Os Senhores dos Dinossauros.
Sumário
Genero: FantasiaOs Senhores dos Dinossauros é uma obra que preza pela interação de seus personagens, mas jamais os desenvolve; que tenta discutir uma forma de opressão social, mas revela-se sexista; que pretende ser empolgante, mas é prejudicado por uma estrutura narrativa deficiente; que usa dinossauros como chamariz, mas os trata como cavalos de luxo. Em suma, o livro fracassa em todas as suas tentativas de ser minimamente interessante.
Os Senhores dos Dinossauros, escrito por Victor Milán, é um romance de fantasia que pretende construir uma atmosfera tensa e pesada e, ao mesmo tempo, contar uma história com cavaleiros montando dinossauros. O autor, entretanto, revela-se incapaz tanto de desenvolver seu universo de forma interessante quanto de aproveitar o potencial de sua inusitada e divertida premissa: embora apresente dinossauros marchando para batalha, o livro dificilmente gera alguma empolgação.
Sua história segue quatro personagens principais. O primeiro é Karyl, um nobre e ex-mercenário que, após ser traído em batalha, decide abandonar sua identidade e viver como artista de rua. Rob, por sua vez, é um bardo e senhor dos dinossauros: apesar da pompa do título, ele não faz parte da nobreza, apenas tem a função de domar as criaturas e cuidar delas. Certa noite, ambos são contratados por uma misteriosa mulher para proteger uma comunidade pacifista de ataques de cidades vizinhas e partem juntos para lá. O terceiro personagem é Melodía, filha do Imperador Felipe, uma princesa cansada de ser considerada inútil, mas que não pretende fazer muito para mudar sua situação. Por fim, Jaume é trovador, cavaleiro e comandante do exército de Felipe, encarregado de derrotar todos que se opõem à vontade imperial.
O livro, portanto, possui três núcleos narrativos. O que acompanha Karyl e Rob é o mais interessante, mas devido apenas ao fato de ser o único a apresentar uma trama propriamente dita. O mercenário e o senhor dos dinossauros possuem um objetivo claro – salvar a comunidade pacifista – e enfrentam vários obstáculos para alcançá-lo. Suas tentativas de criar um exército local formado por camponeses pacififistas até chegam a ser engraçadas no início – devido ao absurdo da premissa –, mas logo perdem a graça.
O motivo é simples: Os Senhores dos Dinossauros é um livro que se leva a sério sem ter o cacife para tal. Em vez de aproveitar o ridículo que permeia o universo e criar situações divertidas em sua despretensão, o autor prefere investir na interação de seus personagens e na construção de uma atmosfera pesada, marcada pela violência. Basicamente, Milán pretende colocar dinossauros em A Guerra dos Tronos, embora falhe em trabalhar com elementos fundamentais do gênero, apresentando um amalgama de personagens planos e desenvolvendo seu tema de forma incrivelmente superficial.
O núcleo de Karyl e Rob serve como uma amostra inicial dos pontos negativos do romance. É alarmante atestar, por exemplo, que Karyl, mesmo sendo constituído por clichês, é o personagem mais multifacetado da história. Trata-se daquele típico personagem destemido que, por ter abandonado sua profissão militar, já não dá valor à própria vida e, por causa disso, comete ações suicidas em batalha, enquanto veste uma faceta de durão. Como líder, age de forma rígida, mas eficiente. O fator que o torna minimamente intrigante é a rejeição ao seu passado: Karyl entende que sua antiga posição política – que tinha fortes contornos fascistas – era extremada e lamenta isso. Há, portanto, um conflito entre sua nova percepção de mundo e o autoritarismo inerente a sua posição no exército.
A construção de Rob, por outro lado, é extremamente problemática. Ele surge como um representante do homem comum, que não vem de um berço privilegiado e precisa lutar para sobreviver. Sua característica marcante é seu ódio pela nobreza, o qual ele faz questão de salientar a cada oportunidade possível. Rob é um personagem repetitivo, cujas reflexões e ações giram em torno sempre do mesmo assunto.
Todavia, no terceiro ato, o senhor dos dinossauros parece surtar, agindo de forma completamente contrária ao que havia sido estabelecido até então. Em determinada cena, por exemplo, Karyl tem sua autoridade contestada pelos habitantes da comunidade e Rob se enfurece subitamente, soltando um discurso que valoriza o sangue nobre do colega e ainda ordena que o mesmo use sua classe social para oprimir os outros:
“Lorde Karyl”, ele rugiu bambaleando por causa da bebida e do ultraje. “Por que está cedendo a esses almofadinhas que não são dignos de lamber a lama das suas botas? Eles não têm nem metade de seu nascimento e do seu valor. Fique firme, homem! Cuspa nos olhos deles! Desafie-os até o fim”
Páginas depois, Rob mostra-se igualmente incoerente, chegando ao ponto de ser questionado por Karyl. O senhor dos dinossauros, então, reflete que entende racionalmente que odeia os nobres, mas que, em seu âmago, não aceita que sejam desrespeitados, feridos ou que tenham mortes tão horríveis quanto às dos camponeses que assassinam. Sua conclusão é sintomática: trata-se de um personagem que simplesmente não faz sentido. Em um momento, revela-se pragmático o suficiente para condenar a comemoração precipitada de seus companheiros de batalha e exigir que continuem em atividade; em outro, se deixa levar pela emoção e protesta aos berros (porque quando decide ser contraditório, Rob o faz de forma histérica) a decisão de seu comandante de não carregar cinquenta feridos nas costas enquanto fogem correndo de um exército inimigo. Fica claro, portanto, que Milán não está preocupado com a consistência do personagem, modificando constantemente sua personalidade para atender às necessidades dramáticas do momento – o que na cena em questão é gerar a “resposta de efeito” de Karyl:
“Que tipo de bastardo sem coração é você?”, Rob berrou.
“Um comandante”, Karyl respondeu.
O conflito entre a nobreza e a gente comum é o tema de Os Senhores dos Dinossauros. Milán, entretanto, o desenvolve de forma maniqueísta: a nobreza não somente é má, como é também invariavelmente estúpida – possuindo até mesmo o apelido “cabeça de balde”. Já os camponeses, e aqueles que lutam a seu lado, são, em sua maioria, virtuosos e capazes.
O tema é também trabalhado com uma falta de sutileza alarmante. Há uma cena, por exemplo, em que nobres pisoteiam uma criança com seus dinossauros sem nenhum bom motivo e logo em seguida transpassam a mãe dela com uma lança. Não suficiente, é ainda repetido algumas vezes que nobres fazem isso “por esporte”. As guerras, por sua vez, não são travadas por questões econômicas ou sociais específicas, mas apenas como uma forma genérica de a nobreza conseguir manter seus privilégios.
O universo em que a história transcorre – chamado de Paraíso – também reforça a superficialidade do livro. Paraíso é um lugar com fartura em que pouquíssimos passam fome ou vivem na pobreza. Em certo instante, Rob reflete:
E… havia os bandidos. Apenas o ocasional solitário ou uma dupla, provavelmente motivados pela ganância ou maldade de espreitar seus companheiros, uma vez que esta não parecia ser uma terra onde a vida era dura.
Em outras palavras, não é o meio que faz o homem cometer atos horríveis em Os Senhores dos Dinossauros. A maldade reside na natureza humana, ideia esta que torna os personagens da história rotuláveis . Existem os bons e os maus e não há muito a ser feito quanto a isso.
A tentativa de Milán de elaborar uma trama repleta de intrigas políticas – similar à obra de George R. R. Martin – é imensamente prejudicada por isso, afinal não é nem um pouco surpreendente quando personagens declaradamente maus cometem traições. Os Senhores dos Dinossauros contém cenas toscas que acompanham o vilão e seu comparsa em um esconderijo tramando maldades e ainda quer prender a atenção do leitor com as ações “surpreendentes” deles. Na verdade, por serem óbvias e demorarem muito a acontecer, chegam até a entediar o leitor.
Não é a toa que o núcleo de Melodía, que acompanha as “intrigas políticas”, é insuportável. Seus capítulos são constituídos por discussões fúteis comandadas por suas várias amigas igualmente irritantes. Melodía sente-se inútil na corte, visto que não detém muito poder político e nunca a deixam realizar algo de concreto. Mas ela só reclama sobre isso, jamais tentando mudar efetivamente a situação. Seus capítulos não têm rumo, sendo composto por descrições incessantes do enfado da personagem, o que leva o leitor para o mesmo estado de espírito. Eles parecem estar lá apenas para ser possível entender como funciona a política interna do império.
Outro problema é o fato de Melodía ser vendida pelo livro como uma personagem feminina forte – uma rebelde que não se sujeita a ser tratada como um objeto – quando, na verdade, é o oposto que pode ser observado. O que dita muitas de suas ações é seu amor por um homem – Jaume –, o qual jamais some de seus pensamentos. Ela reclama da sua falta de participação, mas sua revolta permanece apenas verbal. Ela é, em muitos campos, passiva diante do sexismo ao seu redor.
Ainda mais grave é notar que não é somente o universo de Os Senhores dos Dinossauros que é machista, mas também sua apresentação feita pelo autor. O núcleo narrativo de Melodía – o único feminino do livro – é basicamente composto por fofocas e o único evento digno de nota que ocorre com a princesa é um estupro. Homossexualidade é vista com naturalidade em Paraíso, mas as únicas duas personagens lésbicas são masculinizadas em suas características. A cena de sexo de Melodía é constituída por ela gozando muito rapidamente várias vezes até sentir dor e só neste ponto, quando está doendo, é que ela é penetrada por um Jaume cheio de virilidade – que ainda urra como um “tiranossauro rei”. Até mesmo Rob – o representante do homem comum – chega a se referir às mulheres a sua volta como espécimes.
Porém, Os Senhores dos Dinossauros não é somente moralmente reprovável como também sofre com problemas narrativos graves. Primeiramente, Milán, além de perder muito tempo com personagens planos, ainda tenta fazê-los passar por redondos.
As amigas de Melodía são um ótimo exemplo. Elas ocupam boa parte dos capítulos da princesa com suas opiniões, mas não demonstram ter qualquer resquício de complexidade. Elas até chegam a ser descritas com as mesmas palavras em pontos diferentes do livro – algo típico de personagens planos. Lupe, por exemplo, é definida por sua careta e única sobrancelha. Logo no início, o leitor encontra a passagem Lupe fez uma careta, o que a única sobrancelha dela a equipava bem para fazer e, mais perto da metade, outra igualzinha: Lupe fez uma careta. Sua única sobrancelha a equipava bem para fazê-lo. Não obstante, uma reflexão de Melodía no final tenta caracterizar todas essas garotas como “profundas”, em uma desonestidade narrativa imensa: Abi tinha realmente provado que era mais profunda do que a princesa pensava. Como todas de meu círculo, ela percebeu, surpresa. Todas menos eu, evidentemente. Eu sou rasa. Não, Melodía, não se engane, são todas superficiais como você.
As batalhas – que formam os capítulos de Jaume – são, por sua vez, desprovidas de tensão porque Milán não se preocupa em preparar o terreno para elas. A primeira abre o livro e, por esse motivo, mais desorienta o leitor do que outra coisa: ele adentra um universo novo no meio da ação, com nomes e termos desconhecidos. A luta é bem conduzida, mas o leitor não se importa com o resultado, pois não conhece nenhuma das partes em combate. A batalha presente durante todo o segundo ato consegue a proeza de ser pior: não somente contém apenas um dos personagens principais, Jaume, como o leitor continua sem saber quem são as pessoas que estão lutando. Além disso, a própria guerra é desprezada pelo cavaleiro, que não acredita em sua utilidade para o império. Em outras palavras, nem mesmo o protagonista da batalha se importa com o que está acontecendo. A última, que encerra o livro, é a mais interessante, embora seja prejudicada pela obviedade dos acontecimentos.
Até mesmo os dinossauros, o chamariz do livro, não são aproveitados por Milán, que os trata como cavalos. Dinossauros são basicamente montarias de luxo, muito mais caras e perigosas que as normais. Cavaleiros montam nelas, seguram suas lanças e partem para o ataque, exatamente como se estivessem em um cavalo. Somente quando perdem suas armas que eles decidem lutar com as próprias montarias. No entanto, elas nunca chegam a fazer parte da trama, influenciar na narrativa ou algo parecido. Até mesmo o fato de Rob ser um senhor dos dinossauros é irrelevante, já que ele treina apenas pessoas na comunidade pacifista e não as criaturas.
O único ponto positivo da prosa de Milán é ele ter se preocupado em fazer a personalidade dos personagens influenciar os termos utilizados em relação a eles. Por Jaume ser um poeta, por exemplo, seus capítulos são recheados de metáforas e comparações, mesmo que de qualidade altamente duvidosa: Ele verteu sua visão como água através das fendas para os olhos. Sua respiração rugia nos seus ouvidos como o fole de um ferreiro.
No geral, o livro é repleto de sentenças bizarras similares que fazem pouco sentido quando analisadas com cuidado. A comparação Aparentemente, a vida como um lorde bandido afiava a astúcia, por exemplo, é uma incógnita: astúcia é algo que se afia? A vida afia astúcia? Lordes bandidos afiam astúcia? O que são lordes bandidos? Perguntas que nem Jaume, nem Milán, muito menos o leitor conseguem responder.
Porém, em muitos casos, é complicado apontar com precisão qual erro foi cometido pelo autor e qual pelo tradutor, Alexandre Callari. Na edição de 2015, há diversos erros de pontuação e regência, como a ausência da partícula “a” após o verbo assistir, o que muda seu significado (Os dois assistiram Karyl calma, porém rapidamente, apanhar outra flecha e fazer um novo disparo), há tradução literal incorreta de coletivo (assassinato de corvos/murder of crows) e emprego constante de palavras pouco utilizadas (acurado em vez de preciso, por exemplo). Assim, ao se deparar com uma frase como Jaume mirou a verdade é difícil identificar se é uma tradução equivocada de Jaume’s aim was true ou se Jaume realmente “mirou a verdade” no original.
Os Senhores dos Dinossauros é uma obra que preza pela interação de seus personagens, mas jamais os desenvolve; que tenta discutir uma forma de opressão social, mas revela-se sexista; que pretende ser empolgante, mas é prejudicado por uma estrutura narrativa deficiente; que usa dinossauros como chamariz, mas os trata como cavalos de luxo. Em suma, Os Senhores dos Dinossauros fracassa em todas as suas tentativas de ser minimamente interessante.
por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.
23 de novembro de 2015.
Ou seja, como diria Ian Malcon em Jurassic Park: é um belo monte de cocô.
Estou realmente surpreso com uma classificação tão ruim(01 estrela).Mas lerei mesmo assim.Em relação a situação onde foi colocado que os homens cometem atos vis por conta do meio onde vivem,penso que existem casos que contestam essa afirmação.Os casos de bandidos que saem de famílias de classe média,ou os psicopatas,que não importam o meio onde estejam,sempre serão propensos a cometer crimes.
Sem dúvidas, o problema foi a consequência narrativa da escolha do autor. Depois conte como foi a leitura. Abraços!
Excelente resenha, parabéns. Me esforcei pra ler o livro apesar de todas as críticas que vi na web. Foi decepcionante.
Agradecemos o elogio e a participação. Abraços!
tentei de todas as formas ler, mas acabei desistindo ..
Não consegui me identificar com os personagens, o enredo batido em um liquidificador
Parabéns, resenha show. Li e também me decepcionei, porém com os outros dois que serão lançados, talvez a fantasia fique um pouco melhor !