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Soma.

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Posted 01/26/2018 by in PC

Rating

Nota:
 
 
 
 
 

2/ 5

Plataforma: , ,
 
Título: Soma.
 
Publicador: Frictional Games.
 
Desenvolvedor: Frictional Games.
 
Duração Média: 10 horas.
 
Lançamento: 22/09/2015
 
Diretor: Thomas Grip.
 
Compositor: Mikko Tarmia.
 
Roteirista: Mikael Tarmia.
 
Resumo:

Soma é um jogo com ótimas ideias que não consegue aproveitar satisfatoriamente, seja devido à falta de construção de seus personagens, seja por algumas escolhas de design que sabotam o que foi trabalhado até então. No fim, o título representa uma boa oportunidade infelizmente perdida.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

— > A crítica a seguir contém spoilers de toda a narrativa.

Soma , um ambicioso jogo de ficção científica desenvolvido pela Frictional Games, tenta mesclar uma atmosfera de terror com discussões filosóficas a cerca da consciência humana e questões de identidade. Todavia, seus personagens mal desenvolvidos e falhas de design preocupantes acabam desperdiçando todo o grande potencial do título.

O protagonista chama-se Simon, um jovem que, logo após tentar se declarar para uma garota sem sucesso, sofre um acidente de carro, causando a morte dela. Semanas depois, ele decide fazer um exame experimental e vai até um consultório médico para ter seu cérebro escaneado. Quando acorda do exame, porém, ele não está mais num consultório, mas em uma instalação submarina em ruínas, repleta de cadáveres, robôs que acreditam serem humanos e monstros que atacam se forem observados por muito tempo.

O primeiro erro da história é rapidamente descartar o passado de Simon e os elementos que foram apresentados até então. A partir do instante em que ele acorda em Pathos II – um complexo de instalações no fundo do mar – o que importa são problemas mais urgentes como entender o que raios está acontecendo e conseguir sobreviver. Depois, a missão é salvar o que restou da humanidade e continuar sobrevivendo. O acidente de carro, o trauma de perder alguém que ele ama, mas com quem, apesar disso, jamais conseguiu estabelecer uma relação íntima, nada disso tem qualquer impacto à longo prazo, mal sendo lembrado, como se nunca tivesse acontecido. Em outras palavras, o acidente serve unicamente para fazer Simon ter motivos para realizar o exame e a morte da garota serve unicamente para gerar alguma empatia do jogador por Simon, já que ela não tem personalidade, significando apenas uma perda para ele.

Assim, imitando o jogo e seguindo adiante ignorando a abertura, verifica-se que a história de Soma eventualmente se torna interessante. O roteirista, Mikael Hedberg, por exemplo, prepara bem o terreno para a primeira grande reviravolta. Não demora para que Simon se depare, no meio de todo o caos da instalação, com um robô que defende ser uma pessoa de carne e osso. Ele alega chamar-se Carl Semken e acredita que o protagonista está louco por dizer que está conversando com uma máquina: “I see both my hands, both my feet”, explica Carl, que, todavia, é claramente um robô. Logo depois, mexendo em um rádio, o protagonista consegue entrar em contato com uma mulher chamada Catherine, que indica sua posição em outra instalação no fundo do mar. Após viajar até onde ela alega estar, a surpresa de Simon é descobrir que a voz de Catherine vem de outro robô. A situação, então, fica ainda mais complicada.

Pois, como Carl e Catherine, Simon percebe que é resultado de uma consciência humana ter sido copiada para dentro de uma máquina. Essa reviravolta, apesar de previsível, funciona por mergulhar o jogador na perspectiva daqueles personagens, fazendo-o experimentar a confusão em primeira mão. Dessa forma, o jogador é levado a empatizar retrospectivamente com Carl, entendendo sua situação ao subitamente se ver nela.

A grande premissa de Soma envolve justamente essa habilidade de digitalizar a consciência de uma pessoa, com seu tema advindo das questões filosóficas resultantes. O Simon que acorda em Pathos II, por exemplo, é o mesmo que fez o exame, ou outra pessoa completamente diferente? Como as memórias do Simon original construirão a personalidade deste e qual a importância disso para a noção de identidade do novo? Ele seria meramente um clone digital da mente do primeiro Simon ou uma nova pessoa?

Simon e Catherine são estabelecidos como os personagens principais e essas discussões surgem naturalmente nas conversas dos dois, devido à situação inusitada de ambos e ao objetivo que precisam cumprir: lançar no espaço um programa que contém a consciência digitalizada de várias pessoas vivendo em uma simulação, pois esse programa representa a última chance de sobrevivência da humanidade, que foi exterminada com a queda de um meteoro: agora ela pode perdurar apenas digitalmente, caso o protagonista seja bem sucedido.

O maior problema que acomete os debates filosóficos de Soma é que eles são protagonizados por dois personagens planos. O descaso com a abertura não é algo isolado, mas na verdade um sintoma da falta de importância da personalidade de Simon para o roteirista. Simon nem chega ser unidimensional, pois não tem sequer uma única característica marcante: ele só reage com espanto para coisas espantosas, duvida de coisas duvidosas e assusta-se com coisas assustadoras, quando isso. Ele não tem voz própria, desejos, metas, conflitos internos não relacionados às situações de Pathos II, basicamente nenhum elemento para chamar de seu. Isso já seria ruim normalmente, por tratar-se do protagonista, mas é especialmente problemático em uma narrativa interessada em discutir identidade. Se Simon não era ninguém antes de Pathos II, e agora só reage a questões imediatas, não há elementos suficientes para uma análise de caso aprofundada.

É um alento, portanto, que Catherine esteja lá para conduzir debates convincentes em um nível abstrato geral. Pois é essa a única função da personagem: conduzir Simon. Tanto fisicamente para seu objetivo, quanto filosoficamente. Ela é uma figura cuja maior função é expositiva – se às vezes ela até evita explicar o que está acontecendo em detalhes, ela nunca demora para apontar o significado desses acontecimentos –, sendo capaz de gerar certa empatia do jogador unicamente por ser a voz humana que acompanha a jornada de Simon.

Assim, é importante que Soma também tente elaborar suas questões em situações específicas, havendo dois momentos em particular que merecem uma análise detalhada. O melhor deles envolve um magnífico puzzle que conecta o tema do jogo às suas mecânicas. O cenário é simples: Simon precisa descobrir uma senha e o funcionário que a conhecia já morreu. O plano, portanto, é criar uma simulação com a consciência armazenada do sujeito e descobri-la fazendo Catherine interagir com ele. O problema é que, como Simon e Catherine se reconhecem como indivíduos mesmo sendo a cópia da consciência projetada de uma pessoa, reiniciar a simulação toda vez que falharem em adquirir a senha do funcionário significa, para eles, efetivamente matá-lo, tendo então que criar outro ser igual a ele para repetir o processo. Ou seja, cada falha do jogador significa um assassinato. O fato de a solução envolver abusar das relações afetivas do funcionário, manipulando-o com as pessoas que ele ama, ainda reforça a noção de ele configurar-se um ser humano ao invés de como um conjunto abstrato de dados, tornando esse puzzle a melhor parte de Soma.

O segundo grande, porém falho, momento ocorre quando Simon copia sua consciência para outro corpo, pois precisa ir até um abismo e seu estado atual não é capaz de aguentar as pressões das profundezas. Só após fazer a cópia, entretanto, que o protagonista percebe o que uma cópia de fato significa: que agora há dois Simons e que aquele que fez a cópia provavelmente vai morrer de qualquer forma. A força da reviravolta vem da lembrança de que o Simon que acordou na cadeira no início do jogo era uma pessoa única e que esse personagem vai ficar preso naquela instalação específica infestada de monstros até morrer. Já os problemas narrativos da situação são dois: Simon não perceber o que copiar sua mente significa pode ser visto como estupidez por qualquer jogador atento, e o jogador controlar de imediato o novo Simon dirime o impacto da situação, pois ele está na perspectiva daquele que vai se salvar: em vez de gerar desespero e angústia, situando-o na perspectiva daquele vai morrer abandonado, a situação escolhe gerar pena, situando-o na perspectiva daquele que vai dar continuidade à história e tem até o poder de decidir o destino do outro, matando-o antecipadamente se quiser. Ou seja, escolhe o sentimento mais atrelado ao gênero do drama e da tragédia do que aquele atrelado ao seu próprio, o do terror.

Isso ocorre, provavelmente, para tentar fazer o jogador comprar a mentira posterior de Catherine: de que, ao fazer a cópia, cada consciência é sorteada onde vai ficar. Ou seja, que o Simon que foi para o abismo teve sorte e o que ficou preso na instalação, azar. No entanto, é uma mentira estapafúrdia que só alguém incapaz de raciocinar direito – talvez essa seja a característica marcante de Simon, afinal – poderia acreditar. Dessa forma, quando Simon copia sua consciência para a simulação no clímax, o jogo subverte o que foi feito e permanece com a perspectiva daquele que fez a cópia. Esse Simon, então, acusa Catherine de manipulá-lo e ela o acusa de ser um idiota, ambos estando corretos.

No entanto, essa troca de perspectiva, que é tratada como uma reviravolta – e a estupidez de Simon é a base para ela ser tratado como uma – não ganha nada com isso. Na verdade, se o jogador pudesse ter controlado o Simon que acordou em Pathos II até sua morte na instalação – que não demoraria –, o significado de copiar a mente do Simon sobrevivente para a simulação teria mais peso, pois o jogador saberia que aquele seria ele agora a estar condenado. E, se esse Simon também soubesse disso – tendo um pingo de inteligência e vendo o que ocorreu com o outro –, o conhecimento poderia gerar reflexões melancólicas por parte dele, desenvolvendo sua personalidade. Em vez disso, Soma oferece um personagem marcadamente burro e uma reviravolta tola que resulta em um brevíssimo momento de fúria por parte dele.

Agora é bom lembrar que durante toda essa jornada Simon é perseguido por monstros por aí e, se isso soa estranho, é porque as criaturas de fato surgem deslocadas tematicamente no jogo. E se elas também parecem ter saído de outro lugar é porque algumas de fato foram retiradas do título anterior da Frictional Games, Amnesia: Dark Descent. Soma, por exemplo, copia o efeito de distorção da visão ao olhar par os monstros, mas, se em Amnesia isso fazia sentido – pois era uma narrativa em essência lovecraftiana, em que o elemento monstruoso é indescritível e causa loucura – aqui isso só ocorre, muito possivelmente, porque se mostrou eficiente para construir tensão em Amnesia e os desenvolvedores acharam não descartar uma boa ideia, mesmo com um contexto diferente. Além disso, os monstros estão relacionados a uma inteligência artificial aleatória, geram um antagonista aleatório e adicionam nada ao tema do jogo. Felizmente, são fáceis de desviar, só aparecem em cenários específicos e esses não são tão comuns.

Ainda assim, há um ou outro erro de design notável em sua execução. Cada um, por exemplo, tem uma particularidade, seja não poder ser visto, seja impedir que o jogador faça barulho, seja o atacando apenas em situações específicas. Contudo, essas particularidades não são reveladas de antemão e raramente há algo no design das criaturas que sugira sua característica principal. Ou seja, o jogador provavelmente só vai descobrir cometendo o erro. Um monstro em especial ainda merece destaque: trata-se de uma criatura que só ataca quando o jogador movimenta-se quando ela não está cobrindo o rosto. Como ela aparece de primeira, então? De costas, dificultando que o jogador perceba isso. Para piorar, já na segunda e última vez em que aparece, ela também foge de sua lógica inicial, sendo ativada por um barulho do cenário quando o jogador está de costas para ela, muito provavelmente o matando antes que ele perceba ou entenda o que aconteceu.

Além dos monstros, o resto da jogabilidade em Soma também é problemático. A maior parte das interações com objetos do cenário, por exemplo, é irrelevante. Pegar copos, caixas, canetas, pedras, bolinhas de papel, girar tudo em 360 graus e botar tudo de volta no lugar não serve para nada. E há muitos copos, caixas, canetas, pedras e bolinhas de papel espalhados pelas salas e corredores de Pathos II. Observando as latas de lixo e as prateleiras abundantes pelo lugar possivelmente deve fazer o jogador refletir se o protótipo de Soma chamava-se “Cleaning Simulator” e que, quando decidiram mudar para uma ficção científica, esqueceram-se de também mudar as mecânicas. Sem contar o momento inicial de total quebra de verossimilhança quando elas de fato são utilizadas: após entrar no consultório de seu médico e não encontra-lo, o jogador precisa vasculhar os documentos do sujeito em busca de uma senha, usá-la numa porta que está trancada e encontrar o médico lá dentro – que não reage ao absurdo que acabou de ocorrer e conversa com Simon normalmente.

Já as partes aquáticas iniciais – em que Simon anda de uma estação para outra no fundo do mar – são dominadas pelo tédio, com o protagonista seguindo lentamente – se o jogador não deixar de pressionar o botão de correr – por um caminho linear até seu objetivo, em silêncio, sem nada para fazer durante o processo ou até mesmo ter algo de interessante para observar no cenário – já que é escuro nas profundezas –, por vários minutos. Tirando a última do jogo, que encontra inspiração na premissa de Eclipse Mortal, simplesmente não há nada notável acontecendo nessas sequências dentro d’água.

Por fim, o jogo ainda falha ao copiar uma tendência criada por Bioshock e incluir “gravações” dos antigos funcionários de Pathos II. Em Bioshock, essas gravações funcionam, pois servem para desenvolver sua sociedade particular, usando perspectivas contrastantes para mostrar como ela funcionava antes de sua ruína. Aqui, tais gravações são os últimos momentos de cada membro da equipe, tratando mais das circunstâncias das mortes do que de suas personalidades ou do funcionamento das instalações. Assim, o jogador fica continuamente ouvindo um monte de gente pelo qual ele não tem motivos para se importar morrendo. Há uma ou outra gravação real escondida pelos cenários, mas elas são bem mais raras que essas que narram as mortes.

Soma é um jogo com ótimas ideias que não consegue aproveitar satisfatoriamente, seja devido à falta de construção de seus personagens, seja por algumas escolhas de design que sabotam o que foi trabalhado até então. No fim, o título representa uma boa oportunidade infelizmente perdida.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

26 de janeiro de 2018.

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