Seu primeiro portal para notícias e críticas literárias!

 

Demon’s Souls.

0
Posted 08/16/2016 by in PS3

Rating

Nota:
 
 
 
 
 

4/ 5

Plataforma:
 
Título: Demon's Souls.
 
Desenvolvedor: FromSoftware.
 
Duração Média: 50 horas.
 
Lançamento: 06/10/2009.
 
Diretor: Hidetaka Miyazaki.
 
Compositor: Shunsuke Kida.
 
Resumo:

São os momentos sinistros e as histórias macabras de Demon’s Souls que o tornam tão eficiente. Sua dificuldade não é nada especial e alguns de seus desafios podem até fazer o jogador perder demais o seu tempo, mas a união entre seus diversos elementos, como atmosfera, música, level design e jogabilidade, criam um universo coeso e certamente memorável.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

A dificuldade em um jogo de videogame é medida pelo nível de habilidade exigido do jogador: quanto maior ele for, mais difícil é um jogo. É sob essa perspectiva que Demon’s Souls costuma ser erroneamente definido, uma vez que boa parte de suas mecânicas é elaborada não para testar o jogador, mas para forçá-lo a prestar atenção no que está realmente fazendo. Na verdade, é na construção de uma atmosfera sufocante que o Demon’s Souls formula sua própria identidade, inserindo o jogador em um universo escuro e hostil, que o faz sentir-se atemorizado durante toda a jornada pelo amaldiçoado reino de Boletaria.

A história de Demon’s Souls transcorre após o rei Allant XII descobrir como canalizar um poder baseado nas almas de seres-vivos e usá-lo para trazer prosperidade ao reino de Boletaria. Contudo, em sua ganância, o rei também acabou acordando um mal antigo, trazendo desgraça para seu povo: uma névoa sem cor, habitada por demônios devoradores de almas, cobriu todas as terras periféricas à Boletaria, isolando-a do resto do mundo. Vários guerreiros tentaram penetrar a terrível névoa, mas apenas um voltou com notícias, suplicando pela ajuda de qualquer aventureiro que se considere capaz de enfrentar os perigos escondidos nela e salvar o rei.

O jogador comanda um dos heróis que se propõe a libertar Boletaria, podendo personalizar a aparência de seu personagem, além de decidir seu nome e classe. Como na maioria dos jogos da franquia The Legend of Zelda, o protagonista funciona como um avatar do jogador, não apresentando personalidade própria. Tal recurso torna o jogador um membro mais ativo no universo, fazendo com que ele sinta-se mais hostilizado: perceber que todos os elementos do cenário conspiram para matar você é bem mais angustiante que notar que eles desejam matar um personagem aleatório. Além disso, ao posicionar o jogador como protagonista, os roteiristas não necessitam elaborar muito um arco dramático e podem focar-se em outros elementos da história.

O efeito produzido em Demon’s Souls é excelente: como a principal característica do jogo é sua atmosfera opressiva, colocar o jogador no centro das atenções serve para reforçar essa sensação. Após o breve tutorial, por exemplo, o espírito do protagonista é transportado para a área central de Boletaria, chamada Nexus. Um dos primeiros personagens encontrados é o espírito de um guerreiro amargurado, que começa a explicar para o jogador o que ocorreu de forma totalmente cínica: “Hahahah, you’ve gone and died, have you? If you die here in Boletaria, your soul is returned to the Nexus. Well, what’ll you do next? Going to just give up? That’s what I did. I think I just lost my nerve for this kind of thing…”.

O cavaleiro não diz nomes ou título ao fazer referência ao protagonista, utilizando, na verdade, a segunda pessoa (“you/você“). Ou seja, sempre que algum NPC dialoga, ele está se comunicando diretamente com o jogador. Dessa forma, quando o guerreiro ri de sua derrota e consequente morte, ele está caçoando não o avatar presente em sua frente, mas o próprio jogador, contribuindo fortemente para a sensação de hostilidade daquele universo.

O Nexus é o principal responsável pela construção da atmosfera de Demon’s Souls. Sua estrutura é claustrofóbica, similar a de uma torre, com várias escadarias íngremes dando diversas voltas até o topo – e se o jogador se distrair e cair, ele morrerá. O jogador, no início da aventura, encontra pouquíssimos personagens no lugar, demonstrando o quão implacável aquele universo pode ser – afinal, aquele é único ponto seguro de Boletaria, mas somente cinco ou seis indivíduos conseguiram habitá-lo –, e suas vozes sempre ecoam, tornando suas eventuais risadas de escárnio ainda mais sinistras. A palheta de cores utilizada alterna entre o sépia e o cinza, sugerindo a antiguidade do lugar e de seus habitantes, além da melancolia que os domina. Eles, por sua vez, trazem ora um passado tenebroso – como o homem que abandonou esposa e filha aos demônios e saiu correndo por sua vida – ora arcos narrativos trágicos – como o destino do guerreiro cínico – ora uma aparência grotesca – como a da gentil Dama de Preto, cujos olhos estão cobertos de cera. Quando ela informa ao jogador no início que ele necessita falar com os sábios do Nexus, chamados Monumentals, ele encontra, no lugar descrito, apenas uma criança em volta dos cadáveres de muitas outras.

A morte é um elemento recorrente tanto na história quanto na jogabilidade de Demon’s Souls. Mas, como o amargurado guerreiro menciona no início, ela não marca o fim da aventura. Quando o jogador morre em batalha, seu personagem perde seu corpo físico, mas resiste em formato espectral: sua alma. Nessa forma, o personagem perde 50% de sua barra de vida total e precisa matar um dos chefes do jogo, invadir com sucesso outro universo, ou usar um item especial para conseguir recuperar seu corpo.

O choque, entretanto, pode não durar muito. Enquanto um jogador pessimista encarará sua barra de vida menor como uma punição constante e um jogador otimista como sua barra de vida normal – considerando o eventual adicional como bônus –, um jogador atento conseguirá, logo na primeira fase, um anel que diminui a redução para 25% e pouco se importará com o assunto.

Além disso, os desenvolvedores, numa tentativa de facilitar a vida do jogador, lhe oferecem a oportunidade de recuperar todas as almas perdidas (basicamente, pontos de experiência contextualizados – matar um esqueleto gera cem almas, por exemplo) se conseguir voltar ao lugar de sua morte e encostar na mancha de sangue que ficou no exato local de sua derrota. Já se ele morrer novamente, aqueles pontos se perdem para sempre e são substituídos pelos adquiridos até a morte mais recente. Assim, enquanto em RPGs normais o jogador morrer antes do fim de uma dungeon implica a perda do progresso inteiro, em Demon’s Souls há a possibilidade de, ao menos, duplicar a experiência adquirida no final, caso tenha ocorrido apenas uma derrota.

Manchas de sangue, aliás, estão presentes em praticamente todos os lugares de Boletaria. Num excelente exemplo de integração de um modo online a uma campanha singleplayer, ao se encostar-se em uma mancha é possível enxergar o espectro de outro jogador em seus últimos segundos de vida, refazendo seu percurso até seu momento derradeiro. Além de acrescentar muita tensão ao jogo e fortalecer sua atmosfera opressiva, essas manchas também servem para alertar o jogador de possíveis armadilhas e emboscadas, permitindo que ele observe o que acontece com alguns espectros.

Várias dessas mortes são até curiosas, não sendo incomum presenciar vários fantasmas caminhando continuamente em direção a abismos ou sendo completamente espancados por simples zumbis ou qualquer outro inimigo fraco do jogo. A verdade é que tais causalidades são oriundas de um descuido eventual do jogador. Afinal, Demon’s Souls não é um jogo muito difícil, mas é extremamente punitivo: as ações que devem ser realizadas e os obstáculos que devem ser transpostos não exigem muito do jogador, mas basta ele parar de prestar atenção para seu personagem morrer em instantes.

É importante conseguir dissociar dificuldade de punição em um jogo de videogame. Enquanto a primeira é uma classificação atribuída aos desafios do jogo, o segundo é um elemento do processo de aprendizagem do mesmo.

Uma analogia ajuda a deixar a diferença mais clara: imagine um aluno de ensino médio precisando fazer uma prova de matemática. As questões da prova são os inimigos e os obstáculos do jogo. Se uma determinada questão que envolve resolver uma “regra de três” é bem simples, ela continuará sendo simples independentemente do valor em pontos atribuído a ela pelo professor. Da mesma forma, um inimigo que é previsível em seus movimentos é um inimigo fácil de derrotar, não importando o dano que ele possa causar se um dia acertar seu golpe. Assim, imagine um teste composto por dez questões repetidas, todas iguais a do exemplo anterior, em que se o aluno errar qualquer uma delas repetirá o ano, terá seus pais assassinados e causará a destruição do mundo. Todos esses fatores não alteram a dificuldade da prova, pois, por maior que seja a punição por uma questão, esta permanecerá a mesma. O que a punição muda é unicamente a importância do teste.

Nesse sentido, cada esqueleto, zumbi e monstro encontrado em Demon’s Souls é relevante por conseguir causar rapidamente a morte do jogador. E é justamente por estar sob pressão constante, que o jogador é levado a cometer deslizes mais recorrentemente e, por esse motivo, acabando por experienciar uma falsa sensação de dificuldade.

Os desenvolvedores, por sinal, parecem empenhados em transmitir essa ilusão, uma vez que elaboram mecânicas simples e fáceis de serem compreendidas, mas as escondem do jogador, forçando-o a aprendê-las sozinho. Tal atitude é justificada em Demon’s Souls, entretanto, por se adequar perfeitamente aos temas desenvolvidos pela história: até mesmo na jogabilidade, o jogador se encontra sozinho, perdido e hostilizado.

O combate em Demon’s Souls é consideravelmente básico. Há dois tipos de ataque: um forte e lento e um leve e rápido, cada golpe gastando momentaneamente uma barra de energia de acordo com sua força. E há duas formas de evitar ser atingido: usando um escudo ou se esquivando, ações que também gastam a mesma barra de energia para criar um sistema de risco/recompensa basilar – se o jogador atacar demais e não derrubar o oponente, ele será fatalmente atingido. Além disso, armas de ataque a distancia e magia também estão presentes para garantir certa variedade às batalhas.

A dinâmica dos confrontos é lenta e estratégica. O jogador deve observar o padrão de ataque de cada inimigo – a força e a distância dos golpes, além do tempo de recuperação de cada um – e esperar uma abertura para o seu. Paciência, portanto, é uma característica muito mais essencial no jogo do que perícia – outra prova de que Demon’s Souls não é especialmente difícil.

Há vários elementos ocultos durante o combate, porém, que devem ser analisados pelo jogador. Há golpes que não são bloqueáveis – normalmente os que envolvem espadas de sete metros – mas estes são facilmente esquiváveis. Em contrapartida, há aqueles em que escapar com um pulo é praticamente impossível, mas basta um bom escudo para prevenir o estrago. Além disso, elementos e fraquezas fazem uma diferença considerável na velocidade da batalha. Tentar, por exemplo, matar uma criatura de fogo com uma espada flamejante irá demorar um bom tempo, enquanto permanecer atacando a parte protegida por armadura de um monstro, em vez de circundá-la, até causa dano, mas este é bem diminuto. Até mesmo certas armas levam vantagem contra determinados inimigos, causando dano adicional.

Porém, todas essas mecânicas tem que ser aprendidas tanto por um processo de observação, quanto por de tentativa e erro. O jogador tem que começar a notar que tipos de ataques são bloqueáveis e quais não são – havendo dicas visuais óbvias o suficiente para tornar a ação intuitiva –, mas ele só descobre que esse estilo de golpe existe após morrer para o primeiro: quando os desenvolvedores apresentam uma informação nova ao jogador, eles geralmente o fazem matando-o com tal informação. Faz parte da rotina do Demon’s Souls a reflexão “Ah, foi isso que ocorreu. Mas por quê?”. Com a punição elevada, a equipe da FromSoftware não estimula, mas obriga o jogador a adquirir uma posição extremamente ativa durante a aventura, forçando-o a buscar as respostas necessárias para seu progresso.

Após matar o primeiro chefe, o jogador retorna para o Nexus e tem a sua disposição cinco mundos para explorar na ordem que bem entender, sendo cada um, com exceção do primeiro, composto por duas fases e três chefes.

Novamente excluindo o primeiro, que além de possuir mais fases e chefes também une diversos temas, os mundos são claramente focados em um elemento específico do combate: Stonefang Tunnel contém inúmeros monstros de fogo, Tower of Latria apresenta inimigos que causam dano mágico, Shrine of Storms possuí esqueletos que causam dano bruto elevado além de monstros alados, enquanto Valley of Defilement é formado por pântanos que infligem penalidades de vida (veneno e praga). Separando as áreas por tema, os desenvolvedores acertam por organizarem a estrutura do jogo e o avanço do jogador, permitindo que ele consiga se preparar para cada desafio de antemão. Se for enfrentar os perigos de Stonefang Tunnel, por exemplo, o jogador levará escudos que o protegem de fogo e anéis que aumentam sua resistência ao elemento. Já, se for visitar Tower of Latria, usará a mesma lógica com magia e assim por diante.

Essa estrutura ainda serve para potencializar a sensação de desamparo do jogador, uma vez que, logo no início, ele se vê diante de todas as mecânicas do jogo, tendo que escolher em qual irá se focar, sem qualquer indicação de por onde é mais aconselhável começar. O único problema desse design é a equipe da FromSoftware ter falhado em equilibrar a dificuldade de cada área, deixando algumas bem mais recompensadoras do que outras. Assim, a maioria dos jogadores que perceber tal discrepância tem, apesar da aparente liberdade, a mesma experiência em Demon’s Souls: é muito recomendável, por exemplo, a deixar a área dos pântanos por último e vencer Shrine of Storms o mais cedo possível, uma vez que esta, além de mais simples, proporciona muito mais almas e equipamentos úteis do que aquela.

As fases são, em sua maioria, bem construídas, contendo várias passagens secretas, armadilhas mortais e atalhos importantíssimos para uma sensação de progresso. Não há quaisquer espécies de puzzles nos labirintos e castelos de Demon’s Souls, visto que o jogo é focado em combate, mas há bastante ênfase na exploração dos cenários, com inúmeros equipamentos escondidos em lugares aparentemente inacessíveis, do outro lado de portões trancados ou no alto de torres bem guardadas, por exemplo. O jogador também deve prestar atenção ao adentrar corredores e atravessar portas pela possibilidade de emboscadas, visto que, enquanto enfrentar um esqueleto sozinho não é complicado, lutar contra dois ao mesmo tempo já se mostra um desafio e tanto – os inimigos em Demon’s Souls não esperam pacientemente pelo colega terminar seu ataque, eles rapidamente flanqueiam o jogador e golpeiam ao mesmo tempo.

Todavia, três áreas em particular se mostram um tanto problemáticas devido a seu design exaustivo. A maioria das fases apresenta alguma espécie de atalho, aberto quando o jogador alcança determinado ponto. Assim, se ele morrer, não precisará passar por toda a fase de novo, bastando atravessar o atalho para chegar perto de onde morreu. Contudo, as fases 1-4, 4-2 e 5-1 não apresentam atalho algum e caso o jogador perca para o chefe no final, terá que atravessá-las inteiramente mais uma vez. Tal design não aumenta a dificuldade do jogo ou o torna recompensador, ele somente o deixa cansativo e longo.

 Observe a quarta fase do primeiro mundo, por exemplo, que contém o chefe mais difícil do jogo. O estágio em si não é nem um pouco complicado assim que determinado dragão que guarda a passagem final é derrotado, visto que ele não volta à vida como os inimigos comuns. Estes, porém, apesar de simples, exigem certo tempo para serem derrotados, levando um jogador cerca de dez minutos para alcançar o chefe da fase. Agora, imagine que esse jogador seja derrotado apenas três vezes durante a batalha final. Quando ele for tentar a quarta, ele já terá perdido meia hora da sua vida somente chegando ao chefe da fase. Os inimigos não representam mais um desafio, as armadilhas já são conhecidas e as passagens secretas já foram exploradas, mas Demon’s Souls requer que o jogador repita suas ações eternamente até vencer um desafio que nada tem a ver com elas.

Não obstante, o próprio chefe da fase compartilha do mesmo defeito. Chamado False King, ele apresenta um padrão de ataques agressivo que conta com golpes indefensáveis que matam o jogador em segundos. Ele até teria sido um bom oponente se não representasse brilhantemente o principal problema de Demon’s Souls ao possuir um agarrão que rouba um nível de experiência do jogador. Essa punição é absolutamente equivocada, pois, se o jogador mata o chefe rapidamente ele não se importa com a perda – tornando-a irrelevante –, mas se ele perde diversas vezes, tem que se dar o trabalho de entrar num processo forçado de grinding (o ato de se matar diversos inimigos apenas para ganhar experiência). Na triste hipótese do jogador morrer somente dez vezes para o chefe, ele não somente terá gastado quase duas horas de sua vida caminhando até a luta, como inúmeras mais recuperando as almas que o sujeito roubou.

Vale notar que esse tempo perdido também contribui para a falsa sensação de dificuldade, pois enquanto em um jogo conciso e rápido, como Super Meat Boy, um jogador morre trinta vezes em cinco minutos e acha que não demorou muito para vencer o level, em Demon’s Souls apenas cinco derrotas já o faz acreditar que falhou muitas vezes mais, devido ao tempo gasto com elas.

Há tantos elementos para se levar em consideração em Demon’s Souls, que ele se torna bastante complexo por conter centenas de mecânicas simples ou obscuras e não por ter algumas complicadas. O jogador deve, por exemplo, também se preocupar com invasões de outro mundo, ocasionadas por uma interação online. Jogadores podem invadir o universo de outros jogadores para recuperar sua forma humana, seja ajudando-os a vencer um chefe – algo que mitiga seriamente a atmosfera de isolamento do jogo –, ou se tornando seu adversário e assassinando-o – elemento muito bem explorado por um dos chefes do jogo. Tais decisões também modificam o karma do personagem e quanto mais negro o karma for, maior a penalidade de vida ele recebe, prevenindo abusos de invasão online: se o jogador quiser matar muitos outros, terá que ajudar um número similar. NPCs, por sua vez, também afetam o karma, uma vez que podem ser assassinados – e alguns até serão por engano, se o jogador não for cuidadoso, já que se tornam agressivos quando atacados. Os mundos, por sua vez, apresentam seu próprio karma, que impede certos eventos de acontecerem. Além disso, armas quebram, o inventário é limitado e o equipamento até mesmo pesa, limitando a velocidade e movimentos dos personagens.

Com tantos elementos para trabalhar, é inevitável que os desenvolvedores falhem em balancear um ou outro, não demorando para o jogador encontrar anéis e magias que desequilibram certos elementos do jogo. O Thief’s Ring, por exemplo, é um anel que faz com que os inimigos tenham dificuldade em notar a presença do jogador, o que na batalha contra duas enormes gárgulas numa ponte significa que uma delas permanece encarando o vazio, enquanto o jogador enfrenta a outra em uma das extremidades. Já contra o próprio False King, tal anel combinado com uma magia venenosa acaba com a partida em minutos, uma vez que o temível rei não somente falha em notar a presença do jogador como também o constante dano que está tomando, permanecendo de boas contemplando seu salão.

As missões secundárias, por outro lado, são excelentes na forma sutil com que são apresentadas. Não há pontos de exclamação no mapa indicando-as, ou qualquer marca expositiva dos objetivos por elas concebidos. Se o jogador conversar com os personagens que encontra, ele conhecerá suas histórias e saberá de seus problemas, cabendo a ele decidir se irá ou não fazer algo a respeito. Um acólito, por exemplo, conta que seu mestre viajou para determinado lugar e nunca mais deu notícias. Se o jogador se importar o suficiente para se lembrar do acólito quando visitar o lugar, ele pode explorá-lo o suficiente para descobrir o que aconteceu com o mestre. A falta de indicações visuais no mapa aliada a facilidade de navegação pelos cenários – sempre que se mata um chefe é possível se teletransportar para aquela área – faz o jogador acreditar que está resolvendo as missões secundárias não porque os desenvolvedores insistiram, mas porque elas pareceram suficientemente interessantes para merecerem sua atenção.

A recompensa por elas, aliás, costuma ir muito além de equipamentos novos, visto que a maioria adiciona personagens ao Nexus, que podem abrir suas próprias lojas e adicionar suas histórias às de seus colegas. Histórias essas que até evoluem com o tempo e são construídas de forma a ficarem abertas à interpretação: em determinado momento, Saint Urbain, um padre que alega ouvir a voz de Deus, explica que as magias divinas terem surgido ao mesmo tempo em que o antagonista significa que Deus deseja que a humanidade combata o grande demônio. No entanto, nada impede o jogador de refletir se o padre não interpretou erroneamente os eventos, principalmente no instante em que o demônio consegue ser ouvido no Nexus e Urbain mostra-se consideravelmente consternado com a voz.

As histórias secundárias também se estendem às fases, que apresentam suas próprias tramas e personagens. A narrativa em Demon’s Souls é minimalista, o que significa que a exposição do universo é transmitida ao leitor de forma indireta, por intermédio de elementos do cenário, descrição de itens e nomes de criaturas ou lugares, e que muito é deixado a cargo da imaginação do jogador.

A última luta em Valley of Defilement é o melhor exemplo da direção de arte, do roteiro, do design, da música e da jogabilidade trabalhando em conjunto para contar uma história sem qualquer resquício de exposição exacerbada. [ Spoilers: ] Ao contrário de todas as outras batalhas no jogo, a trilha sonora que a acompanha não é feroz e enérgica, mas serena e triste. Os monstros presentes no cenário estão todos de costas para o jogador, ignorando-o mesmo quando atacados, preferindo louvar uma mulher que permanece à distância, sentada em meio a cadáveres e sangue. Ela, quando sente sua presença, pede gentilmente para o jogador ir embora, alegando aquele lugar ser um santuário sem nada para ser pilhado ou roubado. Um guerreiro humano a protege por um dos caminhos, golpeando apenas se o jogador tentar passar e parando se ele se afastar; enquanto, nos outros, crianças de lama saem do lodo para agarrar o jogador e impedir que ele alcance a mulher. Quando ele finalmente a atinge – em busca de sua alma – ela somente diz “This is our home. We have done no harm to you. Dear God, have mercy”. A equipe da FromSoftware consegue, com poucas linhas de diálogo, fazer o jogador lamentar profundamente suas ações.

São os momentos sinistros e as histórias macabras de Demon’s Souls que o tornam tão eficiente. Sua dificuldade não é nada especial e alguns de seus desafios podem até fazer o jogador perder demais o seu tempo, mas a união entre seus diversos elementos, como atmosfera, música, level design e jogabilidade, criam um universo coeso e certamente memorável.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

16 de agosto de 2016.

Compre:

. Submarino.

Trailer:


About the Author

Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


0 Comments



Be the first to comment!


Deixe uma resposta