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Welcome to Night Vale.

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Posted 12/09/2016 by in Comédia

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4/ 5

Sumário

Genero: ,
 
Autor: ,
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título Original: Welcome to Night Vale.
 
Tradução: Joana Faro.
 
Edição: 2016.
 
Páginas: 336.
 
Capa: Rob Wilson.
 
Resumo:

Graças às peculiaridades de sua narrativa, que mistura o terror com o absurdo, é possível considerar Welcome to Night Vale um romance niilista por excelência. Assim, não poderia ser mais ironicamente apropriado o fato de a reação provocada por suas conclusões assustadoras ser justamente o riso.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Escrito por Joseph Fink e Jeffrey Cranor, Welcome to Night Vale é um livro que insere cenas típicas de fantasia urbana em uma narrativa cômica e espirituosa, encontrando no absurdo o meio ideal para explorar sua visão niilista de mundo. Baseado em um podcast do mesmo nome, trata-se de um romance divertido e surpreendentemente reflexivo em diversos momentos.

O cenário da história é a cidade de Night Vale, um lugar que parece a cria aberrante dos trabalhos de Lovecraft e Kafka, sendo regido por suas próprias regras de tempo e espaço, onde criaturas monstruosas convivem com seres humanos imersos demais em suas rotinas para se importar com o fato de que nada ao redor deles faz sentido. É uma cidade onde seres encapuzados vivem nas sombras e organizam o trânsito, pessoas uivam como cumprimento, âncoras de jornal dialogam diretamente com seus ouvintes pela televisão, uma nuvem senciente vende ingressos para o cinema e bibliotecários devoram todos aqueles que encontram. Nesse lugar, o leitor acompanha o drama de duas personagens: Diane é uma mãe solteira, que precisa lidar com o interesse contínuo do filho, Josh, em descobrir identidade do pai que o abandonou antes de nascer, enquanto Jackie, uma garota de 19 anos, tem sua vida pacata virada ao avesso quando recebe um bilhete com os dizeres KING CITY, que parece jamais sair de sua mão não importa o que faça.

A narrativa de Welcome to Night Vale é seu grande trunfo. Empregando a filosofia niilista da história na própria estrutura do texto, os autores utilizam diversas estratégias para desconstruir convenções da língua e causar um efeito cômico. Um dos artifícios mais utilizados, por exemplo, é a oposição de frases contraditórias, que ocorre tanto no nível da forma (“– Adeus – respondeu o homem com um aceno, sem dizer nada”), quanto no do conteúdo (“Jackie estava sozinha. A médica estava parada a seu lado”), gerando humor pela quebra da expectativa.

Todavia, por mais que o leitor eventualmente entenda que nem mesmo as descrições estão a salvo da insanidade daquele universo, isso não significa que as piadas tornam-se previsíveis. Uma vez que a língua é algo complexo, os autores têm a sua disposição uma vasta gama de elementos para trabalhar.

As características da comunicação, por exemplo, são subvertidas ora no campo teórico (“Ela sabia que mensagens eram para o emissor, não para o receptor”), ora no prático: o narrador volta e meia compara as intenções de ambos os interlocutores em uma conversa, revelando ao leitor que, embora o diálogo tenha tido um início, um meio e um fim lógicos na superfície, as informações que cada uma das partes queria transmitir para a outra foram perdidas por causa de inferências absurdas e erradas.

Já a ausência de um tempo linear naquele universo permite que situações metafóricas ocorram literalmente na narrativa. No trecho “Troy era exatamente como achava que era. Ele nunca amou Diane até se conhecerem. Depois, ele sempre a amou. Até o dia em que nunca a amou”, o sentimento de Troy realmente é afetado retroativamente, deixando de ter algum dia existido.

Afinal, a cidade de Night Vale segue sua própria lógica interna, baseada no acaso, no instinto, em arbitrariedades e oximoros. É comum os personagens partirem de premissas verdadeiras, mas chegarem a conclusões bem equivocadas. Jackie, por exemplo, mantém uma loja de penhores e, todo dia ao fechá-la, toma um cuidado especial com as portas, para impedir que ladrões as arrombem: “Como Night Vale não tinha horário comercial, Jackie seguia sua intuição sobre a hora de fechar a loja. Quando a sensação vinha, não tinha jeito: as portas precisavam ser trancadas, removidas dos batentes e enterradas em um lugar seguro”.

É importante notar que a maioria das piadas tem algum método por trás. Josh, por exemplo, consegue mudar de forma, o que ilustra as constantes modificações que ocorrem no corpo de um adolescente durante seu crescimento. No entanto, Josh também não sabe quem ele é em relação ao pai, à mãe e ao mundo. Ou seja, suas mutações simbolizam igualmente sua busca por uma identidade: “Josh tem várias aparências. Ele muda de forma constantemente. Nesse sentido, ele é diferente da maioria dos garotos de sua idade. Ele acha que é muitas coisas ao mesmo tempo, várias delas contraditórias. Nesse sentido, é igual à maioria dos garotos de sua idade”.

Da mesma forma, Jackie tem uma condição especial – fazer 19 anos todo ano – que é usada, em primeiro plano, para demonstrar sua imaturidade, porém, mais profundamente, também para criticar a atitude equivocada, e até mesmo opressiva, de algumas pessoas com relação a doenças como a depressão: uma das perguntas que Jackie mais tem que ouvir é “Mas, você já tentou fazer vinte?”, como se fosse algo que simplesmente dependesse de seu esforço para ser superado.

Os autores estabelecem um conflito entre envelhecer e ser jovem com as duas personagens principais. Os contrapontos são inúmeros: o discurso motivacional de Jackie em determinado momento, por exemplo, é tipicamente juvenil em seu imediatismo (“Nós vamos conseguir. É só seguir em frente sem pensar nas consequências”), enquanto os de Diane invariavelmente caem para o sermão e para a condescendência.

Com Diane, o livro também trabalha com as dificuldades da maternidade, mostrando a exaustão resultante da dupla jornada de trabalho, além de proporcionar, no meio de toda a loucura, momentos realmente tocantes, como o quase audível “também te amo” de Josh, após uma discussão habitual com a mãe.

No entanto, acima de tudo, Welcome to Night Vale é um livro niilista, preocupado com a desconstrução de valores e convicções. Personagens constantemente refletem sobre o vazio existencial, a falta de sentido da vida, a própria insignificância e a inutilidade de seus problemas. Além de ter respaldo na própria forma do livro, essas ideias são ainda reforçadas pelas reviravoltas da história, que demonstram, em termos gerais, como os personagens, mesmo os principais, são diminutos no contexto geral do universo, como os eventos são arbitrários em natureza e como não há uma lei de causalidade organizando tudo – o que não significa, vale apontar, que a narrativa não seja bem amarrada.

O livro peca apenas pela sua extensão: há diversos eventos irrelevantes que não cumprem qualquer função narrativa além de servir com fanservice para os ouvintes do podcast, como a visita de Jackie ao laboratório do cientista Carlos: nada ocorre ali de significativo e, se tal cena fosse cortada, sua ausência sequer seria percebível.

Graças às peculiaridades de sua narrativa, que mistura o terror com o absurdo, é possível considerar Welcome to Night Vale um romance niilista por excelência. Assim, não poderia ser mais ironicamente apropriado o fato de a reação provocada por suas conclusões assustadoras ser justamente o riso.

por Rodrigo Lopes C. O. de  Azevedo.

09 de dezembro de 2016.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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