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O Espadachim de Carvão.

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Posted 02/14/2016 by in Fantasia

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Nota:
 
 
 
 
 

2/ 5

Sumário

Genero: ,
 
Autor:
 
Editora: ,
 
Idioma Original:
 
Título: O Espadachim de Carvão.
 
Edição: 2014.
 
Páginas: 255.
 
Capa: Ralph Damiani.
 
Resumo:

Se não fosse por algumas excentricidades e os problemas no clímax, O Espadachim de Carvão teria se configurado uma obra regular de literatura fantástica, apresentando uma história com tema definido e corretamente desenvolvido. No fim, pode-se atestar que ele tem, pelo menos, potencial para render continuações melhores.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

O Espadachim de Carvão, escrito pelo ilustrador e storyboarder Affonso Solano, é um livro nacional de fantasia consideravelmente simples: sua estrutura narrativa é episódica, seu universo fantástico é descrito superficialmente e sua história é objetiva. No entanto, o autor ainda assim comete alguns tropeços notáveis, volta e meia exagerando na carga de exposição e pesando a mão no estilo do texto.

A história do livro transcorre no mundo de Kurgala, habitado pelos mais diversos seres fantásticos, que foi há muito abandonado pelos quatro deuses que o povoaram. Adapak, filho de um desses deuses, vive isolado em uma ilha até um grupo de assassinos atacá-lo e começar a persegui-lo implacavelmente. Viajando pelo mundo pela primeira vez, Adapak parte em uma jornada de autoconhecimento, enquanto procura desvendar o mistério por trás do grupo que deseja matá-lo.

A estrutura do livro segue um padrão episódico típico de aventuras. A cada capítulo, Adapak conhece novas regiões de Kurgala e faz novas amizades para, em seguida, fugir de seus perseguidores, partindo para outro lugar. Solano acerta no ritmo ao montar sua história, alternando entre eventos no presente, em que as cenas de ação ocorrem, e flashbacks, em que os personagens são desenvolvidos.

Nos flashbacks, o leitor é apresentado aos diversos indivíduos que participaram da vida de Adapak: seu mentor Barutir, seu treinador Telalec, seu colega Dannum e sua namorada T’arish. Nesses capítulos, a relação entre eles é exposta para ser subvertida logo depois: se Barutir surge inicialmente sábio, ele revela-se tolo quando novamente encontrado pelo protagonista; se o romance com T’arish parecia durar para sempre, no presente ele é apenas uma memória. Essa inversão é responsável por fomentar a atmosfera opressiva dos eventos atuais e torná-los mais intensos – se antes Adapak vivia de forma tranquila e pacífica, agora nem seus pontos de apoio existem mais para segurá-lo.

É só uma pena que alguns desses personagens não assumam qualquer função adicional, principalmente T’arish, que ganha considerável destaque, mas jamais interfere ativamente na história. A intenção do autor possivelmente foi deixá-la aparecendo apenas em lembrança para simbolizar o que ela significa para o protagonista, mas isso não o impedia de fazer a relação ter algum efeito prático nos planos de Adapak – é provável que T’arish apareça nas inevitáveis sequências, o que não muda o fato de que ela deveria ter importância nesse volume, visto que nele a relação é desenvolvida.

Outro ponto fraco da estrutura é o clímax, em que Solano cede ao clichê do vilão que explica tanto seu plano quanto sua motivação ao protagonista de forma didática. Além disso, todo o entrave é resolvido muito rapidamente não dando espaço para a tensão do confronto final ser devidamente aproveitada. Seu único ponto positivo é conter uma ótima pista e recompensa, que resgata inesperadamente uma informação do início do livro.

A história de O Espadachim de Carvão, apesar de ir direto ao ponto – não apresentando tramas paralelas ou dramas e conflitos adicionais – funciona. Solano coloca a inocência de seu protagonista sob o holofote, fazendo um contraponto entre Adapak e todas as pessoas que ele encontra: enquanto ele é ingênuo e bom, elas se mostram sempre maliciosas e com segundas intenções. Dessa forma, o autor faz um paralelo entre a jornada de Adapak e a passagem da juventude para a idade adulta, em que o indivíduo assume sua própria identidade, adquire mais responsabilidades e ainda se vê subitamente sozinho em um cenário muito mais hostil do que estava acostumado.

Solano também elabora um universo diversificado o suficiente para render mais histórias, contendo inúmeras raças únicas e não somente anões, elfos e outros seres da Terra-Média. O próprio Adapak, por exemplo, não é humano, mas um ser humanoide da cor de carvão com traços anfíbios e assustadores olhos brancos. Essa variedade de espécie encanta o leitor, pois ganha reflexos na linguagem, com direito a termos e xingamentos inusitados (“O mau’lin jogou as moedas no chão da cabine e saiu pela porta, resmungando algo em sua própria língua. Adapak traduziu como ‘fêmea cujo órgão reprodutor é desagradável ao olfato’, ou algo parecido”) que entregam individualidade e credibilidade a esse universo.

Contudo, apesar de conter traços únicos, Kurgala é descrita de forma simplória: seus aspectos políticos são praticamente esquecidos pelo autor, que também não perde muito tempo caracterizando os cenários. Dessa forma, Solano deixa muito a cargo da imaginação do leitor. Essa é uma escolha que acelera a narrativa, mas ao mesmo tempo impede que o universo se torne tão rico quanto poderia ser.

Ainda assim, o autor consegue a proeza de escrever momentos de exposição exacerbada. Normalmente, as características do universo são deixadas para serem explicadas no treinamento de Adapak quando criança (uma forma clássica de se contextualizar uma explicação didática é introduzir um recruta e uma cena de treinamento na história), porém volta e meia os personagens acabam revelando informações em situações completamente absurdas, indicando a falta de sutileza do autor. Um dos piores momentos é quando, após salvar uma menina de ser executada, Adapak decide informá-la sobre a origem do sistema métrico usado por ela mesma: “Sabe, a medida de distância que vocês mortais usam vem dos cascos desses animais. – Adapak falou, apontando para a pata do sisu, que media cerca de um palmo do rapaz”. A explicação, além de completamente imprópria para o momento – ainda que o protagonista perceba isso logo depois e culpe seu estado de pânico, ela permanece gratuita –  é também irrelevante, visto que o leitor poderia ter prosseguido a leitura sem qualquer prejuízo.

Também é passível de reclamações a mão pesada do autor no estilo gráfico de seu texto: Solano abusa de itálicos ao ponto de cometer mais de um erro em seu uso – chegando a lembrar J. K. Rowling com Morte Súbita, em que ela usa parênteses descontroladamente. Aqui, é praticamente garantido que cada página terá pelo menos um termo em itálico, com algumas chegando a ter sete. O principal problema é que o itálico é um recurso costumeiramente utilizado para ressaltar palavras e, como o autor abusa desse artifício, ele deixa o livro inteiro afetado: todo mundo fica frisando termos – muitas vezes aleatórios – o tempo inteiro. Solano parece determinado a ficar ditando o ritmo que os personagens falam e a marcar sempre que eles reforçam qualquer palavra no discurso, o que até seria compreensível se feito de forma comedida. Porém, como não é, o autor acaba chamando muita atenção para si mesmo, tirando o leitor da história, além de tornar a narrativa extremamente repetitiva.

Não somente isso, como Solano acaba causando outros efeitos negativos com esse recurso. Tem vezes, por exemplo, em que ele usa o itálico para destacar uma palavra que já tinha destaque, como no trecho: “Mas eles são… feios“. O termo ‘feio’ já é realçado por vir após reticências, mas ainda assim o autor o põe em itálico, usando dois artifícios ao mesmo tempo e, assim, reforçando um reforço. Já em outro momento, Solano soa pedante ao chamar muita atenção para o próprio trabalho, pois coloca o itálico justamente em uma palavra que utilizou de forma inusitada para indicar as diferenças de linguagem daquele mundo (“Torça para que o ferimento não se corrompa, olhos brancos”). Ou seja, o autor basicamente aponta com setas vermelhas para como ele foi muito sagaz em substituir ‘infeccionar’ por ‘corromper’.

Se não fosse por essas excentricidades e os problemas no clímax, O Espadachim de Carvão teria se configurado uma obra regular de literatura fantástica, apresentando uma história com tema definido e corretamente desenvolvido. No fim, pode-se atestar que ele tem, pelo menos, potencial para render continuações melhores.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

14 de fevereiro de 2016.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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