Seu primeiro portal para notícias e críticas literárias!

 


Daemon.

0
Posted 03/12/2015 by in F. Científica

Rating

Nota:
 
 
 
 
 

3/ 5

Sumário

Genero:
 
Autor:
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título: Daemon.
 
Título Original: Daemon.
 
Tradução: Cassius Medauar.
 
Edição: 2009.
 
Páginas: 431.
 
Capa: Anthony Ramondo.
 
Resumo:

Daemon é um livro cuja principal falha reside em não contar sua história pelo ponto de vista do protagonista, ou ao menos de sua ferramenta, obrigando o leitor a acompanhar personagens desinteressantes e superficiais.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Daemon é um livro que pretende ilustrar o domínio da tecnologia sobre a humanidade. Enquanto muitas histórias se focam na dependência tecnológica e criam cenários apocalípticos baseados em hipóteses em que as pessoas subitamente não a têm mais a disposição – ausência total de energia elétrica é um artifício recorrente – a obra de Daniel Suarez demonstra outra intenção: mostrar o quão expostos e indefesos ficamos com o avanço dessa tecnologia.

Suarez expõe a sociedade de forma fragilizada, fazendo dos elementos imprescindíveis para o nosso cotidiano – internet, televisão, jogos de videogame e a mídia – ferramentas de controle e manipulação, a fim de construir uma crítica a uma civilização que caminha até o limite de sua abstração, onde as posses de uma família são cada vez mais fictícias e a poupança de uma vida inteira se resume a um número no sistema de armazenamento de dados de um banco. Nesse sentido, o autor cria uma narrativa em que o vilão, destinado a desconstruir esse universo, é precisamente o protagonista do livro, armando uma série de eventos para controlar e derrubar não somente o sistema econômico como também as grandes corporações que o manipulam.

O livro começa com o falecimento de Mathew Sobol, desenvolvedor de enorme sucesso no ramo de jogos de videogame e detentor de propriedades intelectuais milionárias, e com o assassinato de um de seus programadores. A investigação policial que se inicia não demora a conectar os dois eventos e se deparar com um projeto antigo de Sobol, um daemon extremamente complexo que possui um único propósito: executar o desígnio de seu criador.

Daemon é um tipo de programa de computador que roda em segundo plano, de forma independente, executando tarefas em momentos predeterminados. Sendo fiel a essa descrição, Suarez estrutura seu livro a partir do ponto de vista das pessoas que o programa manipula ou combate, colocando o software como uma grande força que trabalha secretamente no pano de fundo dos acontecimentos. Desse modo, a história é contada através da visão de pessoas comuns que vão sendo postas no tabuleiro montado pelo programa.

É, todavia, o próprio daemon o trunfo da história. A sua forma de funcionamento fascina justamente por explorar a nossa impotência diante da tecnologia: o programa lê notícias na internet para ativar suas principais ações, tornando quase impossível para as autoridades impedirem o início da execução de seus atos; ele começa a administrar empresas e coordenar as ações de pessoas-chave por intermédio da captação e manipulação de grandes somas de dinheiro pela internet e ainda recruta seguidores importantes para a execução de pequenos atos por intermédio de jogos online (MMOG) famosos de Sobol.

 Suarez torna difícil para o leitor não simpatizar com Mathew Sobol. O vilão já começa a narrativa na forma mais fragilizada possível – morto – e o autor ainda reforça isso, descrevendo o estado decrépito de seu corpo durante seu enterro e como ele sofreu com câncer antes de morrer. Além disso, Sobol também ganha o respeito do leitor por causa de sua grandiloquência, lógica e genialidade ao programar ações para o daemon levando em consideração milhares de hipóteses possíveis. O personagem, por compreender muito bem o comportamento humano, consegue manipular e coordenar sua grande revolução mesmo estando morto, o que torna realmente empolgantes todos os momentos em que aparecem suas gravações; afinal, personagens inteligentes sempre encantam. Também é mérito do autor implementar a profissão do personagem em seu plano: com o uso de óculos especiais, os “recrutas” do daemon observam o mundo como um gigantesco jogo de videogame, com direito a nomes flutuantes em cima das pessoas e até progressão por níveis – o que se configura uma excelente e curiosa tática para mantê-los sempre na ativa e tomando atitudes cada vez mais graves.

Suarez, consultor de sistemas independente, consegue lidar com os constantes elementos de informática com bastante facilidade, simplificando ao máximo os termos técnicos e a nomenclatura por meio de explicações lúcidas e fáceis. Provando domínio do assunto, o autor também explora muito bem o universo gamer, fazendo referências a feiras importantes como a E3 e descrevendo os jogos de Sobol de forma consistente e verossímil. Um dos melhores capítulos do livro é inteiramente preenchido por uma narração de uma importante partida de “Sobre o Reno”, um FPS criado por Sobol. O capítulo, além de mesclar de forma eficiente momentos de humor – as pausas para o jogador admirar as realistas partículas durante uma explosão – e tensão – seu duelo com o vilão da fase –, serve como um excelente estudo do personagem que estava jogando, dispensando até seus capítulos iniciais de apresentação.

Já para transmitir a sensação de perigo real, essencial para a mensagem do livro, o autor permeia a trama com elementos críveis que servem como alerta ao leitor: alguns personagens roubam identidades usando apenas uma câmera fotográfica e um programa de computador, por exemplo, enquanto outros invadem contas bancárias com a mesma facilidade. É igualmente crucial para a construção dessa sensação o uso de tecnologias plausíveis. Nesse ponto, a experiência de Suarez nessa área também se mostra importante, já que os aparatos tecnológicos descritos começam simples e de conhecimento geral, mas logo se tornam consideravelmente exóticos quase ao ponto de parecerem apelativos, mas ainda assim nunca soando totalmente absurdos, enquadrando muito bem o livro no campo da boa ficção científica.

Suarez também prova ser capaz de conduzir intensos momentos de ação, utilizando-se de uma narrativa rápida com descrições viscerais, além de torná-los importantes para a trama e para os personagens. O cerco à mansão de Sobol é o melhor exemplo: veículos são comandados pelo daemon por intermédio da inteligência artificial usada nos jogos de seu desenvolvedor, mangueiras expelem gasolina nos invasores e até mesmo armadilhas, tanto medievais como poços e modernas como as acústicas, são espalhadas pelo cenário, ilustrando muito bem a psicopatia e a inteligência do milionário.

Entretanto, para manter o daemon no pano de fundo, o livro é narrado pelo ponto de vista das pessoas que vivenciam esses eventos e não do programa, uma estratégia que se tornou o calcanhar de Aquiles do livro, visto que o elemento humano é o aspecto com que Suarez lida com menos habilidade. O leitor conhecerá diversos personagens como o detetive Sebeck, o presidiário Mosely e o agente especial Merrit e atravessará a história por intermédio da jornada desses indivíduos. Todavia, por mais que a premissa por trás da personalidade de cada um seja em tese interessante, o desenvolvimento delas é terrível e tratado de forma completamente secundária. O livro chega até a conter descrições tão pobres e objetivas (“Mosely estava com raiva de sua vida desperdiçada. Ele tinha profundos sentimentos de perda por não ter uma família quando criança e por não ter oferecido uma para o seu filho, onde quer que ele estivesse agora. E tinha um desejo desesperado de pertencer a alguma coisa. De fazer a diferença.”) que lembram aqueles resumos de personagem que um roteirista deixa do lado na hora de escrever seu texto.

O desenvolvimento da personalidade desses personagens é tão superficial que prejudica consideravelmente a ligação do leitor com a história, produzindo o efeito contrário, fazendo com que o leitor queira desesperadamente voltar para algum grande evento causado pelo daemon e largar definitivamente aquelas pessoas. O detetive Sebeck e o agente Merrit constituem uma leve exceção, contudo, se eles despertam alguma empatia certamente não é por suas características pessoais, mas por causa de toda a desgraça a que são submetidos.

Além disso, o escopo da narração se expande com pouco cuidado. O aumento era natural uma vez que Sobol pretendia destruir todo o sistema econômico do mundo, mas a forma como isso é realizado é falha em diversos aspectos. Capítulos compostos apenas por diálogos entre as diversas entidades policiais, administrativas e científicas do mundo,como o FBI, a DARPA, a CIA e a NSA, são divertidos no início, mas se repetem à exaustão sem apresentar novidades. Além disso, e ainda mais grave, personagens novos, como o presidiário Mosely, são apresentados na metade da história, sendo-lhes reservados vários capítulos para no fim não servirem para absolutamente nada. Já outros, como a jornalista Anji, que possui considerável participação no início, são largados no esquecimento. O final do livro também é pouco satisfatório, já que prova que toda a história serviu apenas como preparação de terreno para uma continuação, não concluindo quase a totalidade das tramas.

Daemon é um livro cuja principal falha reside em não contar sua história pelo ponto de vista do protagonista, ou ao menos de sua ferramenta, obrigando o leitor a acompanhar personagens desinteressantes e superficiais. No entanto, Suarez é hábil na elaboração de sua crítica à sociedade, mostrando o quanto somos impotentes nas mãos de pessoas capazes de dominar a tecnologia atual e entretém suficientemente o leitor no processo.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

Publicado originalmente em 01 de Abril de 2014.


About the Author

Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


0 Comments



Be the first to comment!


Deixe uma resposta