Os condenados.
Sumário
Genero: TerrorOs condenados reafirma Andrew Pyper como o Dan Brown do terror.
Os condenados, romance de terror escrito por Andrew Pyper, funciona melhor que a tentativa anterior do autor em trabalhar com o gênero: apesar de ainda conter uma grande parcela de defeitos, o livro traz personagens mais interessantes em uma narrativa que compensa a falta de ambição com uma estrutura eficiente.
A história segue Danny Orchard, um homem que, quando jovem, chegou a morrer por alguns minutos durante um incêndio, sendo ressuscitado posteriormente pela equipe médica. Trazendo consigo lembranças de seu tempo no paraíso, junto com uma prova física de sua estadia por lá, o protagonista fica famoso ao lançar um livro descrevendo a experiência. Danny, entretanto, não consegue aproveitar a própria vida, pois o espírito de sua irmã gêmea, que não sobreviveu ao mesmo incidente, passa a assombrá-lo.
A narrativa em Os condenados é pautada por uma atmosfera opressiva, construída pela narração em primeira pessoa desesperançosa do protagonista. Danny descreve sua irmã como uma figura ameaçadora, que, quando viva, sugava suas energias e impedia sua família de ser feliz. Ashley Orchard é uma garota cuja aparência não reflete a personalidade: é bela e educada, mas desprovida de sentimentos e capaz dos atos mais cruéis. Sua presença aterroriza não somente seu irmão, como também seus pais. Ash – o nome (“Cinzas” em inglês) é uma piada de humor negro de Pyper – chega a ser descrita como “oca” em determinado instante, surgindo como uma psicopata capaz de furar o olho de animais só para satisfazer sua curiosidade.
Por estabelecer que o perigo que a garota representava enquanto vivia já era enorme, Pyper aumenta a tensão das cenas no presente, pois criar uma expectativa sobre o quão pior a irmã de Danny pode ser agora, que age como um espírito, sem tantas limitações.
Mostrando presença em quase todos os capítulos, Ash é uma figura angustiante, nunca deixando o protagonista em paz. Não importa com quem ele esteja ou onde ele esteja, Ash jamais o deixa usufruir de um momento de paz. Danny, porém, não tenta enfrentá-la, aceitando passivamente seu destino por acreditar ser incapaz de mudar a situação.
Ash impede que Danny faça amigos, tenha uma namorada ou estabeleça qualquer laço social com um ser humano, ameaçando ferir todos aqueles que ele pretende amar. O objetivo da garota é condenar o irmão a uma vida solitária e amargurada: “Você não deveria estar aqui, Danny. Mas, já que está, vai viver como estivesse morto. Como eu”. Assim, Pyper acerta ao fazer as ações de Ash serem quase sempre relacionadas ao sufocamento do irmão – inclusive de forma literal em determinada cena –, pois, além de deixar a narrativa tensa, o sufocamento funciona simbolicamente, refletindo a sensação causada pela fumaça em um incêndio.
No entanto, a resignação de Danny termina quando ele conhece uma viúva chamada Willa e seu pequeno filho Eddie: ele encontra o amor e a vontade real de constituir uma família e cuidar de alguém. Quando percebe que tem uma chance, mesmo breve e pequena, de ser feliz, o protagonista a agarra e começa a confrontar sua irmã.
A narrativa do livro é consideravelmente ágil, assumindo um formato típico dos romances de Dan Brown: capítulos pequenos, que raramente ultrapassam oito páginas e sempre terminam com um gancho para fisgar o leitor, seja por meio de uma frase de efeito ou uma reviravolta.
No entanto, se em O demonologista, Pyper falhava em trabalhar com os elementos narrativos típicos de Brown, aqui ele finalmente acerta, conseguindo elaborar uma estrutura que proporciona surpresas com frequência e um protagonista com arco dramático que, pelo menos, se amarra corretamente ao tema da história.
Danny passa a se tornar um personagem interessante na medida em que começa a se impor para Ash. Sua jornada é marcada por reflexões sobre a importância do contato social (“São as pessoas que prendem você ao Paraíso ou ao Inferno, ou seja lá qual for seu destino. Elas são as âncoras. E isso se aplica ao mundo dos vivos também. As pessoas são a razão para querer ficar ou nem ligar se for a hora de partir”), o que o opõe diretamente à antagonista e ainda torna as ações dos coadjuvantes no terceiro ato tematicamente relevantes.
Pyper merece créditos também pela forma com que constrói o cenário de sua história. A cidade de Detroit é descrita frequentemente como uma ruína – refletindo a enorme recessão que enfrentou a partir dos anos 70 e a levou à falência em 2013 –, um lugar decrépito em essência, que funciona perfeitamente como pano de fundo para o inferno pessoal dos personagens. As pessoas que ali moram seguem para o trabalho como zumbis e a única relação ativa que mantém com outro indivíduo é a de violência. O autor vai mais além no clímax, cobrindo simbolicamente a maquete cheia de arranha-céus da cidade com o sangue de um demônio.
Além disso, Pyper traz uma proposta interessante sobre como o além da vida (“o depois” na tradução oficial) opera. Em Os condenados, cada indivíduo carrega em si seu próprio céu e inferno, pois eles são formados pelos melhores ou piores dias de sua vida. O autor, porém, se acovarda diante dos questionamentos suscitados por tal ideia (o que acontece com uma pessoa boa que teve uma vida terrível ou que morreu cedo demais?), jamais almejando debatê-los.
Afinal, em Os condenados, Pyper permanece apresentando inúmeros problemas como escritor. A construção das cenas de suspense (o único ponto positivo de O demonologista), por exemplo, aqui surge muito falha em suas tentativas de revelar gradativamente os elementos do terror. O motivo do erro é simples: Pyper tenta esconder sempre o que já é óbvio. Logo nas primeiras páginas, quando uma senhora conta que o espírito de seu pai molestador a estava perseguindo, ela, subitamente, lança um olhar aterrorizado para o fundo da sala. Danny se vira, não enxerga nada e fica imaginando o que aconteceu, criando um suspense tolo sobre que figura assustadora a mulher poderia ter visto (uma das duas alternativas a seguir: a) o pai dela b) Michel Temer como Presidente). A cena, então, é finalizada com a revelação surpreendente: “Percebi que eu também sabia outra coisa. Era seu pai que ela havia visto no fundo da sala”.
O problema dessa cena inicial é, na verdade, um padrão da narrativa no livro. As aparições de Ash, por exemplo, são quase sempre seguidas por pronomes indefinidos “misteriosos”, cuja presença serve como uma tentativa de fazer o leitor se perguntar “Quem será que é esse alguém, essa garota, essa pessoa esquisita que prendeu subitamente a atenção de Danny?”. Todavia, como o protagonista é assombrado somente por Ash, de quem mais todas essas aparições poderiam ser? Do pai da senhora? Resumindo, a obviedade das situações acaba sabotando o suspense do livro.
Por fim, Pyper também não se mostra muito consistente na utilização de alguns termos. O pai molestador da senhora, por exemplo, é considerado um “homem bom” pela sociedade. Danny reflete sobre a ironia da classificação, percebendo que a mesma poderia ser aplicada a sua irmã, uma vez que, para as outras pessoas, Ashley parecia uma menina encantadora. No entanto, quando Willa descreve seu ex-marido como sendo um “homem bom”, ela não está sendo irônica, o protagonista não a questiona e tudo fica por isso mesmo, esvaziando o significado do termo.
Dessa forma, resta atestar apenas uma coisa ao final do livro: Os condenados reafirma Andrew Pyper como o Dan Brown do terror. Para o bem ou para o mal.
por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.
18 de agosto de 2016.