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Exorcismos, amores e uma dose de blues.

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Posted 07/28/2017 by in Fantasia Urbana

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Nota:
 
 
 
 
 

4/ 5

Sumário

Genero: ,
 
Autor:
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título: Exorcismos, amores e uma dose de blues.
 
Edição: 2014.
 
Páginas: 335.
 
Capa: Diogo Droschi.
 
Resumo:

Exorcismos, amores e uma dose de blues é uma fantasia urbana capaz de surpreender com seus aspectos fantásticos e de intrigar com seus mistérios e clima noir. Embora falhe em certos aspectos de sua trama, o romance ainda se configura um dos melhores exemplares de fantasia urbana nacional.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

Escrito pelo brasileiro Eric Novello, Exorcismos, amores e uma dose de blues é uma fantasia urbana eficiente, que mescla elementos do noir com do fantástico, trazendo uma gama de personagens atormentados, uma trama desnecessariamente complexa e um universo fascinante, construído com elementos únicos e criativos.

Na história, Tiago Boanerges é um exorcista que foi demitido após se envolver romanticamente durante um de seus casos, tendo sua vida arruinada pelo evento. O objetivo era expulsar o ser mágico que vivia dentro de uma garota, Elisa Goldin: uma musa que inspirava a cantora ao mesmo que se alimentava dela e daqueles ao seu redor. Proporcionando relações sexuais fora do comum e alterando a capacidade de empatia e pensamento das pessoas, a musa conseguiu conquistar Tiago e o impedir de realizar seu trabalho. Anos mais tarde, porém, seu antigo chefe o avisa que a musa voltou a aparecer e matou justamente o exorcista que completou – aparentemente mal – a tarefa de Tiago.

Assumindo imediatamente uma atmosfera noir, o romance de Novello introduz rapidamente vários elementos típicos do gênero. O protagonista, por exemplo, surge como um detetive particular obcecado pelos erros do passado. Consumido pela culpa, incapaz de satisfazer-se com qualquer relação sexual, e sem amigos, emprego e propósito, Tiago quase morreu após o caso com a musa, tornando-se introspectivo e soturno. A musa, aliás, assume perfeitamente o papel de femme fatale, servindo como a paixão do rapaz, mas também como sua danação – apropriadamente, uma das primeiras manifestações físicas da criatura na narrativa é na forma de uma mulher vestida de vermelho.

As ruas que Tiago caminha são sujas, a sociedade em vive passa por um período politicamente conturbado, com aumento de protestos, pobreza e violência. Novello captura perfeitamente até a hipocrisia daqueles que se intitulam “pessoas de bem”, contrastando o campo semântico positivo do termo com os atos de violência que essas pessoas cometem e com o discurso de ódio que proferem.

O romance, entretanto, teria se beneficiado de mais críticas sociais similares: um noir chama a política para si, mas Novello parece hesitante em tocar no assunto. Com isso, partes da trama acabam tematicamente supérfluas: a função simbólica de uma personagem específica e da organização que ela comanda é basicamente nula, embora pudesse ter sido salva por um enfoque político nas ramificações de suas atividades.

Tal personagem até acrescenta uma camada a mais de complexidade à história, trazendo mistérios, motivações e reviravoltas particulares. Contudo, além de sua conclusão ser anticlimática, sua remoção completa da narrativa, com as devidas alterações, não teria causado qualquer prejuízo. Até a inclusão do ponto de vista da personagem na metade do livro é questionável, visto que surge tão subitamente quanto desaparece e sequer inclui muita coisa que a personagem não vá repetir para o protagonista depois. Ou seja, a personagem pode adicionar mais elementos à história, mas eles são dispensáveis.

Inserindo letras de música do gênero Blues no meio da narrativa para fortalecer a atmosfera noir, Novello também peca em tornar o significado delas extremamente óbvio, perdendo uma oportunidade de criar simbolismos ou paralelismos mais sutis e interessantes.

Já ao trabalhar com o fantástico, o autor se sai bem melhor. O universo paralelo que constrói, onde criaturas mágicas e oníricas afetam constantemente a vida humana a ponto de existir órgãos públicos responsáveis pelo controle delas, é apresentado gradativamente ao leitor, com quase nenhum instante de exposição forçada.

O autor flerta constantemente com o nonsense, elaborando situações tão imaginativas que não chegam a dever nada aos melhores trabalhos de Neil Gaiman. Em determinado capítulo, por exemplo, Tiago, viajando pelo mundo dos sonhos, adentra um jardim com sua pupila Julia, onde todas suas ações tem que ser espelhadas para funcionar, onde flores xingam os transeuntes constantemente, onde prestar atenção nelas leva ao esquecimento profundo de todas as coisas, e onde jardineiros fumam narguilé e escondem segredos e ameaças.

O mesmo apreço pelo absurdo e pela quebra de expectativas pode ser observado na construção dos parágrafos. Na descrição do ambiente de trabalho de um artesão que vive no mundo dos sonhos, por exemplo, Novello, para efeito cômico, liga elementos incompatíveis, geralmente distantes no campo semântico: “Sentada na prateleira junto às cabeças animais, a lebre de bronze discursava sobre a finitude da vida de um construto, orelhas se movendo assíncronas, um ar de pedantismo acadêmico ao se expressar. Na base da estante dos fundos, peças de cobre arriscavam combinações aleatórias visando completar o corpo do rinoceronte, que não parava de reclamar da balbúrdia.”

O livro também acerta no desenvolvimento da relação amorosa entre Tiago e Elisa, que traz seu próprio arco narrativo. Ambos amam inicialmente a Musa e não um ao outro, estando vidrados apenas no prazer sexual proporcionado pela criatura. O reencontro dos dois vem carregado da culpa do exorcista por ter posto a vida dela em perigo e da esperança de que agora a relação será mais saudável e verdadeira. Novello, porém, foge de qualquer moralismo, não condenando o ato sexual, mas o colocando como um ato íntimo, sensual e natural. Na cena que dá título ao livro, o autor utiliza-se de várias páginas para descrever um dos únicos momentos de alívio físico e emocional do protagonista, conferindo peso dramático à cena devido à importância do momento para todos os envolvidos.

Exorcismos, amores e uma dose de blues é uma fantasia urbana capaz de surpreender com seus aspectos fantásticos e de intrigar com seus mistérios e clima noir. Embora falhe em certos aspectos de sua trama, o romance ainda  se configura um dos melhores exemplares de fantasia urbana nacional.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

28 de julho de 2017.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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