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Darkest Dungeon.

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Posted 03/08/2018 by in iOS

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Nota:
 
 
 
 
 

3/ 5

Plataforma: , , , ,
 
Título: Darkest Dungeon.
 
Publicador: Red Hook Studios / Merge Games .
 
Desenvolvedor: Red Hook Studios.
 
Duração Média: 60 horas.
 
Diretor: Chris Bourassa.
 
Compositor: Stuart Chatwood.
 
Resumo:

Darkest Dungeon é muito bem sucedido na forma com que trabalha a temática da obra de H.P. Lovecraft, usando-a como ponto de partida para suas próprias críticas sociais. Todavia, o título eventualmente se perde na própria dinâmica, exigindo tempo demais do jogador e, no final, frustrando mais do que envolvendo com sua temática.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Em Darkest Dungeon, a desenvolvedora Red Hook Studios tenta adaptar o conceito de horror cósmico de H.P. Lovecraft em um dungeon crawler. O resultado é parcialmente satisfatório: enquanto o roteiro e as dinâmicas da jogabilidade conseguem capturar muito bem a temática lovecraftiana, a tendência do jogo a construir tensão por meio da ameaça de tempo perdido o leva a ficar preso em um frustrante ciclo de treinamento perto do final.

O jogo abre com uma carta, informando sobre o desastre que acometeu a família de um nobre: visto que sua vida de luxo e extravagância não estava mais saciando seus apetites, o velho – que atua como narrador – decide investigar os rumores sobre um poder ancião que residiria nas catacumbas de sua mansão. Escavando e explorando, ele descobre um terrível portal que revela as mais grotescas criaturas. O jogador, assumindo o papel de um membro dessa família, responde ao chamado e viaja até o pequeno vilarejo que fica nas redondezas, contando com a ajuda de intrépidos aventureiros para acabar com o pesadelo que assola o lugar.

O protagonista de Darkest Dungeon não é o personagem sem nome, rosto e voz que o jogador controla, mas o próprio narrador, dublado por Wayne June. Sua presença é constante, tecendo comentários sobre o estado decrépito do vilarejo, sobre o infeliz rumo das batalhas e sobre as indesejadas surpresas das masmorras, além de contar a história dos monstros especiais que as tomam como morada. O narrador tem uma onipresença angustiante, com suas falas repetidas virando mantras cínicos e agourentos, prevendo o pior para sua jornada. Quase toda ação do jogador gera uma reação do narrador: ao selecionar a carruagem para recrutar novos aventureiros, por exemplo, ele comenta “Women and men; soldiers and outlaws; fools and corpses. All will find their way to us now that the road is clear”, cuja última parte da primeira frase contém não somente um julgamento negativo, como também uma previsão mórbida.

Seus diálogos são fundamentais para a construção do clima opressivo do jogo, conferindo aos elementos mais mundanos ou abstratos uma carga hostil de senciência, como se até as pedras, os arbustos e a sorte estivessem ativamente trabalhando contra o jogador. Ao deparar-se com armadilhas nas masmorras, por exemplo, ele comenta que elas estão possuídas por uma “intenção maligna”, enquanto uma torre de espinhos que bloqueia o caminho é descrita como uma parte da natureza que foi “corrompida e deformada por suas próprias intenções sinistras”.

A personalidade doentia do narrador é percebida claramente por seus comentários e pelas histórias que conta sobre os maiores monstros do jogo. É aí que o trabalho do dublador mostra-se essencial, com suas inflexões certeiras reforçando o sadismo do homem: ao narrar que bastou um pequeno empurrão para retirar a vida de uma admiradora inconveniente, por exemplo, June profere a parte do “pequeno empurrão” com nítido divertimento, como se a fragilidade da vida fosse para o personagem um elemento cômico. No mesmo sentido, ao comentar sobre a necessidade constante de uma criatura de devorar carne humana não ser um problema, pois havia uma vilarejo próximo, sua risada contida torna evidente o escárnio do homem para com aquela população, que considera descartável.

O narrador, entretanto, é mais do que apenas sádico. Sim, sua maldade é sem limites e ele não tem qualquer traço que o redima. No entanto, uma forte carga simbólica cerca suas ações e o que elas representam. The Darkest Dungeon trabalha com o terror cósmico de Lovecraft, em que o medo advém da impotência e da insignificância do indivíduo diante daquele mal, cujo escopo é daí considerado cósmico. O elemento do horror em Lovecraft é frequentemente descrito como “indizível”: é algo tão grotesco, tão horrível, tão paralisante que o observador não consegue reduzi-lo a meras palavras pronunciáveis. A incapacidade de lidar com aquilo se traduz na incapacidade de descrever aquilo, o que geralmente leva o indivíduo à loucura. Essa mesma estratégia é aplicada aqui: o coração do mal da última área do jogo, por exemplo, é somente referida pelo narrador como “a Coisa”, pois ela transcende o domínio da linguagem: “The Thing has no name, for it needs no language”. A complexidade do narrador, então, advém de ele ser associado a esses mesmo elementos. Que nem o horror que espreita suas catacumbas, o personagem é chamado de “Ancestral”, o nome de sua família torna-se indizível pela população local (“Our family name, once so well regarded, is now barely whispered aloud by decent folk”), sua onipresença lhe confere uma característica divina, e são suas ações, em conjunto com a influência da Coisa, que criam os piores monstros que devastam o lugar. Dessa forma, a narrativa constrói um paralelo entre os dois aspectos do narrador, apresentando uma crítica social: o Ancestral representa a cobiça, a falta de empatia e o desprezo de uma classe social mais alta ao mesmo tempo em que é um mal cíclico que reduz o povo comum à insignificância, mostrando-se inexorável, incompreensível e irredimível.

Mas não é somente na narrativa que Darkest Dungeon trabalha com a temática lovecraftiana, ilustrando-a também na jogabilidade. A proposta do título é simples. O jogador leva um grupo de quatro aventureiros para explorar uma masmorra de quatro possíveis regiões (Ruínas, Labirintos, Ermos e Enseada), que contam com seus próprios monstros e chefes. Nesses calabouços, que tem layout aleatório, o objetivo é explorar salas, derrotar monstros ou ativar itens específicos. O combate é por turnos e a apresentação é em 2D.

O diferencial do título vem justamente dos elementos que refletem o terror cósmico. Ao explorar as labirínticas masmorras, por exemplo, deve-se prestar atenção no nível de luminosidade que diminuir com o tempo. Se o jogador não gastar tochas – compradas em número limitado antes de embarcar em cada missão –, a escuridão pode gerar encontros com chefes aleatórios, além de dificultar a mira dos aventureiros e elevar seu estresse, que é o grande chamariz das mecânicas do título. Pois, além do dano físico, os personagens também sofrem ataques a sua sanidade, que, pode vir a quebrá-los, gerando alguma enfermidade mental: um personagem pode tornar-se “temerário”, deixando de realizar ataques ou gastando uma ação para se mover para a uma posição mais atrás do grupo, ou pode tornar-se “masoquista” e recusar ser curado, ou “niilista”, proferindo discursos que aumentam o estresse dos companheiros. Depois desse ponto, caso o estresse continue aumentando, os personagens podem ainda morrer de ataque coração.

Já a complexidade das batalhas advém do número de elementos a ser levados em consideração: há condições como sangramento, peste, horror e paralisia, há atributos como proteção, precisão e esquiva, há doenças e condições especiais que os personagens vão contraindo, que alteram todos esses elementos ou fazem coisas especiais – cleptomania, por exemplo, faz o personagem roubar itens do cenário, impedindo que o jogador fique com eles – e há a importância da composição dos grupos e do posicionamento de cada membro: os golpes só funcionam se o personagem estiver em uma posição específica, tornando indesejada a realocação no meio da batalha, causada, por exemplo, por um membro que se tornou temerário.

As classes são bem distintas entre si e cada uma possui seus pontos fortes e fracos, além de permitir que seu efeito ajude outra. Um Mestre dos Cães, por exemplo, excele em causar sangramento e pode marcar um inimigo, aumentando o próprio dano. Já uma Atiradora tem precisão alta, mas só funciona no fundo do grupo, embora possa tirar proveito da mesma marcação para aumentar a força de seus disparos. Enquanto isso, se uma Vestal é a curandeira de plantão e pode paralisar o oponente, aumentando o dano de um Mercenário, um Ocultista pode fazer marcações e curar bem mais que ela, mas apenas se tiver sorte: sua cura pode ser nula e ainda causar sangramento no personagem “curado”.

Sorte, aliás, é um elemento forte em Darkest Dungeon, pois a ausência dela pode causar um estrago e tanto. Aqui, quando as coisas dão errado, elas podem muito bem dar errado em grupo, tornando a causa perdida. Um ataque surpresa ao seu grupo em uma masmorra, por exemplo, realoca todos os membros, fazendo-os lutar em posições não ideais ou gastar uma ação para se mover. Se um golpe crítico de um monstro ocorrer, ele não somente causa mais dano, como também mais estresse e garante que o efeito do golpe – como sangramento ou paralisia – funcione. Com o estresse aumentado, o personagem pode ficar louco e passar sua ação depois de sofrer o dano do envenenamento. E assim de repente o jogador se vê em uma bola de neve de desgraça levando à morte – permanente – de todo mundo. Isso quando os monstros não decidem tomar só um membro por Cristo e lançar tudo em cima dele.

Afinal, o título incorpora o elemento da insignificância do indivíduo na forma com que o jogador trata seus aventureiros: eles precisam ser tão descartáveis quanto o resto da população do vilarejo é para o narrador, pois muito provavelmente irão morrer. E se morrerem, é fácil substituí-los, recrutando outros em um menu. Ou seja, eles viram recursos, ferramentas, em uma coisificação que contrasta brilhantemente com o resto do tratamento conferido aos personagens ao longo do jogo. Eles têm nomes próprios, voz e preocupações, ficam loucos, podem recusar-se a partir em missões muito fáceis ou a sair de um bordel, e até mesmo decidem viajar em peregrinação após passar um tempo meditando na Abadia. Dessa forma, com esse contraste, Darkest Dungeon reforça como aquele mal lovecraftiano reduz o indivíduo a um estado de objeto, em uma dinâmica que já gerou comparações com a forma com que grandes empresas lidam com seus funcionários.

O vilarejo, aliás, é o elemento central do jogo, responsável por sustentar seu ciclo principal: explorar uma masmorra, voltar para o vilarejo, gastar o dinheiro e os itens adquiridos para aprimorar os edifícios do lugar, usá-los então para curar o estresse dos aventureiros ou fortalecê-los, recrutar mais caso algum tenha morrido e, enfim, partir para a masmorra seguinte e repetir o processo.

O título, todavia, peca gravemente na sua última parte por justamente quebrar essa dinâmica. No final do jogo, o vilarejo já está aprimorado ao máximo. No entanto, os aventureiros recrutados ainda estão num nível bem abaixo das últimas masmorras, forçando o jogador a perder seu tempo treinando-os, uma vez que um personagem de nível 3 numa masmorra de nível 5-6 não somente começa com um estresse absurdo, como também recebe estresse adicional e ainda tem atributos pouco desejáveis. Mas por que treiná-los é perda de tempo apenas no final? Porque não há mais progresso no vilarejo e, a essa altura, o jogador já encontrou suas formações preferidas e o dinheiro adquirido serve apenas para ajudar esses mesmos personagens a conseguir lidar com as masmorras mais difíceis. Ou seja, ao sofrer uma derrota em uma masmorra difícil, o jogador não vai simplesmente tentar de novo o mesmo desafio, mas passar antes por um processo de treinamento desnecessário, pois relativo unicamente aos números dos atributos de seus personagens, já que sua própria habilidade como jogador não será testada, visto que as lutas ocorrem em uma dificuldade menor em que o desafio é outro.

Isso sem dúvidas aumenta a tensão sempre que se vai partir para uma missão difícil, mas quando essa tensão advém do prospecto de que se vai perder tempo caso haja uma derrota, essa tensão funciona como uma faca de dois gumes, podendo se esvair em pura frustração. Além disso, esse processo de grinding torna-se ainda mais reprovável quando até mesmo a vitória leva de volta a ele: a última região do jogo, chamada Darkest Dungeon, inutiliza os heróis que conquistaram cada uma de suas masmorras, obrigando o jogador a conseguir outros mesmo tendo vencido. Assim, o final do jogo, que deveria ser seu clímax, torna-se seu momento mais tedioso, em que horas são desperdiçadas com algo que não oferece retorno objetivo algum. Caso o vilarejo continuasse podendo ser aprimorado até oferecer aventureiros de nível 5, isso permitiria que a sensação de progresso durasse mais e que menos tempo fosse perdido. Afinal, esse grinding sequer se trata de tornar seu herói forte o suficiente para vencer a batalha com facilidade, eliminando a necessidade de estratégia. Não, ele é sobre tornar o personagem minimamente apto a enfrentar os desafios sem sofrer penalidades absurdas. E, martelando novamente o problema, a cada morte um novo personagem precisa passar por esse processo e, no fim, isso ocorre mesmo com eles sobrevivendo.

Darkest Dungeon é muito bem sucedido na forma com que trabalha a temática da obra de H.P. Lovecraft, usando-a como ponto de partida para suas próprias críticas sociais. Todavia, o título eventualmente se perde na própria dinâmica, exigindo tempo demais do jogador e, no final, frustrando mais do que envolvendo com sua temática.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

08 de março de 2018.

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