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Tacoma.

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Posted 05/26/2018 by in PC

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Nota:
 
 
 
 
 

4/ 5

Plataforma: ,
 
Título: Tacoma
 
Publicador: Fullbright.
 
Desenvolvedor: Fullbright.
 
Duração Média: 4 horas.
 
Lançamento: 02/08/2017,
 
Resumo:

Tacoma é um título imaginativo que trabalha o desenvolvimento de suas ideias e da maioria dos seus personagens com competência, renovando uma das mecânicas mais estagnadas do gênero. É só uma pena, portanto, que a perspectiva com que enxergamos esse universo não seja tão fascinante quanto o próprio.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Tacoma é uma ficção científica que explora indiretamente um futuro distópico, dominado por grandes corporações, focando nas relações interpessoais da tripulação de uma estação espacial em crise. Renovando o já esgotado uso de audiologs ao ponto de conseguir sustentá-los como sua mecânica principal, o título só peca narrativamente ao apostar que uma única reviravolta seria suficiente para compensar a falta de desenvolvimento de um de seus personagens principais.

Em Tacoma, o jogador controla Amy em primeira pessoa, uma mulher recém-contratada pela empresa Venturis para recuperar os dados da estação espacial Tacoma junto com a inteligência artificial que a comandava, chamada ODIN. Chegando lá, a personagem depara-se com diversos vídeos de realidade aumentada, formando um holograma colorido de cada tripulante, e percebe que foram gravados antes da evacuação forçada do lugar.

A mecânica principal do jogo envolve o manuseio desses vídeos, levando à análise da interação dos antigos funcionários da Venturis na estação. Os vídeos podem ser acelerados, rebobinados e até mesmo pausados, fazendo os hologramas moverem-se e agirem de acordo. Como os tripulantes raramente estão agrupados todos no mesmo lugar, manusear o tempo do vídeo é fundamental para que se possa observar todo mundo, visto que enquanto a técnica de informática Natali está conversando com sua esposa em uma sala, por exemplo, a médica Sareh pode estar se abrindo para ODIN perto dali e a comandante Evelyn, discutindo escondida com um colega em outro lugar sobre suas chances de sobrevivência.

A primeira gravação que o jogador encontra mostra a reação da tripulação durante uma festa quando a estação parece ser atingida por meteoros e o suprimento de oxigênio torna-se limitado. O papel do jogador é basicamente a de um voyeur, visitando cada instalação da nave e assistindo as gravações de uma forma não linear para tentar montar o panorama do que aconteceu e descobrir um pouco mais sobre aquelas pessoas.

O fato de seus diálogos serem transmitidos por hologramas funciona muito melhor que um simples audiolog, pois torna os personagens tangíveis, permitindo que o jogador possa observar não somente suas palavras e entonação, mas também sua postura corporal e seus gestos. Paradoxalmente, os hologramas são genéricos, incapazes de representar fielmente o indivíduo, capturando unicamente seu formato e designando uma cor a ele junto com o símbolo de sua função, o que cria uma ambivalência em sua representação: torna-os mais humanos, mas também os despersonaliza. Além disso, a mecânica de controlar o movimento deles reforça ainda mais esse aspecto voyeur, visto que o jogador não vai ficar parado ouvindo-os falar, mas acompanhá-los enquanto andam pela estação. Em outras palavras, quando transforma audiologs em hologramas, Tacoma torna uma ação que era estática e passiva em uma dinâmica e ativa.

Isso também gera momentos que trabalham com perspectiva. Ao acompanhar o holograma de Evelyn em determinada cena, por exemplo, o jogador assistirá a uma breve conversa com Sareh como um evento rotineiro e profissional, sem prestar atenção especial na médica. Ao segui-la, entretanto, presenciará ela sofrendo um ataque de pânico minutos antes daquele encontro, que então deixa de ser rotineiro e transforma-se em um momento de bravura e autocontrole.

As personalidades dos tripulantes são formadas gradativamente por elementos externos, como a leitura de seus e-mails – também acessados em hologramas –, bilhetes e até mesmo pelas suas abas de pesquisa abertas. Natali, por exemplo, que é identificada pela cor vermelha no holograma, tem sua agitação e energia transmitida por uma profusão de caixa alta em suas mensagens; sua atitude informal, pelo vocabulário descompromissado que usa (“I asked Odin to look up some stuff”); e sua jovialidade, pela forma brincalhona com que trata sua esposa, a engenheira mecânica Roberta, chegando a pular em seus braços em determinada cena.

Já o botânico, Andrew, é construído a partir de sua relação com sua família. Seu orgulho é exposto em um e-mail ao marido, quando recusa a ajuda financeira dos sogros, preferindo ficar longe de sua família se isso significar que conseguirá pagar a faculdade de seu filho sozinho. Andrew abertamente se considera pouco valorizado, tanto na família – graças a seu sacrifício –, quanto na nave, graças à rejeição de seus colegas quanto às orquídeas que ele cultivou. No entanto, seu sacrifício é autoimposto, e sua atitude quanto às orquídeas chega a ser passivo-agressiva: “So glad SOMEbody wanted one these beautiful orchids” ele escreve para Sareh, basicamente sua única amiga na nave.

Se Natali reage a iminente tragédia na nave aumentando a intensidade de suas interações, vivendo na esperança de conseguirá encontrar uma solução, e enviando mensagens leves e engraçadas para seus colegas para manter a aparência de normalidade, uma das abas abertas de Andrew uma hora informa sobre as particularidades do seguro de vida que a empresa oferece, mostrando não somente seu pessimismo, mas também a preocupação com sua família.

Os quartos de cada tripulante também são recheados de detalhes narrativos. A médica, Sareh, que surge sempre conversando com ODIN – às vezes confiando segredos a ele, às vezes questionando seu grau de autonomia e senciência – tem como livro de cabeceira de banheiro, por exemplo, uma autobiografia escrita justamente por uma IA.

Esses elementos externos constroem não somente personagens complexos, mas também um universo distópico fascinante, em que o capitalismo foi subvertido pelas grandes corporações que basicamente completaram sua metamorfose em Estados próprios, graças a sua influência, poder e função. Elas têm suas próprias moedas correntes, suas próprias universidades, suas próprias formas de persuasão forçada e controle. É um futuro opressivo, em que uma pessoa trabalha para uma empresa para conseguir pagar, com o dinheiro da empresa, a universidade da empresa para seu filho poder no futuro trabalhar para a mesma empresa. Os personagens estão presos na estação Tacoma, mas também naquela sociedade por seus contratos com Venturis, tentando sem muito sucesso escapar das garras de seus empregadores.

A história de Tacoma trabalha bem com essa premissa, discutindo, por exemplo, como o fato de o capitalismo gerar como fim máximo o lucro torna empatia um luxo para ser usufruído somente quando conveniente. Na cena em que questionam se Venturis fará de tudo para salvá-los, a líder, Evelyn, explica essa triste verdade para sua tripulação, sendo bastante objetiva: “If it doesn’t make dollars, it doesn’t make sense”. O poder político das megacorporações torna-se tão grande que não gera mais espanto que sejam elas a verdadeira fonte das leis, colocando a resistente influência de sindicatos como uma última linha de defesa contra a exploração servil do trabalho.

A sociedade em Tacoma não é mais organizada em uma democracia. Afinal, o povo, na melhor das hipóteses, é uma ferramenta para quem de fato funciona como a origem e legitimação do poder político e, na pior, um obstáculo inconveniente. Não é à toa que a figura do sindicato surge como uma de resistência: como a própria jornada dos personagens vai mostrar, a única defesa contra um empregador opressor é a união entre os empregados. Competitividade reforça-se, assim, como um método clássico de controle político para dilapidar as forças contrárias à manutenção da opressão trabalhista.

A narrativa, portanto, não somente vilaniza o mercado como também o institui de um poder imensurável – o CEO da Venturis, por exemplo, é considerado um deus por revista encontrada –, tratando-o como um inimigo devastador e desprovido de humanidade. Essas discussões acertadamente não permanecem no pano de fundo do jogo, mas estão amarradas à sua trama principal, moldando os conflitos pessoais dos personagens e ditando as eventuais revelações e reviravoltas.

A atmosfera de suspense que cerca os eventos em Tacoma é acompanhada também pelo mistério acerca da inteligência artificial chamada ODIN. Com um avatar sinistro, que lembra uma pirâmide illuminati de cabeça para baixo, com direito a um olho no centro, e seu tom de voz contrastante, sempre calmo e gentil, ODIN é uma figura ambivalente: de um lado, surge opressora, com sua onipresença fazendo-a estar em todos os lugares ao mesmo tempo, mesclando deveres de tons díspares: ODIN pode estar fazendo um dever burocrático em uma sala, ao gravar um relatório mensal de Evelyn, enquanto, em outra, um tripulante dita para ele uma carta de despedida para sua família. Do outro, a IA surge empática e gentil, ajudando Sareh a sair de sua crise de pânico, por exemplo, e chegando a perguntar como ela está no final como se de fato se importasse. Como Venturis bloqueia o acesso ao código de ODIN, sua participação nos eventos torna-se imediatamente uma suspeita, levando o jogador a analisar as ambiguidades de seus comentários em busca de algo revelador.

Ao contrário do título anterior da Fullbright, Gone Home, a narrativa de Tacoma não contém red herrings, com todos os elementos introduzidos sendo efetivamente utilizados, às vezes de forma direta, às vezes de forma subversiva.

O principal problema do jogo, assim, reside na personagem que o jogador controla. Dificilmente podendo ser considerada a protagonista da história – esse posto é disputado entre Serah e Odin – , já que mais observa do que qualquer coisa, Amy é uma figura em branco até o final, sem tecer qualquer comentário sobre o que observa. Essa ausência de desenvolvimento permite uma reviravolta final, mas paga um preço grande por ela, retirando agência das mãos do jogador, que até aí trata Amy mais como um avatar do que como um personagem único. Isso reflete como a própria Venturis enxerga sua empregada, sem dúvidas, mas em contrapartida a torna uma figura desinteressante durante toda a história.

Mesmo assim, Tacoma é um título imaginativo que trabalha o desenvolvimento de suas ideias e da maioria dos seus personagens com competência, renovando uma das mecânicas mais estagnadas do gênero. É só uma pena, portanto, que a perspectiva com que enxergamos esse universo não seja tão fascinante quanto o próprio.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

26 de maio de 2018.

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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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