Seu primeiro portal para notícias e críticas literárias!

 

Beyond: Two Souls.

0
Posted 04/25/2017 by in PS3

Rating

Nota:
 
 
 
 
 

1/ 5

Plataforma: ,
 
Título: Beyond: Two Souls.
 
Desenvolvedor: Quantic Dream.
 
Duração Média: 10 horas.
 
Lançamento: 08/10/2013.
 
Diretor: David Cage.
 
Compositor: Lorne Balfe.
 
Roteirista: David Cage.
 
Resumo:

Desenvolvido pela Quantic Dream, Beyond: Two Souls é simplesmente uma bagunça: não funciona no campo narrativo, graças a uma estrutura desconexa e personagens que variam entre o vazio e o artificial, e muito menos no da interatividade, oferecendo um nível de controle ínfimo e inconsequente.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Desenvolvido pela Quantic Dream, Beyond: Two Souls é simplesmente uma bagunça: não funciona no campo narrativo, graças a uma estrutura desconexa e a personagens vazios e artificiais, e muito menos no interativo, oferecendo um nível de controle ínfimo e inconsequente.

A protagonista, Jodie Holmes, interpretada via captura de movimentos por Ellen Page, é uma garota que passou toda a vida acompanhada de uma entidade espiritual chamada Aiden. Hostilizada pelo pai e pela sociedade, Jodie acaba crescendo em um laboratório, estudada pelos gentis cientistas Nathan Dawkins (Willem Dafoe) e Cole Freeman (Kadeem Hardison). Todavia, quando a CIA demanda sua ajuda, Jodie percebe que está sendo apenas usada pelo governo e foge.

O primeiro problema que salta aos olhos em Beyond: Two Souls é aquele que aflige sua estrutura. A história no jogo não é contada de forma cronológica, mas embaralhada, repleta de flashbacks e flashfowards. Em um momento, o jogador está acompanhando as dificuldades de uma Jodie adolescente em socializar em uma festa, no segundo, está assistindo seu primeiro encontro com Nathan, para, no seguinte, observar o treinamento de Jodie na CIA. Contudo, não há um fio costurando a ordem dos episódios: se a sequência de treinamento viesse antes da entrevista com Nathan, por exemplo, ou até mesmo antes da festa, não faria a menor diferença. A impressão transmitida é que o roteirista e diretor David Cage escreveu cada episódio isoladamente, jogou todos em um potinho, sacudiu-o, e sorteou a ordem.

As consequências negativas são inúmeras. Em primeiro lugar, há o fato de o incidente incitante, que marca o fim do primeiro ato de uma história, ser jogado para escanteio, prejudicando tanto o ritmo do jogo quanto o estabelecimento de um arco narrativo. Afinal, torna-se complicado delinear a protagonista quando sua jornada não é clara.

Em segundo, há a óbvia falta de coesão. Se um evento de uma história não leva a outro, sua argamassa se dissolve na aleatoriedade de sua forma. Em Beyond: Two Souls, como o posicionamento dos episódios de Jodie não faz sentido, a força dramática de cada um é diluída.

Sem contar a carga de aleatoriedade que essa falta de organização confere a determinadas cenas. Quando Jodie está vivendo na rua com mendigos, por exemplo, ela pede para seu colega lhe dar a mão, o que a leva a incorporar o espírito da falecida esposa do sujeito e conversar com ele com a voz da moça. Tal momento, tratado com naturalidade pela narrativa, surge surpreendente para o jogador que até então não sabia que ela tinha esse poder. Sem qualquer preparo anterior e não sendo de forma alguma uma extensão lógica do que já foi estabelecido para a personagem, o poder soa inicialmente arbitrário: um coelho tirado da cartola de última hora para atender às necessidades do roteiro.

Porém, bem mais adiante, vem o momento em que Jodie descobre ser capaz de se comunicar com os mortos e tal cena surge redundante para o jogador, que, afinal, já fez essa descoberta antes. Se tais eventos ocorressem cronologicamente, o jogador faria a descoberta junto com a protagonista, fortalecendo a conexão entre eles, e, na cena com o mendigo, o jogador teria sua atenção direcionada para o drama da conversa e não para a revelação sobre o poder. No mesmo sentido, outro efeito positivo dessa mudança seria esconder a importância do poder de Jodie para Nathan, em vez de apontar com muitas setas vermelhas que ele vai ser relevante – sem contar que o posicionamento tardio da cena também torna a última decisão do cientista súbita e, exatamente por isso, artificial.

Não que a história de Beyond: Two Souls fosse ser excepcional caso tivesse sido estruturada corretamente. Um dos maiores capítulos do jogo, chamado Navaho, por exemplo, leva Jodie a ficar perdida em um deserto, encontrar uma família atormentada por espíritos indígenas e fazer um ritual para salvar todo mundo. É um capítulo tão deslocado da narrativa principal quanto parece, além de conter diálogos tão sofríveis em sua artificialidade que nem Page consegue salvá-los da mediocridade: “O quinto talismã!”, ela exclama ao descobrir o objeto necessário para derrotar os fantasmas, por exemplo.

O jogo, aliás, leva-se muito a sério para as cenas absurdas que contém. Perto do final, por exemplo, um personagem consegue fugir de um submarino a nado, vestindo uma camiseta regata, no Ártico. Em outro momento, Jodie luta karatê com vários policiais no topo de um trem em movimento. Assim, quando Cage tenta vender um tom melancólico e sério, o jogador simplesmente não compra.

Dono de uma carreira irregular (ele dirigiu Indigo Prophecy e Heavy Rain, jogos com sua boa parcela tanto de virtudes quanto de problemas), Cage aqui não consegue acertar em nada. Nem sua protagonista convence. Jodie é uma garota atormentada com a presença constante de Aiden, pois ele nunca a permitiu ter uma vida normal. Isso é basicamente Jodie. Em o que trabalhar para a CIA influencia seu arco narrativo? Em absolutamente nada. Uma missão a coloca roubando dados guardados em um cofre, outra, assassinando um líder africano. O próprio clímax envolve a CIA, então há de se esperar que ela seja importante para o desenvolvimento da personagem. Porém, tirando a rebeldia adolescente – no estilo “Ninguém manda em mim” – e a unidimensionalidade vilanesca com que a instituição americana é representada, não resta mais nenhum elemento na relação dos dois. Há uma desconexão, portanto, entre o conflito principal da protagonista e os eventos formadores de sua história, com um falhando em complementar o outro.

Beyond: Two Souls também é um jogo de videogame que não se beneficia em nada em ser um jogo de videogame. Quem assistir a uma partida não perde nada, pois a interatividade é irrelevante. Pegando emprestado o sistema de Quick Time Events de Heavy Rain, Cage anula todas suas virtudes ao remover as consequências de falhar neles. O jogo computa erros em conjunto e não isoladamente. Dessa forma, se o jogador erra três comandos em uma luta não há qualquer penalidade. Se ele conseguir a proeza de errar todos, é possível que uma cena diferente ocorra, mas ela em si não oferece nada de novo e é ignorada pelo restante da história. Em uma fuga em um trem, por exemplo, Jodie pode ser capturada três vezes. Não somente ela foge nas três da mesma forma (Aiden possui um guarda e a deixa escapar), levando o jogador a questionar a capacidade dos policiais em aprender com seus erros, como no final de tudo ela escapa de qualquer jeito, dizendo a mesma frase de efeito para o mesmo sujeito. Ou seja, falhando ou não, sendo capturada ou não, o resultado é igual.

Há uma cena nesse capítulo que resume toda a jogabilidade em Beyond: Two Souls. Nela, Jodie rouba uma motocicleta para fugir dos guardas e de um helicóptero. No entanto, se o jogador largar o direcional e só apertar o acelerador, Jodie dirige normalmente, fazendo as curvas ao bater nas barreiras invisíveis das bordas da pista.

Até quando o resultado é, de fato, diferente, ele permanece insignificante na narrativa geral. Uma das primeiras grandes escolhas é se Jodie deve se vingar ou não dos adolescentes idiotas que a prenderam em um armário debaixo da escada e foram comer torta sem ela (sério). Caso o jogador escolha a violência, o jogo cai em uma versão bem leve de Carrie: A Estranha, com Aiden batendo a porta da geladeira na cara de um garoto e fazendo lustres caírem. Porém, tal decisão não produz efeitos ao longo da história. Aqueles adolescentes são esquecidos e caso o jogador tenha decidido não fazer nada, também não verá nada diferente no futuro. Apenas um evento tem repercussões posteriores (uma tentativa de estupro) e, ainda assim, mínimas. 

Nem consistência o jogo confere a suas mecânicas. Além de Jodie, o jogador pode controlar Aiden, acionando-o com um botão. Porém, as ações do espírito são predeterminadas pelo jogo. Há guardas que ele só pode possuir, outros que ele só pode sufocar, outros, só distrair, sem qualquer indicação das razões da diferença. Além disso, a distância que o espírito pode ter de Jodie também varia de acordo com as necessidades do momento: quando ela precisa descobrir uma casa vazia, ele consegue percorrer dezenas de metros de distância dela. Quando os desenvolvedores apenas tornaram pequena parte do cenário percorrível, como um campo que Jodie visita no deserto, Aiden não pode se afastar centímetros.

Beyond: Two Souls é um jogo com poucos pontos positivos. Tirando as atuações e o trabalho de animação que as capturam com fidelidade, não restam muitos elementos elogiáveis: David Cage entrega uma história desorganizada, uma protagonista desinteressante e uma jogabilidade descartável. No fim, vendo as demos técnicas, Kara e Dark Sorceror, liberadas na seção bônus, sobra para o jogador refletir se Cage não se sai melhor roteirizando algo que não envolva a presença de um jogador

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

25 de abril de 2017.


About the Author

Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


0 Comments



Be the first to comment!


Deixe uma resposta