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Objetos Cortantes.

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Posted 09/13/2018 by in Suspense
Objetos-Cortantes-capa do livro

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Nota:
 
 
 
 
 

3/ 5

Sumário

Genero:
 
Autor:
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título: Objetos Cortantes.
 
Título Original: Sharp Objetcs.
 
Tradução: Alexandre Martins.
 
Edição: 2015.
 
Páginas: 256.
 
Resumo:

Objetos Cortantes é um suspense que funciona mais como um drama do que como suspense propriamente dito. Enquanto sua protagonista mostra-se fascinante com sua personalidade conturbada, e as discussões apresentadas caminham para uma conclusão acertada, a parte da investigação em si simplesmente não empolga.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Escrito por Gillian Flynn, Objetos Cortantes é um suspense com uma atmosfera sufocante, infelizmente desperdiçada por uma trama vagarosa demais. A narrativa conta com uma protagonista fascinante, mas isso não compensa o ritmo lento com que sua investigação é realizada.

A trama segue a repórter Camille Preaker quando ela é designada a cobrir uma série de assassinatos e desaparecimentos de crianças em sua cidadezinha natal, Wind Gap, onde precisa rever sua família e sua odiosa mãe.

O livro abre problematizando o amor materno, relatando um caso de negligência que levou à morte dos filhos de uma mulher. A narrativa revela-se preocupada em discutir pressupostos e convenções relacionados a gênero: por se tratar de um assassino em série, por exemplo, nenhum habitante assume que uma mulher possa ser a culpada, e muito menos a polícia, que alega incompatibilidade de perfil. Por outro lado, um policial é irônico, depois de ouvir sobre o estupro coletivo de uma menina, ao alegar estar surpreso de que a vítima não teve que pedir desculpas para seus agressores numa cidade como aquela. As próprias mulheres de Wind Gap defendem que a mulher nasce para ser mãe, quase como um dever biológico, julgando negativamente aquelas que não são. Em determinado momento, Camille, fruto de Wind Gap, discute com um homem que está defendendo ser estupro quando um homem fazer sexo com uma mulher bêbada, chamando-o de machista, por achar que ele está protegendo demais as mulheres e retirando sua autonomia. Todavia, os motivos de tal absurda declaração são posteriormente revelados, conferindo um ar trágico à personagem.

A relação entre Camille e sua mãe, Adora, é conturbada. O distanciamento entre as duas surge até positivo, visto que qualquer momento de contato entre as duas quase sempre se resume a reprimendas e ataques verbais ácidos. O amo materno aqui é quase inexistente, resistindo apenas pela insistência de Adora em ser ocasionalmente carinhosa, quase como se estivesse agindo por obrigação.

Já Camille é uma personagem complicada, que sofre com uma depressão grave e comete atos violentos contra o próprio corpo. O livro é narrado em primeira pessoa, imergindo o leitor em seus pensamentos autodepreciativos (“…sou uma jornalista de segunda”) e sufocantes (“Eu sentia as lágrimas represadas, como um balão de água cheio prestes a explodir. Suplicando por um furo de alfinete”).

Nesse sentido, Gillian é eficiente ao captar a desesperança da personagem e sua falta de vontade de viver, desprovendo-a de qualquer tipo de âncora emocional. A personagem não quer voltar para sua cidade natal, de onde guarda lembranças terríveis, mas sua vida atual como repórter não é muito melhor, sem animais, namorados, plantas, amor pelo trabalho ou hobbies. Ela está imersa na própria depressão. Quando Camille vai tomar banho, ela descreve sua toalha como “fina e vagabunda”, aponta o chuveiro para longe dela, senta e observa o pelo pubiano de alguém flutuando.

Camille se corta, embora condene o ato constantemente, sentindo vergonha das marcas – o que contribui para a sua depressão, formando um ciclo depreciativo que se autoalimenta. O ato soa tragicamente inevitável, mesmo que sua forma seja um tanto excêntrica – e a demora da narrativa para revelar como ele ocorre espelha a vontade da personagem de manter aquilo em segredo.

Nem todas as características da personagem são tão bem desenvolvidas, porém. Sua competição com a irmã que morreu ainda jovem, por exemplo se resume à frustração de Adora que pensa como “A minha filha que queria tanto viver morreu, enquanto a que quer morrer continua vivendo” –  ideia que é repetida sempre que surge a oportunidade.

Já o cenário de Objetos Cortantes é tão sufocante quanto o ponto de vista de Camille. A cidade, cujos eventos mais importantes em sua história são o assassinato de crianças, é acertadamente comparada a um cemitério em determinado momento: “…prendi a respiração ao passar pela placa que me dava boas-vindas a Wind Gap da forma como crianças fazem ao passar por cemitérios”. Enquanto isso, seus efeitos danosos à protagonista são explicitados de forma direta: “Wind Gap era tóxica para mim. Aquela casa era tóxica para mim”.

Se a ambientação e os personagens são o ponto alto do romance, a investigação é seu ponto fraco. O principal problema dessa parte envolve a letargia com que descobertas vão sendo feitas, com diversas entrevistas aparentemente não levando a lugar algum, enquanto o trabalho investigativo da polícia permanece oculto até o final. Dessa forma, a empolgação pela solução do crime vai minguando – algo que é potencializado pela personalidade fria e distante de Camille, que parece investigar por obrigação profissional.

Wind Gap é uma cidade onde quase todo mundo tem um discurso ensaiado, embora muitos deles sejam retirados de programa de TV, revelando ignorância e não algo para esconder. Camille vem de uma cidade onde tudo é performance e fingimento, o que dificulta sua investigação. Assim, a narrativa tem que empregar elementos pouquíssimos sutis para apontar para os principais suspeitos, seja colocando que uma determinada pessoa tem surtos de raiva e sinais de psicopatia, seja afirmando que determinado personagem começou a agir de “modo muito estranho” depois dos assassinatos. A revelação final, então, não produz qualquer impacto como reviravolta, embora funciona tematicamente, amarrando as discussões de gênero suscitadas ao longo da narrativa.

Objetos Cortantes é um suspense que funciona mais como drama do que como suspense propriamente dito. Enquanto sua protagonista mostra-se fascinante com sua personalidade conturbada, e as discussões apresentadas caminham para uma conclusão acertada, a parte da investigação em si simplesmente não empolga.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

13 de setembro de 2018.

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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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