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Jogador Número 1.

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Posted 03/01/2018 by in F. Científica
Jogador Número 1 - Capa do Livro

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1/ 5

Sumário

Genero:
 
Autor:
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título: Jogador Número 1.
 
Título Original: Ready Player One.
 
Tradução: Carolina Caires Coelho.
 
Edição: 2015.
 
Páginas: 462.
 
Resumo:

Jogador Número 1, infelizmente, acaba sendo devorado pela própria abordagem de sua narrativa, falhando em desenvolver sua premissa, seus personagens, seus temas e seu universo, perdendo-se em meio às suas infindáveis referências.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Jogador Número 1, ficção científica escrita por Ernest Cline, aposta na vastidão do universo geek para compor a base de sua narrativa. O romance, contudo, é marcado por personagens unidimensionais e uma história maçante e aborrecida, não conseguindo entregar nada além de referências glorificadas.

A trama de Jogador Número 1 transcorre em uma sociedade decrépita, dominada por megacorporações, onde fome, guerra, doenças e mudanças climáticas terríveis são elementos tão cotidianos que sua presença nos noticiários tornou-se banal. Ou seja, basicamente hoje em dia, só que agravado. Nesse cenário, a via de escape das pessoas é digital: o chamado “Oasis” é um software de realidade virtual gratuito de proporções inimagináveis que permite que qualquer um se torne outra pessoa, viva aventuras e faça o que bem entender, compartilhando o mesmo universo infinito com todos os outros jogadores. O protagonista, Wade Watts, é um garoto pobre e órfão, que vive na casa de uma tia que não o suporta. A única parte boa de seu dia é ir para o Oasis, onde participa de uma caça mundial, pois quando o criador do jogo, James Hallyday, morreu, ele deixou sua fortuna e o controle da empresa para a primeira pessoa que conseguir resolver seus enigmas e adquirir três chaves no universo de Oasis. Para isso, essa pessoa tem que compartilhar da mesma obsessão que ele: a cultura geek dos anos 80.

Afirmar que o romance é repleto de referências a jogos de videogame, gibis, animes, filmes, músicas, D&D e o que mais funcionava como entretenimento na época, é um eufemismo: essas referências compõem o alicerce da narrativa, onipresentes até o final. Os personagens discutem os deméritos de O Feitiço de Áquila, jogam vários títulos do Atari, transformam-se no Ultraman, navegam em uma Delorean, fazem homenagem a Vonnegut, e pedem a mesma bebida favorita do protagonista de Highlander quando visitam um bar. As referências fazem parte da linguagem deles, que muitas vezes disputam quem sabe o detalhe mais obscuro até do manual de algum videogame antigo.

Essa mesma postura é adotada na construção das descrições no livro, que, narrado em primeira pessoa, reflete a obsessão do protagonista pelo tema. Assim, elas surgem quase como uma ostentação velada do narrador, que não evita saturar o leitor com suas homenagens e menções à cultura geek, inserindo às vezes quatro ou cinco por parágrafo. Trechos como este são comuns: “Quando cheguei ao bar, pedi uma Pan-Galactic Gargle Blaster para a garçonete Klingon que atendia ao balcão, e virei metade uma vez. Então sorri quando R2 começou outro clássico dos anos 1980. – “Union of the Snake” – eu disse, por força de hábito. – Duran Duran, 1983”.

A narrativa, entretanto, não consegue sustentar essa abordagem por muito tempo ao cometer um erro fatal: ela transmite a obsessão do protagonista, mas não sua paixão. Em outras palavras, ela deixa clara a importância daquele universo para Wade, que praticamente respira os anos 80, mas falha em mostrar por que essa época gera tamanha fascinação no garoto. É uma questão de qualidade, não de quantidade.

As discussões sobre gibis, jogos e filmes, por exemplo, apesar de constantes, são superficiais. Um bom exemplo é o debate que Wade trava com seu amigo Aech sobre Feitiço de Áquila: o protagonista se resume a dizer que o filme é “bom” e “clássico”, apontando os outros trabalhos do diretor, enquanto Aech acusa o longa de ser “chato” e “de mulher”. Não se espera discussões complexas sobre fotografia, desenho de som e ângulos de câmera, mas algo menos superficial era fundamental para a cena ter funcionado. Afinal, quanto mais se gosta de um assunto, mais se procura saber sobre ele, e a discussão entre Wade e Aech – que ainda consegue ser uma das maiores e mais complexas do livro – não ultrapassa o nível de dois garotos com acesso ao IMDB. Eles podem até ter informação, mas definitivamente não demonstram amar o assunto.

No mesmo sentido, nos instantes em que a habilidade de Wade de resolver os desafios e enigmas da caça de Halliday vai ser descrita, ela surge igualmente rasa. Em determinada cena, o garoto precisa bater o recorde mundial de Pac-Man. Ele, então, narra como leu diversas estratégias e estudou vários jogadores famosos para ganhar, mas nunca entra de fato nas estratégias em si. Ou seja, a narrativa é enfática em dizer que Wade é bom, mas nunca chega de fato a mostrar isso.

Como personagem, Wade funciona como um símbolo dos problemas que acometem o romance, mostrando-se vazio quando desprovido de seu revestimento geek. O protagonista é apenas um adolescente cheio de hormônios com conhecimento enciclopédico sobre a década de 80 e comportamento consideravelmente machista, ao ponto de, após ser rejeitado por uma garota que ele deseja que seja “só sua”, sentir a necessidade de substituí-la por uma boneca sexual robótica, o que basicamente mostra como ele enxerga a menina.

Ideologicamente, o garoto pensa apenas o suficiente para opor-se aos vilões, uma empresa que planeja ganhar o concurso de Halliday para passar a cobrar mensalidade pelo acesso ao Oasis, que até então somente gera lucro por microtransações. Wade defende que isso elitizaria o programa, retirando o que ainda resta de escapismo para as massas. Além disso, condena a proposta da empresa de terminar com o anonimato no Oasis, afirmando que se trata de algo fundamental para que pessoas inseguras consigam se expressar. O romance nunca chega a debater esses assuntos, colocando Wade como certo e a empresa como errada, desperdiçando o potencial do tema: o problema do anonimato proporcionar que uma pessoa pratique bullying ou propague discurso de ódio sem medo de ser responsabilizada por seus atos, por exemplo, sequer é mencionado. Wade é bom e heroico e a a empresa é má e vilanesca. Simples assim.

O meio geek também é romantizado sem ressalvas: grupos nerds surgem imediatamente acolhedores aos seus iguais, ser geek parece automaticamente significar ser hacker, e o sofrimento do grupo é exaltado constantemente: “Veja que pensadores, inventores e cientistas costumam ser geeks, e geeks têm mais dificuldade para fazer sexo, mais que qualquer pessoa”.

A narrativa sequer consegue desenvolver apropriadamente o panorama político de seu universo. O Oasis, por exemplo, oferece uma educação gratuita de altíssima qualidade para qualquer um, havendo até um programa social que entrega gratuitamente o hardware que permite o acesso a ele. Tal elemento seria suficiente para chacoalhar o status quo e diminuir a desigualdade social, mas tais consequências parecem nunca ter vindo para o mundo de Wade e a razão disso também não é mencionada.

Já a caça em si se revela formulaica e pouco imaginativa, com enigmas que variam entre o óbvio demais – o primeiro –, e o obtuso demais – o segundo –, proporcionando sequências de ação que só empolgam quem reconhece as referências e unicamente devido a elas. São vários os motivos para isso: os personagens são desinteressantes, a ação em sua gigantesca parte transcorre no universo digital em que ninguém corre perigo real, e o narrador, para variar, está mais preocupado em apontar que conhece o nome de todos os elementos envolvidos na batalha do que em narrá-la, sempre travando o ritmo com suas explicações.

Por fim, há o problema da inconsistência da voz do narrador no prólogo, que, apesar de ser a de Wade, é diferente da empregada no restante dos capítulos: apenas no prólogo ela usa notas de rodapé para apontar as inúmeras referências no texto, relegando-as a uma posição secundária, sem importância, que elas definitivamente não assumem no restante da narrativa. Seria possível argumentar que a mudança simbolizaria o fim do arco narrativo do personagem, refletindo o fim de seu comportamento obsessivo. Contudo, o restante do livro é narrado não enquanto a ação acontece, mas no passado. Ou seja, o Wade que escreve o prólogo é o mesmo que escreve o resto do livro, embora sua voz difira nesses dois momentos sem qualquer justificativa.

Quanto à versão brasileira, é certo que a tradução foi um trabalho hercúleo, mas os deslizes são visíveis: algumas referências baseadas em trocadilhos não são adaptadas, levando a diálogos sem sentido, como a famosa frase de Aperte os cintos, o piloto sumiu “Não me chame de Shirley” vir como resposta a uma pergunta desprovida de qualquer palavra que possa ser confundida com Shirley, possivelmente causando enorme confusão no leitor que não conhece o filme. Enquanto isso, certos termos permanecem em inglês mesmo com tradução oficial (Middle-Earth, em vez de Terra-Média) e alguns específicos da área de games são traduzidos de forma estranha, como cutscene virar cena cortada em vez de cena de corte: ela tem esse nome porque quando a cena surge no jogo ela corta a jogabilidade. Ela não é cortada por nada. Além disso, a linguagem dos personagens foi amenizada, o que é sempre soa artificial: um “Blow me, Aech”, que poderia equivaler a um “Não fode, Aech”,  vira… “Sai fora, Aech”.

Jogador Número 1, infelizmente, acaba sendo devorado pela própria abordagem de sua narrativa, falhando em desenvolver sua premissa, seus personagens, seus temas e seu universo, perdendo-se em meio às suas infindáveis referências.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

01 de março de 2018.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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