerando efeitos, ditando suas ações e possivelmente criando a figura do monstro. O livro trata o assunto com ambiguidade, jamais apontando se a criatura é real ou não. Todavia, a possibilidade de ela existir não somente é absurda para o universo da história, como também é irrelevante: o monstro só mata ovelhas, nada mais.
O motivo de medo e isolamento de Jake também deixa muitíssimo a desejar quando finalmente revelado. O evento em questão é falho por não se conectar com o tema do livro. Ele é aleatório demais para ter força dramática: não se trata mais da questão do feminino, mas do gesto infantil e inconsequente de uma criança. Na verdade, a revelação final ainda põe em cheque o trabalho alegórico feito até então: no fim, descobre-se que Jake sentia-se culpada não devido à pressão da sociedade, mas porque de fato cometeu algo horrível.
Mais grave ainda é atestar que a relação que Jake mantém com Lloyd – o estranho homem que encontra em sua propriedade – vai de encontro à personalidade estabelecida para a protagonista. Se, no início, Jake age de forma receosa, a sua hostilidade habitual eventualmente dá lugar ao carinho e ela passa a sentir-se relaxada na companhia do homem.
O problema não é a relação em si, mas a forma com que ela é desenvolvida. Em determinada cena, por exemplo, quando Jake é confrontada por um jovem drogado na porta de sua casa, Lloyd se põe na frente da mulher, como um homem protetor, toma as rédeas da situação, e ela aceita isso de bom grado. Não demora, também, para ele assumir os trabalhos mais pesados da fazenda e para ela cozinhar para ele. O personagem não está lá para completar a protagonista, mas para assumir o posto de homem da casa. A sociedade disse que Jake precisava de um marido e ela arranja Lloyd.
Onde cantam os pássaros, em seu início, constrói bem seu tema e ainda apresenta uma atmosfera de suspense eficiente. No entanto, seu final entra em conflito com o que foi trabalhado até então, enfraquecendo suas alegorias e traindo sua protagonista.
por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.
21 de janeiro de 2016.
Olá Rodrigo, parabéns pelo post. Sou completamente apaixonada pelos livros lançados pela Darkside Books. Desejo muito ter todas as edições em minha estante, é claro. Apesar disso, não sei se esse livro faria meu estilo de leitura, principalmente por haver tantas problemáticas envolvidas e a falta de uma resolução adequada. Posso até ler em outro momento, mas por enquanto acho que não leria. E por sua resenha, pude perceber que faltou um desenvolvimento mais elaborado por parte dos personagens e quem sabe até da própria ambientação. Acredito que se torna ainda mais complicado, porque quando finalizamos uma leitura assim, até a gente pode acabar se sentindo um pouco desnorteado sobre as resoluções propostas. Beijos, Fê
Oi, tudo bem?
Assim que esse livro foi lançado eu fiquei louca para adquirir, já que achei essa edição maravilhosa e fiquei babando por ela!
Mas decidi esperar algumas resenhas antes de comprar, para saber o que as pessoas achavam da história em si.
Conforme as resenhas foram saindo fui me desapontando com o livro, vi que muita gente achou a história confusa e o final sem propósito, então acabei desistindo dessa leitura!
Sua resenha reforça o fato do livro meio que se perder um pouco no que era proposto.
Beijos :*
http://www.livrosesonhos.com/
Acho a capa do livro bem diferente, quase não combina com o nome do livro e não nos dá a menor ideia do seu conteúdo. Acho que eu ficaria decepcionada com você ficou no sentido da desconstrução da protagonista. Senti um certo machismo nesta conclusão que em uma primeira impressão, nada agradou. Enfim, não é um livro que eu leria no momento.
Beijos
Olá, Rodrigo! Parabéns pelo ótimo texto. Eu acho a DarkSide incrível, sempre babo nas capas duras e no trabalho deles, mas ainda não li nenhum, até pq a sua grande maioria envolve terror, gênero que não leio por ser medrosa. rs
Quando vi esse livro, a capa me chamou atenção, porém não me animei a ler, pois você não é o primeiro a demonstrar insatisfação com o desenrolar da história.
Uma pena o autor se perder e acabar de certa forma se contradizendo, pq dá essa impressão.
Abraço
http://www.viciadosemleitura.blog.br
Oi, Rodrigo
Adorei sua resenha, muito bem escrita. Fiquei curiosa principalmente em saber que o desenvolvimento foi dessa forma, mudando o rumo e o foco da trama. Gostaria de saber como a protagonista foi “traída” assim. Gostaria de ler o livro.
livrosvamosdevoralos.blogspot.com.br
Olá Rodrigo,
Que resenha bonita! Achei maravilhosa a forma argumentativa para a obra!
Ainda não li e confesso que não tenho tanta curiosidade com a obra, acho que a escrita parece ser bem feito, mas fiquei meio confusa com isso de que ele se tornou o homem da casa …. Enfim, ótima resenha! Não quero ler por hora.
Aaah a parte gráfica está muito bonita né? Acho a DarkSide maravilhosa <3 <3 <3 <3 <3
Beijinhos
Olha primeiramente quero te dar os parabéns, pois sua resenha ficou muito bem desenvolvida e gostei muito de todo conteúdo do livro, apesar de não sei muito o meu gênero de leitura, mas mesmo assim achei interessante e tenho visto ótimos comentários sobre ele. Não sei se leria, mas quem sabe mais pra frente. =]
http://lovereadmybooks.blogspot.com.br/2016/03/memorias-literarias-7-por-que-nao.html
Olá!
Nossa, fiquei encantada com sua resenha. Esses dias estava em uma livraria e vi esse livro, que de imediato me chamou a atenção pela capa diferente e instigante. Depois desse dia, ele persegue. hahah Parece até brincadeira, mas para onde eu olho, seja site, blogs ou até indicação do google, tá ele lá. Mas essa, é a primeira resenha que leio de fato. Ainda não sei o que pensar dele, mas fiquei interessada em conhecer a história, no entanto, suas considerações finais me deixaram um tanto desmotivada. Mas ainda tenho vontade ler e conhecer o desenvolvimento da história.
Beijos,
Dai | Cheiro de Livro Nacional
Ola tudo bem?
Sempre achei a capa desse livro uma bagunça, parece que juntaram vários pedações e colocaram pra fazer a capa, é desconcertante o.O Já sou peá atras com o livro e o fato de ter vários problemas e falta de resoluções meio que me desanimou total. Não faz meu estilo de leitura =/
Bjos
rillismo.blogspot.com.br
Oii!
Não curti nenhum pouco a capa e a história não me chamou atenção! Não acho que leria, adoro terror, mas só nos filmes! Não gosto de ler livros que envolvem o tema, porém amo a Darkside kkkkk Um pouco contraditório 🙂 E depois da sua resenha e dos pontos negativos que ressaltou, não leria com certeza!
Beijão!
Genteeeee,… Essa foi a melhor resenha desse livro que eu já li. Deixou tudo esclarecido e me convenceu a lê-lo. Muuuuito boa essa premissa. Cara que louco isso de separar os capitulos impares para o presente e pares para o passado, muito interessante.
Acho que ficaria com raiva da protagonista por mudar de maneira tão idiota kkkkkkkkkk mas enfim… eu vou ler o livro
http://www.colecoes-literarias.blogspot.com.br/
Olá!
Que resenha incrível! Fiquei fascinada pela forma que a montou!
Entendi toda a proposta do livro e entendi bem o conflito que você citou. Mas lendo apenas a resenha, fica um pouco difícil e confuso assimilar tudo, gostaria muito de ler essa obra para entender cada detalhe que você citou. O contexto aplicado me interessa muito!
Bjus
Olá Rodrigo,
Já vi muitas pessoas falarem que o final desse livro é confuso, assim como você disse.
Sinceramente, tirando a beleza da capa, esse livro não me atrai. Não acho que seria capaz de concluir a leitura de um livro que me levaria a confusão e que seria bastante distinto do que foi ambientado no começo.
Gostei muito da sua resenha e acho que você foi bastante sincero em relação a obra.
Infelizmente, não sinto vontade de ler.
Beijos,
http://mileumdiasparaler.blogspot.com.br/
Olá, mas que pena que o final não foi o que você esperava, para ser sincera eu sempre tive muita vontade de ler esse livro e acho que a trama parece ser bem bacana, talvez um dia eu dê uma chance a ele ainda e vejo o que eu acho do fim, espero gostar pelo menos.
Beijos
http://lovereadmybooks.blogspot.com.br/2016/03/resenha-sombras-do-mundo.html
Olá, excelente resenha! Acho que foi a melhor que já li desse livro. Não sabia que essa questão de gêneros era tratada na obra, uma pena que a autora não se mantenha fiel a premissa no decorrer da trama, ainda assim é um livro que quero ler.
Oiie Rodrigo, tudo bem? É a primeira vez que venho aqui, e confesso que adorei seu blog, estou te seguindo.
Menino, devo confessar que a DarkSide é umas das editoras que mais lança obras com as edições simplesmente perfeitas, dá vontade de comprar todas só para tê-lás na estante, de tão lindas que elas. Mas… Eu tenho medo kkkk Não sou de ler terro, sou muito medrosa, então eu recuso, e vendo que o livro ainda tem um final confuso, não daria pra mim, pois gosto de obras que se resolvem e não que deixe algo solto no final, isso pra mim acaba acabando com a obra.
Bjs
♡ Amantes da Leitura
Olá,
Adorei sua resenha, porque explica os pontos de discordância do livros e os pontos positivos deles.
Depois de ler sua resenha minha vontade de ler esse livro foi para o espaço, porque a personagem viveu de uma forma até um certo tempo e simplesmente se rendeu as pressões sociais que tanto fugia e condenava e pior ainda para um leitor sem muita bagagem literária vai achar que o que ela fez foi correto sem pensar no histórico anterior. Isso é ruim. O autor simplesmente não soube desenvolver uma ideia e se perdeu com elementos que descaracterizam sua personagem.
Beijos,
http://lovereadmybooks.blogspot.com.br/2016/03/resenha-o-que-ha-de-estranho-em-mim.html
Oi.
Ainda não li e nem conhecia o livro, mas não me interessou muito assim. Apesar da capa ser muito bonita e ter sido lançado pela DarkSide, ainda assim não leria. Não sou fã de terror, li poucos até agora, ainda estou me aventurando nesse gênero literário.
Beijos.
Essas reviravoltas, por vezes, são muito problemáticas, pois nem sempre podemos ter um final apoteótico sem comprometer a proposta inicial da obra. Infelizmente, isso é muito mais comum do que gostaríamos. O livro parece ser bem complexo, trazendo uma discussão muito interessante sobre questões do feminino. Acho uma pena que a autora tenha se perdido no final, pois traindo a protagonista, ela traiu a obra.
Tatiana
Não achei o livro machista como quiseram apontar. Entendi que somos seres humanos pra conviver em sociedade, ela antes queria tocar uma fazenda sozinha e conseguia fazer isso muito bem, obrigada! (O livro deixou bem claro o quanto é ruim o preconceito contra uma mulher sozinha).
Se em vez de um homem aparecesse uma mulher em que ela pudesse confiar, proteger, cortar o cabelo uma da outra e dividir a vida ia dar na mesma.
Outras meninas/mulheres na história ajudaram ela a se proteger física e psicologicamente.
Esse homem apareceu e quebrou o preconceito dela contra os homens, ela não precisa ter que se defender sozinha, ela até conseguiria mas com companhia (masculina ou feminina) é muito mais legal.
Excelente comentário, Liliane!
Imagino que até tenha sido a intenção da autora construir esse arco narrativo para a protagonista, fazendo-a superar seu trauma (não chamaria de preconceito) com homens e finalmente viver com uma companhia legal, o que é sempre ótimo. O problema é que as situações escolhidas pela autora (a protagonista cozinhar para o cara, deixá-lo fazer o trabalho pesado e ainda defende-la) tem muita força simbólica para o ideal machista e isso foi até apontado no texto. Trata-se de um tema complexo, então, por usar justamente essas situações (sem tentar desmistificá-los, se fosse o caso), defendo que autora acaba entrando em contradição.
Agradecemos muito a participação! Boas leituras!