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A menina que brincava com fogo.

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Posted 07/11/2015 by in Suspense

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Nota:
 
 
 
 
 

2/ 5

Sumário

Genero:
 
Autor:
 
Editora:
 
Idioma Original:
 
Título: A menina que brincava com fogo.
 
Título Original: Flickan som lekte med elden.
 
Tradução: Dorothée de Bruchard;
 
Edição: 2013.
 
Páginas: 607.
 
Capa: Retina 78
 
Resumo:

Stieg Larson pode ter expandido o tema de sua trilogia e colocado sua personagem mais interessante nos holofotes, mas ao construir uma narrativa desinteressante que se repete ao máximo e ao sequer concluir as tramas que mais se importou em contar, ele acaba tornando o livro bem inferior ao que o antecedeu.

by Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo
Full Article

O primeiro volume da trilogia Millenium, Os homens que não amavam as mulheres, foi muito bem sucedido por conseguir unir um suspense envolvente a uma crítica social relevante, ao mesmo tempo em que construía personagens fortes em uma narrativa impecável. Contudo, sua continuação, A menina que brincava com fogo, apesar de continuar denunciando crimes cometidos contra mulheres, apresenta um ritmo lento demais e uma narrativa que parece não saber em que personagens focar a atenção: em vez de seguir a protagonista, a narrativa se deixa levar por tramas longas e inúteis que em nada interferem no clímax da história.

É Lisbeth Salander quem assume o papel de protagonista nessa continuação. Após investigar as falcatruas do empresário Wennerström e ficar milionária, Lisbeth decide partir para bem longe da Suécia e viajar para a ilha de Granada, no Caribe, onde inicia relações sexuais com um jovem morador e começa a suspeitar das intenções de seus vizinhos de quarto no hotel. Enquanto isso, Mikael Blomkvist prepara uma edição especial de sua revista Millenium, em que acusará vários integrantes tanto do poder judiciário quanto da polícia de contribuir para o tráfico de mulheres e de participar do comércio sexual que ocorre ilegalmente em seu país.

O livro não perde tempo em revelar que continuará explorando o tema de seu antecessor, situando o prólogo em uma câmara de tortura, onde uma menina está sendo mantida presa. Os abusos cometidos contra as mulheres continuam sendo o ponto central de A menina que brincava com o fogo, mas agora o foco é expandido para o comércio sexual na Suécia.

Como no volume anterior, Larson não poupa dados estatísticos incômodos, expondo-os diretamente ao leitor por intermédio de diálogos – se expositivos ao máximo – reveladores e alarmantes que esmiúçam o funcionamento do esquema, informando o salário dos envolvidos e o número de mulheres usadas: “Calculei que uma garota rende quase sessenta mil coroas por mês, das quais umas quinze mil são deduzidas para despesas diversas: deslocamentos, roupas, moradia etc. Não é uma vida luxuosa, e muitas vezes elas são obrigadas a dividir um apartamento fornecido pelos traficantes. Das quarenta e cinco mil coroas restantes, o bando retém entre vinte e trinta mil. O chefe embolsa metade, digamos quinze mil, e reparte a outra metade para seus funcionários: motorista, capanga e outros. Sobram de dez a dose mil coroas para a garota.” , “É assim que funciona a economia do estupro.” Uma das personagens até chega a se revoltar com o baixo valor monetário movimentado: “De fato, mixaria. Só que, para juntar essas modestas quantias, cem meninas precisam ser estupradas. Fico louca com isso!”.

O tema escolhido por Larson é uma evolução natural do trabalhado no volume anterior e, por isso, cresce organicamente na história, permitindo, ainda, que o autor realize algumas homenagens aos eventos de Os homens que não amavam as mulheres. São esses assuntos tratados em A menina que brincava com fogo, por sinal, os principais responsáveis por tornar o livro relevante, pois Larson jamais deixa de atacar a sociedade sueca, não perdendo uma oportunidade para tecer, por intermédio de seus personagens, duras críticas sociais, fazendo-os ora reclamar de cortes de orçamento em tratamentos psiquiátricos, ora da atuação da polícia (“A polícia sueca, porém, em sua grande sabedoria, introduzira a munição de caça em seu arsenal dois anos antes”).

É, portanto, uma pena que dessa vez Stieg Larson falhe em construir uma narrativa empolgante ou, no mínimo, justificável. No primeiro livro, por exemplo, eram sugeridas várias questões ao leitor para manter sua atenção. Por que Mikael não se defendeu no tribunal das acusações de difamação? O que Wennerström esconde? Quem matou Harriet? Eram perguntas relevantes que, logo no início, capturavam a atenção do leitor e ainda definiam as principais tramas do livro.

Em a menina que brincava com fogo, porém, a viagem de Lisbeth para Granada suscita questões que, além de serem rapidamente resolvidas, em nada interferem na história. O mistério acerca dos peculiares americanos do hotel, por exemplo, não é nada mais que uma homenagem ao tema do primeiro livro, sendo completamente esquecido depois. A relação entre Lisbeth e o garoto também não passa de uma distração, cuja única consequência é aumentar o número de páginas do romance.

Quando a história finalmente parece engrenar – após alguns assassinatos incriminarem Salander – Larson a divide em três núcleos, acompanhando as investigações que se iniciam para apurar a responsabilidade de Lisbeth nos crimes.

De um lado, o leitor acompanhará o jornalista Mikael Blomkvist, que se recusa a aceitar a culpa de sua antiga ajudante e começa a pesquisar os laços entre a denúncia que sua revista iria fazer e os incidentes recentes. Um dos problemas dessa parte é a apatia de Mikael na busca por informações. Muitas vezes, a própria Lisbeth se vê obrigada a guiá-lo para o caminho certo, pois ele fica a maior parte do tempo sentado em uma cadeira, checando os mesmos nomes repetidamente – obviamente ignorando o único que importa – e matutando sobre a relação que ele mantinha com a personagem.

De outro, está o inquérito policial, comandado pelo detetive Blublanski. O objetivo de Larson aqui é enfurecer o leitor: as conclusões da polícia são completamente influenciadas e deturpadas por preconceito. A maior parte das pessoas que integram a investigação assume os pontos de vista combatidos pelo livro e analisam as evidências com base em julgamentos pré-concebidos acerca de quem é o culpado. Quando os personagens que conheceram Lisbeth afirmam que ela não é louca e muito menos burra, como seu perfil psiquiátrico aponta, por exemplo, Blublanski, em vez de levar a informação em consideração, fica irritado. O leitor, então, é levado a odiar ainda mais as ideias machistas e o preconceito da sociedade, numa eficiente técnica narrativa de Larson. Todavia, a investigação policial ocupa um espaço enorme do livro e não chega a lugar algum. Uma coisa seria o autor tornar tal inconsequência desse núcleo a conclusão de sua posição sobre o assunto (a polícia é incompetente), mas não há qualquer fechamento para a trama, o que leva o leitor a questionar sua absurda extensão na narrativa.

Quase o mesmo pode ser dito sobre a terceira investigação, iniciada pelo antigo empregador de Lisbeth, Dragan Armanskij. Armanskij, sob a desculpa de auxiliar as autoridades, empresta seus funcionários para a polícia, com o real objetivo de descobrir se Salander realmente cometeu os crimes. Essa trama não tem qualquer ponto positivo ou sequer razão para existir, uma vez que, além de não influenciar ou adicionar perspectivas novas à narrativa, também não é concluída.

Ou seja, assim que o enredo do livro é revelado e a protagonista é incriminada, ela desaparece da narrativa, que prefere seguir três investigações irrelevantes lideradas por indivíduos incapazes de descobrir qualquer informação por si mesmos.

Além disso, o autor também peca consideravelmente pela repetição de ideias. Já é bastante cansativo para o leitor ter que acompanhar cinco personagens diferentes concluindo após páginas e páginas de reflexão que nunca conheceram bem Lisbeth Salander e que, por isso, ela pode ser a culpada; agora, ler os mesmos refletindo sobre isso mais de uma vez é simplesmente absurdo.

Também vale notar que Larson exagera tanto na incompetência dos policiais que chega ao ponto de o leitor não acreditar que eles possam ser tão ignorantes: no momento, por exemplo, em que o psiquiatra Peter Teleborian afirma em rede nacional que Lisbeth “…pode se curar, e poderia estar curada hoje se tivesse recebido a ajuda adequada quando ainda era suscetível ao tratamento” para pouco depois dizer “Isso porque ela nunca foi receptiva ao tratamento”, o leitor inevitavelmente se perguntará se a clara inconsistência do depoimento passou despercebida apenas pelos policiais ou também pelo autor.

Por fim, Larson parece enlouquecer no clímax, transformando Lisbeth Salander numa super-heroína invencível capaz de deduzir qualquer coisa e vencer qualquer obstáculo, traindo o tom realista da história. O que é uma pena, pois a sutileza com que o autor revela ao leitor o contexto do prólogo prometia uma conclusão igualmente impactante e eficiente.

Stieg Larson pode ter expandido o tema de sua trilogia e colocado sua personagem mais interessante nos holofotes, mas ao construir uma narrativa desinteressante que se repete ao máximo e ao sequer concluir as tramas que mais se importou em contar, ele acaba tornando A menina que brincava com fogo um livro bem inferior ao que o antecedeu.

por Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo.

11 de Julho de 2015.


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Rodrigo Lopes C. O. de Azevedo


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