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Inovação e a E3.

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Posted 03/12/2015 by in

AVISO

 
Atenção:

Os artigos do Literatura em Pauta discorrem sobre temas diversos e têm o intuito de aprofundar a análise de determinada obra, seja ela livro, jogo ou filme. Eles também podem discutir a situação de determinada indústria ou qualquer assunto que a equipe do Literatura em Pauta considerar revelante. Nem o céu é o limite.

Nada impedirá, portanto, que o presente artigo contenha spoilers sobre a obra de que trata. Se ele for discutir o filme Magnólia e compará-lo com o jogo The Last of Us sob o prisma do Casamento Vermelho de As Crônicas de Gelo e Fogo, esperem spoilers desses títulos. Eles serão inevitáveis. Estejam avisados.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
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O presente artigo busca discutir brevemente as alegações feitas durante a E3 – a edição de 2013 especificamente – de que a indústria de games está apenas reciclando ideias e que novas IPs (propriedades intelectuais) são cada vez mais raras e necessárias. Essas alegações, dessa vez surpreendentemente direcionadas à Nintendo, merecem ser debatidas mais profundamente.

De início, vale atestar que as reclamações quanto ao “mais do mesmo” apresentadas em diversas análises da conferência da Nintendo na E3 deveriam ser estendidas para todas as empresas. A Sony apresentou um novo Killzone e Infamous enquanto a Microsoft mostrou Forza e anunciou outro Halo. O grande jogo da Square Enix, além de Kingdom Hearts, foi Final Fantasy XV. Apenas preste atenção no número. Ou seja, foram diversas as franquias anunciadas: não foi só a Nintendo que decidiu trilhar um caminho seguro; todos decidiram. O que resultou no chamariz em cima dela foi somente o fato de ela ter calhado de anunciar mais jogos conhecidos que as outras companhias (o WiiU tem um número de exclusivos igual aos do PS4 e do Xbox One somados), se tornando mais evidente. Porém, lançar diversos jogos de franquias conhecidas não é necessariamente algo ruim. Na verdade, justamente pelo contrário.

É evidente que a indústria de jogos de videogame se sustenta por intermédio de suas grandes franquias. Cada ano sai um novo Assassin’s Creed e um Call of Duty, volta e meia um Mario, e milhões de unidades são vendidas. Várias pessoas, portanto, reclamam (embora comprem suas cópias mesmo assim) e exigem a vinda de jogos novos.

O pedido delas é válido, afinal originalidade é sempre bem vinda. Contudo, atualmente ela está sendo supervalorizada. A inovação tem seus lados negativos: imagine um jogo que é elogiado por apresentar uma mecânica original. Ele possui, entretanto, várias falhas em sua execução, mas que são relevadas devido à originalidade dessa mecânica principal. Jogos inéditos costumam seguir esse padrão, pois é dificílimo explorar todo o potencial de algo novo na primeira vez em que esse algo utilizado. Agora imagine centenas de jogos similares: a indústria ficaria repleta de experimentos e jamais se desenvolveria direito. Portanto, de que serve serem apresentadas novas mecânicas a cada título lançado se não houver as devidas sequências para desenvolvê-las ao máximo? Evoluir e complementar são as verdadeiras funções de uma sequência. Sem elas, ficaríamos apenas com protótipos.

Também vale discutir as inovações superficiais, normalmente observadas na arte utilizada em um jogo. Ótimos gráficos vendem qualquer título, independentemente de sua qualidade. E não somente os gráficos, como também a apresentação: mude apenas isso e muitas pessoas acreditarão firmemente que tudo se transformou. Entretanto, apertar A para estrangular um sujeito por trás, silenciosamente, e apertar A para enfiar uma espada em seu pescoço por trás, silenciosamente, são claramente a mesma ação. A única coisa que realmente muda é a animação e, em alguns casos, o contexto irrelevante – estar em um galpão recheado de dentistas nazistas zumbis ou em uma nave alienígena tripulada por porcos lovecraftianos bípedes pouco importa se o universo do jogo responde as suas ações da mesma forma.

Isso leva aos diversos jogos inéditos que poderiam muito bem ser os antigos com uma roupagem nova. Assim, veja o exemplo da Ubisoft, que chama um jogo de The Crew, afirmando ser um título inédito, embora pudesse certamente ser mais um Need for Speed se fosse feito pela EA. Ou pegue a grande franquia que iniciará esse ano, Watch Dogs, e perceba como nada teria impedido o jogo de ser um Assassin’s Creed que finalmente se passa no presente. Imagine o terror das pessoas se assim fosse: “Dois jogos Assassin’s Creed saindo em menos de um mês! O absurdo! Olha o estado dessa indústria!”. Bastou a Ubisoft tirar qualquer traço de templários da história e pintar a jaqueta do protagonista de uma cor que não branca e o povo foi à loucura. Em outras palavras, algumas pessoas estão tão atreladas ao conceito de IP que batem palmas mesmo quando ele não apresenta nada realmente novo; quando suas mecânicas e ideias poderiam ter pertencido também a um jogo conhecido.

Além disso, ainda existem aqueles mais neuróticos que exigem mudanças colossais na forma, na linguagem e na apresentação de uma sequência para justificar seu lançamento. Apenas mude a arte e a indústria de entretenimento e note qual seria o resultado. Imagine se as pessoas saíssem do cinema reclamando que Christopher Nolan não mudou a fórmula narrativa de seus filmes da franquia Batman? Ou que são todos fotografados seguindo a mesma estética e compartilham os mesmos temas? E se os leitores começassem a exigir que cada livro sobre Harry Potter ou As Crônicas de Gelo e Fogo possuísse uma narrativa diferente? Ou uma narração nova em “uma pessoa” original? Sete livros formalmente iguais? Que ultraje! Enfim, algumas pessoas simplesmente precisam entender que originalidade tem limite e lugar apropriado.

Inovação é certamente saudável e serve muitas vezes para renovar uma indústria e uma arte. Mas não é como se as principais companhias não estivessem trabalhando em novos IPs realmente válidos. A Sony possuirá no lançamento do PS4 um jogo de plataforma e ação em que o protagonista absorve seus inimigos e aumenta de tamanho, chamado Knack. Em setembro, a Nintendo, em parceria com a Platinum Games, trará a insanidade de The Wonderful 101, em que o jogador controlará diversos heróis e fará coisas insanas com eles – o jogo é tão caótico que é realmente complicado descrevê-las. E a Microsoft terá exclusivamente Ryse, um jogo baseado no Império Romano que possivelmente provará que fundamentar totalmente a ação em “quick time events” não é uma boa ideia – ou seja, também vale notar que não é porque o jogo vai trazer uma ideia original que ela será, até mesmo em teoria, boa ou válida.

A indústria de videogames não está carente de inovação. Há muitos jogos novos em desenvolvimento, e vários que estão prestes a ser lançados realmente são interessantes. Devemos, aliás, agradecer a presença dessas inúmeras franquias de sucesso e suas sequências porque são elas que sustentam o mercado. Jogos muito originais que tem a ousadia de ser igualmente estranhos não vendem nem o suficiente para alimentar a família dos desenvolvedores. A Cing, de títulos como Hotel Dusk e Little King Story, por exemplo, faliu. Em outras palavras, a indústria precisa tanto de novas IPs quanto das usuais sequências. E, felizmente, estamos conseguindo as duas coisas.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

Publicado originalmente em 21 de Setembro de 2013.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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