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What Remains of Edith Finch.

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Posted 06/22/2018 by in PC

Rating

Nota:
 
 
 
 
 

5/ 5

Plataforma: , ,
 
Título: What Remains of Edith Finch.
 
Publicador: Annapurna Interactive.
 
Desenvolvedor: Giant Sparrow.
 
Duração Média: 4 horas.
 
Lançamento: 25/04/2017
 
Diretor: Ian Dallas.
 
Compositor: Jeff Russo
 
Roteirista: Ian Dallas.
 
Resumo:

What Remains of Edith Finch trabalha o gótico de forma exemplar, utilizando seus elementos clássicos para problematizar o tema da morte, enquanto traz uma estética inovadora que adiciona ainda mais à narrativa.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Um dos principais elementos caracterizantes do gênero gótico é a presença fantasmagórica do passado, que volta para assombrar os personagens em meio às ruínas de onde vivem. O cenário em What Remains of Edith Finch é uma casa construída em cima de memórias, que atuam como uma maldição para a família da protagonista. Usando abordagens e estéticas variadas para revivê-las, o jogo revela-se um brilhante exemplar do gênero, construindo uma atmosfera melancólica, carregada de perda e dúvida, enquanto conta histórias que impressionam tanto pelo seu conteúdo trágico, como pela forma com que são apresentadas.

O jogador controla a jovem Edith em primeira pessoa, observando o mundo por seus olhos e lendo as palavras de seu diário pairando sobre o ambiente. Quando sua mãe falece, Edith descobre que uma misteriosa chave foi deixada como herança e agora, sendo a última descendente da família Finch, sente a necessidade de desenterrar as histórias da família enquanto viaja de volta para a casa em que passou a infância.

A casa Finch é uma personagem à parte. De longe, centralizada em um ambiente pantanoso, ela parece retorcida, com adendos formando uma torre torta, que mal parece estar se segurando no lugar. Por dentro, ela é ostentosa, contendo diversos andares e quartos e um amontoado exagerado de livros, fotografias, bilhetes e diários que, tomando boa parte do espaço, conferem ao lugar um ar claustrofóbico. Trata-se de uma verdadeira mansão gótica, labiríntica e repleta de passagens secretas, escondendo um passado misterioso. Seu interior, há muito abandonado, reflete a decadência da família Finch, que, contrariando o padrão do gênero, não é aristocrática, mas burguesa. Seu padrão de vida, contudo, reflete a daquela antiga classe social, com a arquitetura do lugar acompanhando esse desejo, ao emular diretamente os grandes casarões vitorianos. Edith resume logo no início do jogo sua postura diante do lugar, nomeando o sentimento que mais diretamente relaciona com ele: medo.

Enquanto explora a casa, que contém sua grande parcela de excentricidades, Edith também vai explorando a vida daqueles que a habitaram. A lógica por trás do design do lugar é uma de cumulação: as novas gerações Finch não são alojadas nos quartos de seus ascendentes, mas em novos aposentos construídos exclusivamente para elas. As palavras do diário de Edith assumem, então, um papel importantíssimo nesse aspecto da narrativa, surgindo em meio aos inúmeros objetos da casa – às vezes coladas nas paredes, às vezes flutuando sobre algum objeto suspeito – para servir como narração, contextualizando esse elementos, além de funcionar como guia para o jogador, apontando para o que é importante no cenário.

A morte é o principal antagonista em What Remains of Edith Finch e também a obsessão de seus personagens. Se alguns membros da família chegam ao ponto de monstrificá-la, enxergando-a como uma criatura espreitando nas sombras, quase todos concordam em considerá-la uma maldição que abate sobre os Finch, gradativamente roubando cada um de seus membros. Como Edith aponta em determinado momento, a primeira coisa construída nas terras de sua família foi um cemitério. Os quartos daqueles que já partiram permanecem intactos como uma forma de protesto, uma forma de negar à morte o apagamento completo de suas vítimas, tornando a casa um símbolo de resistência.

Nesse sentido, é extremamente apropriado que a principal dinâmica do jogo seja reviver memórias, ressuscitando momentaneamente cada uma daquelas pessoas enquanto se lê seus diários, cartas e confissões. Nesses instantes, o jogador larga Edith e passa a controlar o personagem da memória em questão, revivendo seus últimos momentos. Assim, essas histórias assumem um papel paradoxal, representando uma pequena vitória ao mesmo tempo em que surgem como uma assombração: uma lembrança do que espera cada um dos membros da família Finch.

A construção única dessas histórias é outro elemento que faz o título se destacar, ora refletindo o imaginário dos personagens e reforçando seus conflitos, ora atuando ironicamente para conferir certo humor negro às suas tragédias. Ao controlar a menina Molly, por exemplo, o jogador adentra a mente fantasiosa da personagem, acompanhando suas transformações em diversos animais enquanto ela viaja pelos arredores da casa em busca de algo para saciar sua fome.

Em outro brilhante momento, o jogador encarna um jovem frustrado com seu trabalho em uma fábrica de conservas. A tela então se divide em duas partes, exigindo que o jogador realize a ação mecânica de cortar peixe com uma parte do controle, enquanto, com a outra, mergulha nas aventuras imaginárias do garoto. Como a seção da aventura vai aos poucos ganhando destaque na tela, tomando o espaço da outra, o visual da história espelha a desconexão do personagem com a realidade, fazendo o jogador auxiliá-lo em sua fuga mental. Nessa parte, até a atenção aos detalhes impressiona, como a intromissão da figura do peixe em diversos elementos do cenário fantástico, chegando a aparecer em relevo nas paredes de um palácio – o que funciona como uma lembrança incômoda da realidade – e como a ausência de rostos dos personagens simpáticos ao jovem – o que reforça sua solidão. A ausência da presença de Edith no imaginário dele, aliás, chega a ser trágica, visto que até o gato do personagem aparece para parabenizá-lo em determinada cena, enquanto sua própria família é rejeitada.

Já a morte de uma atriz mirim é contada com o visual de um gibi, adequado-se em tom aos eventos mais inverossímeis de todo o episódio, e com o sadismo da narração, que coloca o grito de horror da personagem como um objetivo a ser alcançado, ao mesmo tempo em que faz humor ao subverter continuamente às expectativas sobre quando o gesto irá ocorrer.

A prosa em What Remains of Edith Finch merece destaque especial, revelando de forma sutil detalhes surpreendentes sobre cada uma daquelas pessoas. A menina Molly, por exemplo, mesmo com sua idade, ganha contornos preocupantes graças à sua curiosidade em devorar animais com requintes de crueldade (“I imagined his face looking up and seeing mine through my talons”) e pelo júbilo que sente ao matar animais que também sejam “mães” (“A momma rabbit!”).

O conflito principal que vai sendo construído envolve a disputa entre a avó e a mãe de Edith. A primeira, Edie, é a grande artesã do mito sobre o lugar, contando suas histórias fantásticas e sempre agindo de forma supersticiosa, o que, em algumas horas, pode ser cruel: um garoto foi obrigado a continuar vivendo no mesmo quarto que dividia com seu irmão mesmo após a morte do mesmo, ganhando de Edie uma corda para separar seu lado do aposento, o que possivelmente tornou o evento ainda mais traumático. Já a mãe recusa esse aspecto fantasmagórico da família, mas acaba contribuindo muito para ele com certos gestos simbólicos. Enquanto Eddie edifica aquela casa, a mãe de Edith a abandona. Assim, o clímax do título acerta em focar justamente nesse embate, terminando com uma subversão temática interessante, que mescla otimismo e pessimismo na mesma medida: vida e morte.

What Remains of Edith Finch trabalha o gótico de forma exemplar, utilizando seus elementos clássicos para problematizar o tema da morte, enquanto traz uma estética inovadora que adiciona ainda mais à narrativa. É um título complexo tanto em suas discussões quanto em sua apresentação, unindo-as para contar uma história trágica e memorável.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

22 de junho de 2018.

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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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