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Shin Megami Tensei IV.

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Posted 09/22/2016 by in 3DS

Rating

Nota:
 
 
 
 
 

3/ 5

Plataforma:
 
Desenvolvedor: Atlus.
 
Duração Média: 65 horas.
 
Lançamento: 16/07/2013.
 
Diretor: Kazuyuki Yamai.
 
Compositor: Kenichi Tsuchiya, Ryota Koduka e Toshiki Konishi.
 
Roteirista: Kazuma Kaneko, Kazuyuki Yamai e Shinji Yamamoto.
 
Resumo:

Shin Megami Tensei IV é um jogo ambicioso, mas infelizmente falho.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Shin Megami Tensei IV é um RPG com grandes ambições narrativas, que se propõe a discutir temas relevantes – como a função de religiões e as formas de organização da sociedade –, enquanto apresenta uma jogabilidade fundada em um sistema de batalha complexo, embora frágil em seu balanceamento. No entanto, justamente por tentar muito, os desenvolvedores frequentemente se perdem na condução da história, ora deixando longos períodos sem qualquer desenvolvimento, ora dando prioridade narrativa a elementos errados.

O protagonista da história, chamado inicialmente de Flynn, funciona como um avatar do jogador, que pode modificar seu nome. Flynn é um plebeu que vive no Reino do Leste de Mikado, uma sociedade medieval fundada em um sistema de castas: há os nobres chamados de Luxorors e os plebeus denominados Casualries. A única forma de um casualry ascender na vida é tornando-se samurai. O processo de seleção, feito de forma aparentemente arbitrária por um aparato tecnológico muito avançado – que contém um visor digital –, resulta na escolha de quatro candidatos além do protagonista: os luxorors Navarre, Jonathan e Isabeau, e o casualry Walter. Após um atentado terrorista na vila de Flynn, todos eles recebem a mesma missão: caçar e capturar o misterioso Samurai Negro.

O início de Shin Megami Tensei IV é fascinante. O jogador é apresentado a uma sociedade onde os plebeus são incutidos com um deturpado conceito de igualdade: “Luxorors and Casualries… We may be of different classes, but we’re all equals inside” o amigo de infância de Flynn defende, embora logo depois demonstre que seu sonho de se tornar samurai é baseado na consequente elevação da qualidade de vida. Os casualries são indivíduos que aceitam sua eterna condição social por acreditar que ela é natural: sempre foi assim, então deve estar certo. Além disso, o monastério de Mikado reforça essa ideia, pregando que o nascimento das pessoas é decidido por Deus e, desse modo, quem tenta ser alguém diferente está indo contra a vontade Dele.

O Samurai Negro abala justamente essa crença, distribuindo romances, quadrinhos e mangás para os plebeus. A literatura é a ferramenta utilizada para fomentar revolta, construindo pensamento crítico nas pessoas e levando-as a questionar os dogmas a que são submetidas. Um padeiro que oferece um romance a Flynn comenta: “Everyone talks about equality, but it is a ruse we have been submitted to”. Após lerem os livros, porém, alguns plebeus começam a se transformar em demônios e atacar as pessoas. Assim, Flynn e os demais samurais não hesitam, com apoio do rei e do monastério, a perseguir o Samurai Negro.

A missão inicial do jogador é investigar as catacumbas de Naraku: um labirinto subterrâneo infestado de demônios, cuja existência permanecia em segredo para o povo de Mikado devido à atuação dos samurais. Todavia, eles sempre cumpriram seu dever de controlar o avanço das criaturas justamente com o auxílio das mesmas. Como é típico da franquia Shin Megami Tensei, no jogo é possível conversar, ludibriar, subornar e até mesmo flertar com demônios para fazê-los se juntar a sua causa e combater os da própria espécie. Vale mencionar também que, no jogo, demônio é o termo utilizado para denominar qualquer entidade mística de uma religião. Assim, Shiva, o arcanjo Gabriel, Anúbis, Amaterasu e o deus asteca da vida Quetzalcóatl são todos classificados como demônios e podem ser usados pelo jogador em batalha. Na história, o termo demônio não tem uma conotação necessariamente negativa, fazendo referência não somente a monstros, como também a deuses e entidades benevolentes.

Em Shin Megami Tensei IV, os demônios são exteriorizações dos vícios, das virtudes e dos desejos reprimidos das pessoas. Dessa forma, cada ser humano possui um demônio dentro de si e é, consequentemente, capaz de se transformar em um. Torna-se fascinante, então, perceber como os habitantes de Mikado, por terem suprimido gerações de injustiça social, viram demônios assim que percebem a realidade: a raiva suprimida é tanta que eles não conseguem lidar com a situação de outra forma que não com violência e ódio. Do mesmo modo, quando Flynn visita uma caótica sociedade anarquista, todos os indivíduos encontrados são demônios: por não haver controle estatal reprimindo as pessoas, as características mais marcantes de cada um vêm facilmente à tona.

A decisão principal do jogador recai justamente sobre essa questão: é melhor um mundo em que todos são livres e onde apenas os fortes têm sucesso ou um regido pela ordem, onde o controle direto sobre os indivíduos é considerado fundamental para a convivência humana?  Cada lado é representado por um personagem: Walter, reprimido toda sua vida, defende a meritocracia; Jonathan, um luxoror, a manutenção da ordem; e Isabeau, por sua vez, se mantém em cima do muro, defendendo uma suposta neutralidade.

No entanto, os desenvolvedores falham barbaramente em estabelecer que tipo de escolhas levam a cada final. Eles assumem que alguém que deseja ordem é obrigatoriamente benevolente e que anarquistas são invariavelmente implacáveis e cruéis, julgando de antemão os dois lados. Dessa forma, decisões que consideram o quão bondoso o jogador é influencia no resultado e podem acabar levando-o a um final que não necessariamente concorda: por não refletirem sua posição sobre o assunto, mas os aparentes preconceitos da equipe da Atlus, elas correm o perigo de causar enorme frustração no jogador.

Além disso, a estrutura narrativa do jogo deixa a desejar na metade. Assim que os samurais descobrem a cidade que há ao final das catacumbas de Naraku, a narrativa simplesmente estaciona. Flynn fica andando de um lado para outro matando demônios sem qualquer avanço na história. Pouquíssimos personagens novos são apresentados e a perseguição pelo Samurai Negro é deixada de lado por horas, resultando em um longo vácuo dramático.

Ainda pior é perceber que é esta cidade e não o reino de Mikado a principal influenciada pela escolha final do jogador. Flynn encontra os líderes das facções do lugar e aprende como eles querem lidar com os problemas, mas jamais conhece a fundo seus habitantes. Dessa forma, não há uma conexão emocional forte entre o jogador e a cidade, como haveria com Mikado, tornando a decisão puramente teórica: o jogador vai escolher o que mais lhe agradar filosoficamente, pouco se importando com as pessoas que serão afetadas – lembrando que ainda corre o risco de sua posição ser anulada devido a escolhas anteriores que nada tem a ver com o assunto.

Quando chega finalmente a hora de confrontar o Samurai Negro, o jogador ainda se depara com um frustrante anticlímax: o principal antagonista da história é posto de lado em prol de mais de dez horas de exposição sobre as possíveis consequências da decisão final. Trata-se de um erro gravíssimo em que os desenvolvedores descartam um personagem importante e com desenvolvimento formidável em troca de uma exaustiva repetição de ideias. Uma cena em específico do Samurai Negro – a tentativa de sua crucificação – é importantíssima por realizar um paralelo com a figura de Cristo, reforçando o papel que religiões e seus símbolos desempenham na formação de opinião das pessoas, ao mesmo tempo em que subverte a analogia ao colocar o samurai discursando contra a palavra de Deus. No entanto, tal desenvolvimento nunca chega a uma devida conclusão, graças à problemática decisão dos roteiristas.

No constante à jogabilidade Shin Megami Tensei IV também tem seus altos e baixos. Como na maioria dos jogos da franquia, aqui também é possível fundir dois demônios em um novo. Com mais de 450 disponíveis – cada um com uma breve explicação de sua origem na mitologia respectiva – a fusão é uma mecânica viciante que confere ao jogo um objetivo implícito bem similar ao de Pokémon: ter que capturar todos. Quanto a essa comparação, não deixa de ser divertido perceber que a relação que Flynn mantém com seus demônios é bem mais saudável que a presente no outro jogo, visto que aqui os monstros entram em seu time por vontade própria e sem sofrer lavagem cerebral.

Os combates também funcionam de forma similar aos da franquia da Nintendo, mas com quatro personagens (Flynn e três demônios) participando ao mesmo tempo em vez de apenas um.  Na tela de cima do 3DS há apenas a imagem em 2D dos adversários e na de baixo as informações sobre seu grupo e as opções de ataque. Após selecionar uma ação para todos os personagens, eles agem em ordem (o mais rápido primeiro) e depois segue para o turno do oponente realizar seus ataques. Quando a natureza do golpe (fogo ou gelo, por exemplo) corresponde à fraqueza do inimigo, ele causa mais dano, o personagem que o lançou fica invulnerável a um ataque e seu time ainda ganha mais uma ação. Se um segundo personagem também atingir a fraqueza, o mesmo ocorre, sendo possível, assim, ter todos os membros de seu time invulneráveis e ainda agir mais de sete vezes. As batalhas, portanto, começam como um jogo de tentativa e erro para descobrir o ponto fraco do inimigo e terminam em um massacre no momento em que ele é descoberto. Porém, se os adversários acertarem o ponto fraco de algum membro do time do jogador é a vez dele de encontrar subitamente a tela de game over.

O sistema de combate de Shin Megami Tensei IV tem como característica primordial a busca pelo desequilíbrio, encontrado nos pontos fracos dos personagens. Em apenas um turno é possível perder todo seu time até para inimigos fracos. Como errar ataques ainda resulta no time em questão perder de uma a duas ações, há até um elemento de sorte envolvido que invariavelmente causa frustração: em Pokémon ataques também possuem chances de errar, mas aqui, além das porcentagens não serem informadas, as consequências do erro são muito mais graves.

Outro problema surge devido a alguns personagens, como Walter e Jonathan, atuarem em certas ocasiões como suporte, atacando no final de seu turno: muitas vezes eles configuram-se uma maldição em vez de auxílio, visto que podem usar ataques que são bloqueados pelos demônios adversários, deixando-os invulneráveis e mais fortes – e não há absolutamente nada que o jogador possa fazer para impedir o resultado já que não os controla. Em uma missão secundária, cujo objetivo é matar o demônio Azura, esse é um problema particularmente notável, visto que seu suporte – uma caçadora chamada Nozomi – constantemente usa ataques bloqueados pelo demônio. No turno seguinte, muito mais forte, ele revida, matando a caçadora, e o jogador só pode observar tudo estupefato, recarregar um save e tentar a sorte de novo. Com situações similares, os diretor, Kazuyuki Yamai, retira o resultado das batalhas das mãos do jogador e, com isso, qualquer desafio e diversão delas.

No final do jogo, porém, a situação é ligeiramente diferente, uma vez que parte dos “chefes de fase” não possuem fraquezas. Essas são as batalhas mais interessantes, visto que impedem a saída fácil, mas falham em também requerer estratégias e habilidades específicas. Vencer Belzebu sem ataques que modificam status, por exemplo, requer muita sorte, pois ele pode agir três vezes com seu golpe mais forte – e do único elemento não defensável – eliminando todo seu time.

Há pouquíssimas batalhas de atrição em Shin Megami Tensei IV. Elas são rápidas, resolvidas em poucos turnos e até mesmo as lutas contras os chefes duram poucos minutos. Se, de um lado, essa abordagem casa perfeitamente com a proposta de um portátil, de outro, ela resulta em batalhas pouco intensas e, em determinadas circunstâncias, frustrantes.

Outra questão importante é a completa inutilidade do mapa da cidade encontrada após Naraku. Trata-se de um lugar imenso, cheio de localidades importantes, e o mapa simplesmente não diz o nome de nenhuma delas. Seria interessante se os nomes permanecessem ocultos somente até o jogador adentrar as localidades, porém eles nunca aparecem no mapa. O resultado é uma possível desorientação devido a um exercício de memória desnecessário.

Por fim, vale comentar um pouco sobre os NPCs. Embora a maioria não tenha a mínima personalidade, eles servem como instrumentos de exposição narrativa. Eventos importantes são apenas explicados e comentados por conversas com pessoas aleatórias, tornando o ato de conversar com elas fundamental para a compreensão da história.

No entanto, é visível a falta de cuidado mesmo em sua concepção. Os NPCs costumam ter nomes sugestivos como “Samurai Tímido”, “Mulher Preocupada”, “Plebeu Aturdido”, mas nem sempre o título corresponde à personalidade. O “Samurai Tímido” encontrado em uma sala de Naraku, por exemplo, prontamente se voluntaria para explicar aspectos daquele universo, mostrando-se mais fofoqueiro do que qualquer outra coisa. Da mesma forma, os breves clipes de som com frases feitas que antecedem os diálogos algumas vezes entram em conflito com os próprios. Um indignado “How could this be?!” proferido por um nobre, por exemplo, é seguido por um diálogo que revela sua aprovação de uma decisão política: “I hear the Casualries will be permitted to view the execution. In view of the Casualries’ recent misunderstandings regarding the Luxoros… I think this was a wise decision of the Monastery’s part. It will clear the air between us”.

Shin Megami Tensei IV é um jogo ambicioso, mas infelizmente falho. Os desenvolvedores alongam demais sua duração e reforçam desnecessariamente o significado da principal escolha do jogador, embora se esqueçam de fazê-la realmente pertencer a ele. O resultado é um jogo com potencial desperdiçado: impressiona no início, mas acaba decepcionando no final.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

22 de setembro de 2016.

Trailer:


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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