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Alma?

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Posted 09/02/2015 by in Comédia

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Nota:
 
 
 
 
 

3/ 5

Sumário

Genero: ,
 
Autor:
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título: Alma?
 
Título Original: Souless.
 
Tradução: Flávia Carneiro Anderson.
 
Edição: 2013.
 
Páginas: 307.
 
Capa: Express/Getty Images.
 
Resumo:

Alma? se configura um problemático exercício de estilo. A autora faz com que a forma de sua história sobrepuje o conteúdo, impondo um estilo ao leitor que, apesar de ser inicialmente divertido, jamais se renova, tornando a leitura cansativa.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Alma?, escrito por Gail Carriger, configura-se um problemático exercício de estilo. A autora faz com que a forma de sua história sobrepuje o conteúdo, impondo um estilo ao leitor que, apesar de ser inicialmente divertido, jamais se renova, tornando a leitura cansativa.

O livro conta a história de Alexia Tarabotti, uma jovem solteira que vive em Londres, na época vitoriana, mas em uma realidade em que vampiros, lobisomens e outras criaturas sobrenaturais estão inseridas na sociedade. Durante um baile entediante, a protagonista decide fugir das pessoas e procura refúgio na biblioteca do lugar. Uma escolha infeliz, visto que ela logo se depara com um estranho vampiro que, contrariando todas as regras de etiqueta, tenta mordê-la. No entanto, Alexia Tarabotti é uma preternatural – uma pessoa sem alma, capaz de anular poderes sobrenaturais – e, durante o confronto, acaba matando o agressor com sua sombrinha, dando início a uma série de incidentes políticos.

Já é possível, por essa sinopse, identificar o tom de paródia que permeia a história do livro. Carriger abusa de exageros e ironia para moldar a narrativa: a autora mescla o desenrolar de eventos sérios com o código de etiqueta da época, construindo imagens e comparações esdrúxulas para subverter as expectativas do leitor, divertindo-o no processo – pelo menos inicialmente.

Quando o vampiro ataca Alexia, por exemplo, a protagonista, em vez de ficar aterrorizada com o prospecto de ferir-se, espanta-se com a atitude da criatura por considerá-la extremamente rude. A gravidade das situações é constantemente posta em xeque em Alma? pela forma despretensiosa com que os personagens lidam com elas.

As cenas de ação seguem diretriz similar, sendo muitas vezes compostas por inesperadas metáforas envolvendo comida ou, novamente, o código de etiqueta da época. O embate com o vampiro serve como um excelente exemplo: “A criatura ficou paralisada, com expressão de total assombro no rosto bonito. Então caiu para trás, em cima da torta de melado já destroçada, tombando feito um aspargo mole, cozido demais”. Do mesmo modo, o inesperado e o absurdo mostram-se presentes na narrativa quando a protagonista é atacada dentro de um coche e o bandido complica-se com a vestimenta dela: “O homem não conseguiu lidar direito com as várias camadas de saias e babados de roupa da moça, que formaram uma barreira bastante eficaz no reduzido espaço da cabine”.

A presença de vampiros e lobisomens serve para deixar a história ainda mais fantasiosa. A autora diverte-se descrevendo o estilo de vida dos seres sobrenaturais, seus maneirismos, suas funções na sociedade – os vampiros e lobisomens chegam a ocupar cargos políticos – e em subverter suas características típicas para adequá-las ao estilo: a necessidade dos vampiros de serem convidados para entrar em casas, por exemplo, é devido apenas ao seu código de etiqueta rigoroso.

O universo de Alma? é construído nos moldes de uma fantasia urbana com toques steampunk: as criaturas da noite coexistem com autômatos e dirigíveis na Inglaterra vitoriana. O acerto mais notável de Carriger nesse ponto é ter evitado responsabilizar diretamente os sobrenaturais pelos avanços tecnológicos, preferindo justificá-los a partir de um efeito colateral da presença das criaturas: “Ela conhecia bem a história. Os puritanos trocaram a Inglaterra elisabetana pelo Novo Mundo porque a rainha autorizara a presença dos sobrenaturais nas Ilhas Britânicas. As Colônias continuavam retrógradas desde então, com a interferência da religião sempre que lidavam com vampiros, lobisomens e fantasmas”. Ou seja, a autora evita uma saída narrativa simplória – só dizer que é culpa dos sobrenaturais – e aproveita a oportunidade para incrementar sua história com uma crítica social.

O preconceito é um tema recorrente no livro, mostrando-se presente tanto na mentalidade da família de Alexia quanto, em maior grau, nas ações dos vilões. A autora, entretanto, prefere não ser específica e usa as criaturas como uma alegoria generalizada para englobar qualquer grupo social oprimido – o clímax ilustra bem esse ponto, colocando praticamente todas as espécies de sobrenaturais na mesma situação de perigo.

A estrutura narrativa de Alma?, por sua vez, tem seus altos e baixos. O livro começa ágil, já colocando no primeiro capítulo o evento de virada inicial e, a partir daí, passando a apresentar os principais personagens envolvidos no incidente na biblioteca. Já a pista indicando a identidade e os motivos do vilão é posicionada de modo eficiente, uma vez que a futilidade dos eventos e das ações dos personagens eclipsam o discurso de ódio e escondem as intenções malignas do vilão.

O problema está no segundo ato da história, composto quase que exclusivamente pelo caso amoroso de Alexia Tarabotti com o conde de Woolsey. A relação entre eles merece elogios por fugir do padrão atual da personagem feminina perdendo-se em encantos pelo amado, fazendo de tudo para ficar com ele. Alexia e o conde interagem de igual para igual, mostrando real – e saudável – afeição pelo outro. Nota-se também a tendência ao absurdo e ao ridículo no modo com que o romance é retratado; os dois, nas situações mais impróprias, deixando-se levar por seus impulsos sexuais mais intensos. Essa relação, porém, ocupa o miolo inteiro do livro, com os personagens brigando, discutindo e voltando a trocar carícias – naquela interação típica de “eles brigam, mas no fundo se amam” – durante muito tempo, praticamente paralisando a trama principal.

Já a inexperiência da autora – Alma? é seu primeiro romance – é evidente em algumas passagens. Um dos personagens, por exemplo, é um vampiro excêntrico de fala afetada, chamado Lorde Akeldama. Carriger tropeça feio na apresentação de Akeldama quando, para se referir à afetação, escreve que o vampiro fala sempre “em itálico” – uma metáfora destoante daquele universo que acaba levando o leitor para fora da narrativa.

Mas é justamente o estilo o calcanhar de Aquiles do livro. Carriger diverte o leitor ao subverter suas expectativas, contrapondo a suposta seriedade dos acontecimentos com preocupações mundanas, como o respeito a um código de etiqueta. Todavia, ela não vai além disso. As primeiras piadas do livro são, mais uma vez, sobre o código de etiqueta da época, as segundas também, as terceiras também são, as quartas também e assim por diante – salvo eventuais menções à comida e à moda. No meio, o leitor já está esperando esse tipo de piada, mas ainda assim se depara com trechos como: “Os lobisomens escoceses tinham a reputação de cometer atos atrozes e injustificados, como usar o paletó típico da sala de fumar à mesa de jantar”. Ou seja, ele não é mais surpreendido pela subversão e a piada para de funcionar, tornando-se repetitiva. Como o estilo chama muita atenção para si, isso acaba se configurando um problema grave para o livro.

Além disso, por fazer piada em cima da seriedade dos eventos, a autora inevitavelmente remove a maior parte da carga de tensão deles – afinal, são muitas vezes os próprios personagens que divagam sobre seus modos, roupas e alimentos –, impedindo, desse modo, que o clímax cause qualquer impacto.

Alma? apresenta um estilo interessante que funciona no início, dando graça à história em seus primeiros momentos. Entretanto, ele jamais se renova ou evolui, dando lugar à repetição e ao tédio. Por esse motivo, Carriger vai desgastando o leitor ao longo das 307 páginas de seu livro, fazendo-as parecer bem mais longas do que de fato são.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

02 de setembro de 2015


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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