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Os Pilares da Terra.

3
Posted 03/25/2015 by in F. Histórica

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Nota:
 
 
 
 
 

5/ 5

Sumário

Genero:
 
Autor:
 
Editora: ,
 
Idioma Original:
 
Título: Os Pilares da Terra.
 
Título Original: The Pillars of the Earth.
 
Tradução: Lido no original.
 
Edição: 2007.
 
Páginas: 1075.
 
Capa: Erich Lessing.
 
Resumo:

O grande mérito de Os Pilares da Terra é sua narrativa. A arquitetura dos eventos que movimentam a história é desenhada de forma brilhante, sendo fundamentada na ótima dinâmica entre os personagens.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

O grande mérito de Os Pilares da Terra é sua narrativa. A arquitetura dos eventos que movimentam a história é desenhada de forma brilhante: os maiores conflitos dos personagens são delineados no início, servindo como sólidas colunas para a estrutura que organiza o posicionamento dos acontecimentos mais importantes de suas vidas, com ações sempre gerando consequências e a escala aumentando gradativamente até o término do livro. Sua história transcorre na Inglaterra do século XII e, usando a construção de uma catedral como evento de ligação, almeja contar a vida das pessoas da época de uma forma simples, mas eficaz.

As diversas tramas de Os Pilares da Terra gravitam em torno da construção de uma catedral no priorado de Kingsbridge na Inglaterra, direcionando seu foco para as figuras cruciais para o sucesso da empreitada. O livro, portanto, além de abarcar um grande lapso temporal (a história inicia-se no ano de 1123 e termina em 1174), conta com diversos personagens principais – fator que, naturalmente, o leva a alternar entre o ponto de vista de cada um.

Ken Follet adota uma estrutura narrativa inegavelmente objetiva e jamais se desvia dela ao longo das mil páginas de seu livro: a catedral de Kingsbridge começa a ser construída, os vilões elaboram um plano para derrubá-la ou paralisar a construção, eles são bem sucedidos ou não, os personagens sofrem as consequências, mas se recompõem ou não, e o ciclo recomeça. Não é complicado perceber as claras limitações dessa estrutura e a facilidade com que ela poderia levar a história ao marasmo da repetição. Porém, Follet demonstra ter conhecimento do que é necessário para fazê-la funcionar: o leitor precisa se importar com os personagens.

Para alcançar esse feito o autor utiliza uma estratégia consideravelmente eficiente. Inicialmente, o autor faz seus personagens despertarem admiração, sendo apresentados como pessoas espertas e determinadas. Após adquirir a atenção do leitor, ele adere a um conceito básico: quanto mais um personagem sofre, maior é a probabilidade de o leitor sentir empatia por ele. Por esse motivo, os principais personagens de Os Pilares da Terra passam por longos períodos em que absolutamente tudo que poderia dar de errado em suas vidas de fato acontece.

De início, o leitor é apresentado a Tom Construtor, um mestre de obras cujo principal sonho é comandar a construção de uma catedral. Tom é um homem resoluto, mas pobre, que rejeitou uma boa oferta de emprego por buscar incessantemente a realização de seu objetivo maior: gastar sua vida em um trabalho que faça valer a pena gastá-la. O construtor, portanto, representa a classe trabalhadora da época, embora se destaque por sua utópica ingenuidade. A adoração por seu ofício, responsável por sustentar sua mulher e seus dois filhos, é tão enorme que chega a ser refletida na própria narração, infectando as descrições dos ambientes nos capítulos em que atua – em um excelente uso do estilo indireto livre por Follet.

Ao ser demitido por William Hamleigh antes do combinado de seu último emprego, Tom precisa partir desesperadamente em busca de outro para salvar sua família da fome. O autor expõe o saber técnico do personagem ao detalhar o planejamento da casa que o personagem estava construindo e sua coragem por intermédio da sequência em que Tom arrisca a própria vida para conseguir a indenização adequada por sua demissão. Dessa forma, ele faz com que o leitor passe a nutrir forte admiração pelo construtor. Com a demissão, Follet, então, começa a maltratá-lo impiedosamente. O mestre de obras é largado nas ruas sujas e perigosas de uma Inglaterra politicamente instável. A falta de emprego, os bandidos e a fome abatem sobre ele enquanto viaja. Tom não necessita de um vilão próprio em sua trama – sua condição social é suficiente para assumir esse papel.

No outro extremo, na nobreza, a personagem de destaque é Aliena, filha do conde de Shiring. Nesse núcleo, o conturbado período político ganha espaço: com a recente morte do rei Henrique I, o trono da Inglaterra ficou sem um legítimo herdeiro, uma vez que o filho do rei, Guilherme Adelin, morrera anos antes em um naufrágio. Matilde, filha de Henrique I, é então nomeada sucessora, causando enorme transtorno devido ao fato de ser mulher. Seu primo, Estevão de Blois, com o apoio da Igreja, usurpa a coroa dando início ao período de guerra civil chamado de “Anarquia”. Aliena, contudo, pouco se importa com esses eventos. Sua maior preocupação é não sofrer o mesmo destino de sua mãe, que se casou com um homem que não amava. O candidato escolhido por seu pai é William Hamleigh, um jovem de renome, bonito, charmoso e completamente psicopata. Follet contrapõe os dois personagens contrastando suas personalidades: ambos são descritos por suas características físicas, sua beleza, vigor e juventude, mas enquanto Aliena é gentil, William é posto como “o diabo em pessoa”.

Todavia, apesar de achar que seu principal problema é o jovem nobre, Aliena é atingida pelas fatalidades da guerra civil que acabam com a relevância do nome de sua família. Privada de seu status e de toda a proteção que dele decorria, Aliena se vê perdida em um universo que compreendia de forma inocente – e a implacabilidade da pobreza agora começa assustá-la a todo instante. Follet aproveita a oportunidade e elabora uma personagem interessante por torná-la, nesse momento, tridimensional: se enquanto “princesa” ela era gentil, bela e carinhosa, quando ela finalmente percebe sua real condição e que seu pequeno e covarde irmão necessita de seus cuidados para não morrer, Aliena se mostra uma pessoa de personalidade forte, capaz de ameaçar e até mesmo matar se não houver escolha. O autor também acerta em tornar longa e excruciante sua jornada por uma forma de sustento sem fazê-la parecer forçada. Aliena acaba quase na mesma posição que Tom, faminta e sem emprego, porém, além de não ser mestre em qualquer ofício, ela ainda precisa enfrentar o preconceito da sociedade por ser do sexo feminino. Ou seja, os obstáculos que precisa superar para fugir do destino da prostituição e para sustentar seu irmão, enquanto ainda tenta miraculosamente recuperar sua posição social, soam assombrosos, complicados e tristes, mas também naturais. Não obstante, seu horror por William Hamleigh ainda se mostra justificado, uma vez que ele, não satisfeito com a constante degradação social dela, permanece buscando diferentes maneiras de humilhá-la cada vez mais.

Aliás, a família inteira do rapaz é caracterizada como vilões unidimensionais que cometem atrocidades em troca de poder, riqueza, ou, no caso de William, pelo puro prazer. Follet não poupa esforços para tornar os Hamleigh pessoas horríveis. William é visto se divertindo de matar gatos a pedradas, desfrutando imensamente de assassinar e mutilar camponeses e ainda tendo ereções por se imaginar estuprando Aliena e forçando pessoas a assistirem ao ato. Sua mãe, descrita com uma aparência aterradora, devido a uma cicatriz no rosto, age como uma víbora, traindo e manipulando personagens com suas palavras venenosas. Finalmente, seu obtuso pai é responsável pelo primeiro grande ato de injustiça cometido no livro. Desse modo, ao tornar todos ao redor de William maléficos, os capítulos que focam o personagem se tornam muito eficientes em transmitir uma forte sensação de repulsa ao personagem, deixando a atmosfera consideravelmente sufocante.

Por fim, o clero e a religião, em conformidade com a época, surgem na forma da salvação e da danação, personificadas pelo monge Philip e pelo bispo Waleran, respectivamente. Philip é um monge humilde, feito órfão por uma guerra e criado pela Igreja. Por ter uma personalidade forte, dotada de um perfeccionismo fora do comum, seu ótimo trabalho em administrar uma pequena instalação isolada em uma floresta o leva a ganhar reconhecimento, dando início a uma sequência de acontecimentos que o colocam supervisionando a construção da catedral no priorado de Kingsbridge. Philip é atormentado pela ideia de cometer o pecado do orgulho, uma vez que admirar o fruto de seu trabalho é um de seus maiores prazeres. Adequadamente, portanto, Follet constrói os conflitos do personagem de forma diferente: ele exibe Philip como o pilar a que todos os demais personagens virtuosos precisam se agarrar, tornando-o diretamente responsável não somente pela catedral como também pelo sucesso de cada um deles.

Já Waleran representa a corrupção da Igreja Católica, escancarando a rede de intrigas baseada na troca de favores e influências. Ao jurar não descansar até impedir a construção da catedral, o bispo assume a posição de Philip para as forças do mal, tornando-se essencial para os planos malignos dos Hamleigh e de outros personagens. O bispo, entretanto, surge mais tridimensional que seus comparsas, graças não somente a sua perspicácia carregada de sarcasmo, mas também por suas motivações: o que leva Waleran ao ódio por Philip e ao seu posto de vilão não é a maldade pura, mas justamente o orgulho.

Com as peças no tabuleiro, Follet distingui-se na forma com que organiza a narrativa. Ele arruma os eventos como uma montanha russa, mesclando traições com momentos felizes e alternando entre períodos de paz e grandes batalhas. A primeira grande vitória presenciada pelo leitor, por exemplo, é seguida pelo evento mais traumatizante na vida de um dos personagens principais e, ainda mais impactante, é sua causa direta.

Não contente, o autor ainda cria uma fascinante dinâmica entre seus personagens principais. A presença de Tom – um mestre de obras barato – no priorado de Kingsbridge é enxergada por Philip como uma ajuda divina, embora tenha sido ela a catalisadora de uma grande tragédia na vida do monge. Em contrapartida, Philip é ao mesmo tempo a salvação do construtor, por significar finalmente a realização de seu sonho, e o seu maior tormento, por proibi-lo de viver com sua mulher. A relação entre o monge e Aliena é ainda mais conturbada, uma vez que é ele o responsável tanto pelas vitórias dela, quanto pela maioria das tragédias que a acometem.

Follet também escala a tensão dos acontecimentos mais importantes com maestria. Cada plano maligno de Waleran e dos Hamleigh, por mais falho em sua execução, gera consequências, e cada escolha que Aliena, Philip ou Tom toma leva a novos planos do bispo, ainda mais elaborados. Se no início, os Hamleigh precisam apenas ameaçar com força bruta para paralisar a construção, no meio do livro já é necessário manipular um rei para conseguir efeito similar. Em outras palavras, a narrativa de Os Pilares da Terra pode ser simples, e até um pouco repetitiva, mas é incrivelmente bem amarrada e, por essa razão, muito eficiente.

A prosa do autor, por sua vez, também não adota uma postura complexa, preferindo termos coloquiais em vez do linguajar da época. Esse método, contudo, é compatível com a intenção do livro, oferecendo uma história de forma despretensiosa. Não são os diálogos, mas as descrições a área em que o autor melhor demonstra sua perícia: as descrições mais eficazes de um personagem não costumam ser sobre suas características físicas, mas sobre sua personalidade sob um foco único (seja seu objetivo, sua obsessão ou desejo escondido). Ken Follet vai mais além e aplica a personalidade de seus personagens na descrição dos ambientes. Como mencionado, por Tom ser um mestre de obras, sua paixão pelo ofício é exprimida na empolgação e no nível de detalhe com que as igrejas e os prédios são percebidos. Dessa forma, comentários a cerca da funcionalidade de diversas estruturas são frequentes, gerando ótimas passagens, como a que explica no que consiste exatamente o uso correto de formas geométricas e a resultante sensação de harmonia em uma construção e a que discute como o tamanho e posicionamento das janelas são responsáveis pela iluminação natural de uma catedral – Follet não se limita a fazer o leitor visualizar o cenário, seu intuito é fazê-lo também se apaixonar pelas construções. E, como um dos grandes temas do livro é o amor ao trabalho, esse método amplifica a força do tema.

O uso do pano de fundo histórico também merece elogios, pois afeta e altera as tramas do livro sem roubar a atenção para si no processo. Os personagens vivem em um era turbulenta chamada de “Anarquia” e não é complicado entender a razão ao acompanhar a história. Para alcançar seus objetivos, Philip e Waleran ocasionalmente necessitam da força da lei, normalmente representada por um aval ou decisão real. Entretanto, como as batalhas da guerra civil geravam instabilidade, ora coroando um rei, ora colocando-o prisioneiro do adversário, a lei mudava de acordo com a pessoa que detinha a coroa naquele instante, frustrando os planos dos personagens principais ou modificando-os para se adequar ao cabo de guerra do momento.

Ken Follet, nesta obra, revela-se um exímio contador de histórias, apresentando total domínio sobre as emoções do leitor. Os Pilares da Terra é um livro enorme, simples e sem grandes pretensões, mas que excele no que pretende fazer. Sua narrativa, fundamentada na ótima dinâmica entre os personagens, é a responsável por elevar a qualidade da história. E se ela consegue comover, empolgar e prender a atenção do leitor, mesmo sem inovar, é outra prova da habilidade de seu autor.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

Publicado originalmente em 01 de Agosto de 2014.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


3 Comments


  1.  

    Vi a minisérie e animei a ler o livro pela sua resenha. Iremos indicar a sua leitura no nossos site. Um abraço.




  2.  
    Daniel Albuquerque

    Descobri que existia uma série de TV no meio da leitura de Os Pilares da Terra. Terminei de lê-lo e agora pretendo assitir ao programa televisivo apenas para visualizar as construções e cenários, uma vez que certamente os roteiristas devem ter esquartejado a história de Follet. Seja como for, estou muito satisfeito em ler sua crítica ao livro. Traduziu de maneira primorosa todo o encanto do romance.





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